Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)/Cantos da solidão/No meu aniversário: diferenças entre revisões
m ajustes utilizando AWB |
mSem resumo de edição |
||
Linha 1: | Linha 1: | ||
{{navegar |
{{navegar |
||
| |
|obra = [[../|Cantos da solidão]] |
||
|autor=Bernardo Guimarães |
|autor = Bernardo Guimarães |
||
⚫ | |||
|anterior= |
|||
|anterior = [[../Desalento/]] |
|||
⚫ | |||
|posterior = [[../Visita à sepultura de meu irmão/]] |
|||
}} |
|||
|notas = {{integra|poema=[[Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)|''Poesias'']] (1865).}} |
|||
<poem> |
|||
|edição_override = {{edição/originais}} |
|||
''Ao meu amigo o Sr. F.J. de Cerqueira'' |
|||
}}{{modernização}} |
|||
<pages index="Poesias (Bernardo Guimarães, 1865).djvu" from=93 to=96 /> |
|||
{{DEFAULTSORT:No meu aniversario}} |
|||
''Hélas! hélas! mes années'' |
|||
''Sur ma tête tombent fanées,'' |
|||
''Et ne refleuriront jamais.'' |
|||
(Lamartine) |
|||
⚫ | |||
Não vês, amigo? - Lá desponta a aurora |
|||
[[Categoria:Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)]] |
|||
Seus róseos véus nos montes desdobrando; |
|||
Traz ao mundo beleza, luz e vida, |
|||
Traz sorrisos e amor; |
|||
Foi esta qu'outro tempo |
|||
Meu berço bafejou, e as tenras pálpebras |
|||
Me abriu à luz da vida, |
|||
E vem hoje no circulo dos tempos |
|||
Marcar sorrindo o giro de meus anos. |
|||
Já vai bem longe a quadra da inocência, |
|||
Dos brincos e dos risos descuidos os; |
|||
Lá s'embrenham nas sombras do passado |
|||
Os da infância dourados horizontes. |
|||
Oh! feliz quadra! - então eu não sentia |
|||
Roçar-me pela fronte |
|||
A asa do tempo estragadora e rápida; |
|||
E este dia de envolta com os outros |
|||
Lá s'escoava desapercebido; |
|||
Ia-me a vida em sonhos prazenteiros, |
|||
Como ligeira brisa |
|||
Entre perfumes leda esvoaçando. |
|||
Mas hoje que caiu-me a venda amável! |
|||
Que as misérias da vida me ocultava, |
|||
Eu vejo com tristeza |
|||
O tempo sem piedade ir desfolhando |
|||
A flor dos anos meus; |
|||
Vai-se esgotando a urna do futuro |
|||
Sem do seio sair-lhe os dons sonhados |
|||
Na quadra em que a esperança nos embala |
|||
Com seu falaz sorriso. |
|||
Qual sombra vá, que passa |
|||
Sem vestígios deixar em seus caminhos, |
|||
Eu vou transpondo a arena da existência, |
|||
Vendo irem-se escoando uns após outros |
|||
Os meus estéreis dias, |
|||
Qual náufrago em rochedo solitário, |
|||
Vendo a seus pés quebrar-se uma por uma |
|||
As ondas com monótono bramido, |
|||
Ah! sem jamais no dorso lhe trazerem |
|||
O lenho salvador! |
|||
Amigo, o fatal sopro da descrença |
|||
Me roça às vezes n'alma, e a deixa nua, |
|||
E fria como a laj em do sepulcro; |
|||
Sim, tudo vai-se; sonhos de esperança, |
|||
Férvidas emoções, anelos puros, |
|||
Saudades, ilusões, amor e crenças, |
|||
Tudo, tudo me foge, tudo voa |
|||
Como nuvem de flores sobre as asas |
|||
De rábido tufão. |
|||
Onde vou? Para onde me arrebatam |
|||
Do tempo as ondas rápidas? |
|||
Por que ansioso corro a esse futuro, |
|||
Onde reinam as trevas da incerteza? |
|||
E se através de escuridão perene |
|||
Só temos de sulcar ignotos mares |
|||
De escolhos semeados, |
|||
Não é melhor abandonar o leme, |
|||
Cruzar no peito os braços, |
|||
E deixar nosso lenho errar às tontas, |
|||
Entregue às ondas da fatalidade? |
|||
............................................................. |
|||
............................................................. |
|||
Ah! tudo é incerteza, tudo sombras, |
|||
Tudo um sonhar confuso e nebuloso, |
|||
Em que se agita o espírito inquieto, |
|||
Até que um dia a plúmbea mão da morte |
|||
Nos venha despertar, |
|||
E os sombrios mistérios revelar-nos, |
|||
Que em seu escuro seio |
|||
Com férreo selo guarda a campa avara. |
|||
</poem> |
|||
⚫ |
Revisão das 19h44min de 20 de abril de 2020
AO MEU AMIGO O SR.
Hélas! hélas! mes années
Sur ma tête tombent fanées,
Et ne refleuriront jamais.
(Lamartine.)
Não vês, amigo? — Lá desponta a aurora
Seus roseos véos nos montes desdobrando;
Traz ao mundo belleza, luz e vida,
Traz sorrisos e amor;
Foi esta qu’outro tempo
Meu berço bafejou, e as tenras palpebras
Me abrio á luz da vida,
E vem hoje no circulo dos tempos
Marcar sorrindo o gyro de meus annos.
Já vai bem longe a quadra da innocencia,
Dos brincos e dos risos descuidosos;
Lá s’embrenhão nas sombras do passado
Os da infancia dourados horizontes.
Oh! feliz quadra! — então eu não sentia
Roçar-me pela fronte
A aza do tempo estragadora e rapida;
E este dia de envolta com os outros
Lá s’escoava desapercebido;
Ia-me a vida em sonhos prazenteiros,
Como ligeira briza
Entre perfumes leda esvoaçando.
Mas hoje que cahio-me a venda amavel
Que as miserias da vida me occultava,
Eu vejo com tristeza
O tempo sem piedade ir desfolhando
A flôr dos annos meus;
Vai-se esgotando a urna do futuro
Sem do seio sahir-lhe os dons sonhados
Na quadra em que a esperança nos embala
Com seu fallaz sorriso.
Qual sombra vã, que passa
Sem vestigios deixar em seus caminhos,
Eu vou transpondo a arena da existencia,
Vendo irem-se escoando uns apos outros
Os meus estereis dias,
Qual naufrago em rochedo solitario,
Vendo a seus pés quebrar-se uma por uma
As ondas com monotono bramido,
Ah! sem jámais no dorso lhe trazerem
O lenho salvador!
Amigo, o fatal sopro da descrença
Me roça ás vezes n’alma, e a deixa nua,
E fria como a lagem do sepulcro;
Sim, tudo vai-se; sonhos de esperança,
Fervidas emoções, anhelos puros,
Saudades, illusões, amor e crenças,
Tudo, tudo me foge, tudo vôa
Como nuvem de flôres sobre as azas
De rabido tufão.
Onde vou? Para onde me arrebatão
Do tempo as ondas rapidas?
Porque ancioso corro a esse futuro,
Onde reinão as trevas da incerteza?
E se através de escuridão perenne
Só temos de sulcar ignotos mares
De escolhos semeados,
Não é melhor abandonar o leme,
Cruzar no peito os braços,
E deixar nosso lenho errar ás tontas,
Entregue ás ondas da fatalidade?
Ah! tudo é incerteza, tudo sombras,
Tudo um sonhar confuso e nebuloso,
Em que se agita o espirito inquieto,
Até que um dia a plumbea mão da morte
Nos venha despertar,
E os sombrios mysterios revelar-nos,
Que em seu escuro seio
Com ferreo sello guarda a campa avara.