Pastoral aos crentes do amor e da morte (1923)/Cysnes brancos: diferenças entre revisões

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Cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da montanha onde morre a tarde.

Oh! cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.

Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.

Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.

Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob as asas,
A alma cheia de ladainhas.

Oh! cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago de alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...

Quando chegaste, os violoncelos
Que andam no ar cantaram hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.

Foram-se as brancas horas sem rumo.
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vinda.

Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas...
E anjos disseram : – Não mais acordas,
Lírio nascido nas escarpas!

Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
Com os beijos santos da despedida.
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[[Categoria:Simbolismo brasileiro]]
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Revisão das 19h07min de 16 de maio de 2021

VII

Minh’alma é a torre de uma egreja:
Passa de lucto o sacristão...
A coruja que nella adeja
E’ o meu proprio coração.

E o sacristão que nunca dorme
(E’ um esqueleto que não conheço.)
Sobe a escadaria enorme
Que não tem fim nem tem começo.

Sobe e põe-se lá de cima,
Como dolente trovador que é,
A dizer versos onde a rima
E’ a uncção de um peito cheio de fé.

São psalmos tristes, mortuarios,
Profundas preces de penitencia.
Surgem imagens de calvarios,
No fim de cada uma existencia.

Matinas, vesperas, completas,
Soluçam na sua voz.
Seguem-se horas de silencio, inquietas,
De uma agonia atroz.

E o sacristão, todo de preto,
Beija o retrato de uma dama.
E’ bem gentil este esqueleto
Fazendo um gesto de quem ama.

Só neste instante é que, fitando
Os finos ossos que Deus me deu,
Me reconheço no miserando
Espectro vil: sou eu! sou eu!

Quando morre quem quer que seja,
O sacristão põe-se a rezar.
Minh’alma é a torre de uma egreja,
Que tem um sino sempre a dobrar...