Os Trabalhadores do Mar/Parte I/Livro II/II: diferenças entre revisões

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|obra=[[Os Trabalhadores do Mar]]
|autor=Victor Hugo
|tradutor=Machado de Assis
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Gilliatt era um selvagem. Mess Lethierry era outro.

Este, porém, era um selvagem elegante.

Era exigente a respeito de mãos de mulheres.

Ainda moço, quase menino, estando entre marinheiro e grumete, ouviu dizer ao bailio de Suffren: Bonita rapariga, mas que grandes mãos vermelhas que ela tem! Um dito de almirante impõe, em qualquer assunto que seja. Acima de um oráculo está uma senha.

A exclamação do bailio de Suffren fez com que Mess Lethierry se tornasse delicado e exigente acerca de mãos alvas. A dele era uma larga espátula, escura na cor; na agilidade era uma clava, nas carícias uma torques; quebrava um seixo com um soco.

Não era casado. Não quis ou não encontrou mulher. Naturalmente, o marinheiro queria mãos de duquesa. Não se encontram mãos dessas nas pescadoras de Port-Bail.

Conta-se entretanto que em Rochefort (Charente) achou ele um dia uma grisette que realizava o seu ideal Linda moça e lindas mãos. Detraía e arranhava. Afrontá-la era perigoso. As suas unhas, extremamente asseadas, tornavam-se garras destemidas, quando era necessário. Tão belas unhas encantaram Mess Lethierry; mas depois, receando que viesse a perder a autoridade sobre a amante, resolveu não levar aquele namorico à presença do senhor matre.

De outra feita, em Aurigny, gostou de uma rapariga. Já cuidava dos esponsais, quando um residente do lugar lhe disse: Dou-lhe os meus parabéns. Leva uma boa esterqueira. Lethierry pediu explicações deste elogio. Em Aurigny há uma moda. Apanha-se esterco de vaca e deita-se às paredes. Depois de seco, cai o esterco e serve para aquecer a gente. Ninguém casa com uma rapariga, senão quando é boa esterqueira. Esta habilidade afugentou Mess Lethierry.

Demais, em assunto de amor ou namoro, tinha ele uma boa filosofia rústica, uma ciência de marinheiro: apanhado sempre, encadeado nunca. Lethierry gabava-se de ter-se deixado vencer sempre pela vasquinha, no tempo da sua mocidade. O que hoje se chama crinolina chamava-se, então, vasquinha. Significa mais e menos que unia mulher.

Os rudes marinheiros do arquipélago normando são inteligentes.

Quase todos sabem ler. Vêem-se, aos domingos, rapazitos de oito anos, assentados em um grande novelo de cabos, com um livro na mão. Os marinheiros normandos foram sempre sardonicos, e sabem dizer coisas chistosas. Foi um deles, o atrevido piloto Queripel, quem atirou a Montgomery, refugiado em Jersey depois da funesta lançada contra Henrique II, esta apóstrofe: Cabeça doida feriu a cabeça vazia. Outro marinheiro, por nome Touzeau, arrais em Saint-Brelade, fez o trocadilho filosófico atribuído ao Bispo Camus: Aprés Ia mort les papes deviennent papillons et les sires deviennent cirons (Depois da morte tornam-se os papas borboletas, e os reis.

[[Categoria:Os Trabalhadores do Mar]]

Edição atual desde as 19h18min de 16 de outubro de 2020

II.


UMA PREFERENCIA DE MESS LETHIERRY.


Gilliatt era um selvagem. Mess Lethierry era outro.

Este, porém, era um selvagem elegante.

Era exigente a respeito de mãos de mulheres.

Ainda moço, quasi menino, estando entre marinheiro e grumete, ouvio dizer ao bailio de Suffren: Bonita rapariga, mas que grandes mãos vermelhas que ella tem! Um dito de almirante impõe, em qualquer assumpto que seja. Acima de um oraculo está uma senha. A exclamação do bailio de Suffren fez com que Mess Lethierry se tornasse delicado e exigente acerca de mãos alvas. A delle era uma larga spatula, escura na côr; na agilidade era uma clava, nas caricias uma torquez; quebrava um seixo com um socco.

Não era casado. Não quiz ou não encontrou mulher. Naturalmente o marinheiro queria mãos de duqueza. Não se encontram mãos dessas nas pescadoras de Port-Bail.

Conta-se entretanto que, em Rochefort (Charente) achou elle um dia uma grisette que realisava o seu ideal. Linda moça e lindas mãos. Detrahia e arranhava. Affrontal-a era perigoso. As suas unhas, extremamente asseiadas, tornavam-se garras destemidas, quando era necessario. Tão bellas unhas encantaram Mess Lethierry; mas depois, receando que viesse a perder a autoridade sobre a amante, resolveu não levar aquelle namorico á presença do senhor maire.

De outra feita, em Aurigny, gostou de uma rapariga. Já cuidava dos esponsaes, quando um residente do lugar lhe disse: Dou-lhe os meus parabens. Leva uma boa esterqueira. Lethierry pedio explicações deste elogio. Em Aurigny ha uma moda. Apanha-se esterco de vacca e deita-se ás paredes. Depois de secco, cahe o esterco e serve para aquecer a gente. Ninguem casa com uma rapariga, senão quando é boa esterqueira. Esta habilidade afugentou Mess Lethierry.

De mais, em assumpto de amor ou de namoro, tinha elle uma boa philosophia rustica, uma sciencia de marinheiro apanhado sempre, encadeado nunca. Lethierry gabava-se de ter-se deixado vencer sempre pela vasquinha, no tempo da sua mocidade. O que hoje se chama crinolina, chamava-se então vasquinha. Significa mais e menos que uma mulher.

Os rudes marinheiros do archipelago normando são intelligentes. Quasi todos sabem ler. Vê-se ao domingo rapazitos de oito annos, assentados em um grande rolo de cabos, com um livro na mão. Os marinheiros normandos foram sempre sardonicos, e sabem dizer cousas chistosas. Foi um delles, o atrevido piloto Queripel quem atirou a Montgomery refugiado em Jersey depois da funesta lançada contra Henrique II, esta apostrophe: cabeça douda ferio a cabeça vasia. Outro marinheiro, por nome Touzeau, arraes em Saint-Brelade, fez o trocadilho philosophico attribuido ao bispo Camus: Après la mort les papes deviennent papillons et les sires deviennent cirons. (Depois da morte tornam-se os papas borboletas, e os reis ouçãos).