Poesia e Mendicidade: diferenças entre revisões

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{{d|No álbum da Exmª Srª D. Maria Justina Proença Pereira Peixoto}}
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[[Categoria:Poesia brasileira]]


;{{versículo/n|-|I}}
<BR><b>I
Senhora! A Poesia outrora era a Estrangeira,
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Senhora! A Poesia outrora era a Estrangeira,


<BR>Pálida, aventureira, errante a viajar,
Pálida, aventureira, errante a viajar,
<BR>Batendo em duas portas - ao grito das procelas -
Batendo em duas portas &mdash; ao grito das procelas &mdash;
<BR>Ao céu - pedindo estrelas, à terra - um pobre lar!
Ao céu &mdash; pedindo estrelas, à terra &mdash; um pobre lar!


<BR>Visão-de áureos lauréis-porém de manto esquálido,
Visão-de áureos lauréis-porém de manto esquálido,
<BR>Mulher-de lábio pálido-e olhar-cheio de luz.
Mulher-de lábio pálido-e olhar-cheio de luz.
<BR>Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam...
Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam...
<BR>E os astros lhe resvalam-à flor dos ombros nus...
E os astros lhe resvalam-à flor dos ombros nus...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>II
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Olhai! O sol descamba... A tarde harmoniosa
<BR>Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu.
<BR>Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento,
<BR>De um marco poeirento um velho então se ergueu.


;{{versículo/n|-|II}}
<BR>Ergueu-se tateando... é cego... o cego anseia...
Olhai! O sol descamba... A tarde harmoniosa
<BR>Porém o que tateia aquela augusta mão?...
Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu.
<BR>Talvez busca pegar o sol, que lento expira!...
Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento,
<BR>Fado cruel... mentira!... Homero pede pão!
De um marco poeirento um velho então se ergueu.
<BR><b>&nbsp;</b>


Ergueu-se tateando... é cego... o cego anseia...
<BR><b>III
Porém o que tateia aquela augusta mão?...
</b>
Talvez busca pegar o sol, que lento expira!...
<BR>&nbsp;
Fado cruel... mentira!... Homero pede pão!
<BR>Mas ai! volvei, Senhora, os vossos belos olhos
<BR>Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai!
<BR>Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro...
<BR>O lar é hospitaleiro... Entrai, Senhora, entrei!


;{{versículo/n|-|III}}
<BR>Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura
Mas ai! volvei, Senhora, os vossos belos olhos
<BR>Servem de compostura à sala vasta e chã.
Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai!
<BR>A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia
Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro...
<BR>A mão suave, esguia - à loura castelã.
O lar é hospitaleiro... Entrai, Senhora, entrei!
<BR>Vai o banquete em meio... O bardo se alevanta
<BR>Pega da lira... canta... uma canção de amor...


Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura
<BR>Ouvi-o! Para ouvi-lo a estrela pensativa
Servem de compostura à sala vasta e chã.
<BR>Alonga pela ogiva um raio de languor!
A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia
<BR>Dos ramos do carvalho a brisa se debruça...
A mão suave, esguia &mdash; à loura castelã.
<BR>Na sala alguém soluça... (amor, ou languidez?)
Vai o banquete em meio... O bardo se alevanta
<BR>Súbito a nota extrema anseia, treme, rola...
<BR>Alguém pede uma esmola... Senhora, não olheis!...
Pega da lira... canta... uma canção de amor...


Ouvi-o! Para ouvi-lo a estrela pensativa
<BR>&nbsp;
Alonga pela ogiva um raio de languor!
<BR>Assim nos tempos idos a musa canta e pede...
Dos ramos do carvalho a brisa se debruça...
<BR>Gênio e mendigo... vede... o abismo de irrisões!
Na sala alguém soluça... (amor, ou languidez?)
<BR>Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante...
Súbito a nota extrema anseia, treme, rola...
<BR>Caminha roto o Dante! e pede pão Camões.
Alguém pede uma esmola... Senhora, não olheis!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>IV
</b>


Assim nos tempos idos a musa canta e pede...
<BR>&nbsp;
Gênio e mendigo... vede... o abismo de irrisões!
<BR>Bem sei, Senhora, que ao talento agora
Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante...
<BR>Surgiu a aurora de uma luz amena.
Caminha roto o Dante! e pede pão Camões.
<BR>Hoje há salário p'ra qualquer trabalho
<BR>Cinzel, ou malho, ferramenta ou penal
<BR>Melhor que o Rei sabe pagar o pobre


;{{versículo/n|-|IV}}
<BR>Melhor que o nobre --protetor verdugo-
Bem sei, Senhora, que ao talento agora
<BR>Foi surdo um trono... à maior glória vossa.
Surgiu a aurora de uma luz amena.
<BR>Abre-se a choça aos Miseráveis de Hugo.
Hoje há salário p'ra qualquer trabalho
<BR>Porém não sei se é por costume antigo,
Cinzel, ou malho, ferramenta ou penal
<BR>Que inda é mendigo do cantor o gênio.
Melhor que o Rei sabe pagar o pobre
<BR>Mudem-se os panos do cenário a esmo


Melhor que o nobre &mdash;protetor verdugo&mdash;
<BR>O vulto é o mesmo... num melhor proscênio...
Foi surdo um trono... à maior glória vossa.
<BR><b>&nbsp;</b>
Abre-se a choça aos Miseráveis de Hugo.
<BR><b>V
Porém não sei se é por costume antigo,
</b>
Que inda é mendigo do cantor o gênio.
<BR>&nbsp;
Mudem-se os panos do cenário a esmo
<BR>Hoje o Poeta - caminheiro errante,
<BR>Que tem saudade de um país melhor
<BR>Pede uma pérola - à maré montante,


O vulto é o mesmo... num melhor proscênio...
<BR>Do seio às vagas-pede-um outro amor.
<BR>Alma sedenta de ideal na terra
<BR>Busca apagar aquela sede atroz!
<BR>Pede a harmonia divinal, que encerra
<BR>Do ninho o chilro... da tormenta a voz!
<BR>E o rir da folha, o sussurrar da fala,


;{{versículo/n|-|V}}
<BR>Trenos da estrela no amoroso estio.
Hoje o Poeta &mdash; caminheiro errante,
<BR>Voz que dos poros o Universo exala
Que tem saudade de um país melhor
<BR>Do céu, da gruta, do alcantil, do rio!
<BR>Pede aos pequenos, desde o verme ao tojo,
Pede uma pérola &mdash; à maré montante,
<BR>Ao fraco, ao forte... preces, gritos, uivos...
<BR>Pede das águias o possante arrojo,


Do seio às vagas-pede-um outro amor.
<BR>Para encontrar os meteoros ruivos.
Alma sedenta de ideal na terra
<BR>Pede à mulher que seja boa e linda
Busca apagar aquela sede atroz!
<BR>Vestal de um tipo que o ideal revela...
Pede a harmonia divinal, que encerra
<BR>Pois ser formosa é ser melhor ainda...
Do ninho o chilro... da tormenta a voz!
<BR>Se és boa-és luz... mas se és formosa-estrela...
E o rir da folha, o sussurrar da fala,
<BR>E pede à sombra p'ra aljofrar de orvalhos


Trenos da estrela no amoroso estio.
<BR>A fronte azul da solidão noturna.
Voz que dos poros o Universo exala
<BR>E pede às auras p'ra afagar os galhos
Do céu, da gruta, do alcantil, do rio!
<BR>E pede ao lírio p'ra enfeitar a fuma.
<BR>Pede ao olhar a maciez suave
Pede aos pequenos, desde o verme ao tojo,
Ao fraco, ao forte... preces, gritos, uivos...
<BR>&nbsp;
Pede das águias o possante arrojo,
<BR>Que tem o arminho e o edredom macio,
<BR>O aveludado da penugem d'ave,
<BR>Que afaga as plumas no palmar sombrio.
<BR>E quando encontra sobre a terra ingrata
<BR>Um reverbero do clarão celeste,
<BR>- Alma formada de uma essência grata,
<BR>Que a lua - doura, e que um perfume veste;


Para encontrar os meteoros ruivos.
<BR>Um rir, que nasce como o broto em maio;
Pede à mulher que seja boa e linda
<BR>Mostrando seivas de bondade infinda,
Vestal de um tipo que o ideal revela...
<BR>Fronte que guarda- a claridade e o raio,
<BR>- Virtude e graça - o ser bondosa e linda...
Pois ser formosa é ser melhor ainda...
Se és boa-és luz... mas se és formosa-estrela...
<BR>Então, Senhora, sob tanto encanto
E pede à sombra p'ra aljofrar de orvalhos
<BR>Pede o Poeta (que neo tem renome)


A fronte azul da solidão noturna.
<BR>-Versos-à brisa p'ra vos dar um canto...
<BR>Raios ao sol - p'ra vos traçar o nome!...
E pede às auras p'ra afagar os galhos
E pede ao lírio p'ra enfeitar a fuma.
Pede ao olhar a maciez suave
Que tem o arminho e o edredom macio,
O aveludado da penugem d'ave,
Que afaga as plumas no palmar sombrio.
E quando encontra sobre a terra ingrata
Um reverbero do clarão celeste,
&mdash; Alma formada de uma essência grata,
Que a lua &mdash; doura, e que um perfume veste;


Um rir, que nasce como o broto em maio;
Mostrando seivas de bondade infinda,
Fronte que guarda&mdash; a claridade e o raio,
&mdash; Virtude e graça &mdash; o ser bondosa e linda...
Então, Senhora, sob tanto encanto
Pede o Poeta (que neo tem renome)


&mdash; Versos-à brisa p'ra vos dar um canto...
''([[Espumas Flutuantes]], 23)''
Raios ao sol &mdash; p'ra vos traçar o nome!...
</poem>

[[Categoria:Castro Alves]]
[[Categoria:Espumas Flutuantes]]
[[Categoria:Poesia brasileira]]
[[Categoria:Romantismo brasileiro]]

Revisão das 06h03min de 25 de março de 2007

No álbum da Exmª Srª D. Maria Justina Proença Pereira Peixoto



I

Senhora! A Poesia outrora era a Estrangeira,

Pálida, aventureira, errante a viajar,
Batendo em duas portas — ao grito das procelas —
Ao céu — pedindo estrelas, à terra — um pobre lar!

Visão-de áureos lauréis-porém de manto esquálido,
Mulher-de lábio pálido-e olhar-cheio de luz.
Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam...
E os astros lhe resvalam-à flor dos ombros nus...

II

Olhai! O sol descamba... A tarde harmoniosa
Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu.
Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento,
De um marco poeirento um velho então se ergueu.

Ergueu-se tateando... é cego... o cego anseia...
Porém o que tateia aquela augusta mão?...
Talvez busca pegar o sol, que lento expira!...
Fado cruel... mentira!... Homero pede pão!

III

Mas ai! volvei, Senhora, os vossos belos olhos
Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai!
Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro...
O lar é hospitaleiro... Entrai, Senhora, entrei!

Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura
Servem de compostura à sala vasta e chã.
A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia
A mão suave, esguia — à loura castelã.
Vai o banquete em meio... O bardo se alevanta
Pega da lira... canta... uma canção de amor...

Ouvi-o! Para ouvi-lo a estrela pensativa
Alonga pela ogiva um raio de languor!
Dos ramos do carvalho a brisa se debruça...
Na sala alguém soluça... (amor, ou languidez?)
Súbito a nota extrema anseia, treme, rola...
Alguém pede uma esmola... Senhora, não olheis!...

Assim nos tempos idos a musa canta e pede...
Gênio e mendigo... vede... o abismo de irrisões!
Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante...
Caminha roto o Dante! e pede pão Camões.

IV

Bem sei, Senhora, que ao talento agora
Surgiu a aurora de uma luz amena.
Hoje há salário p'ra qualquer trabalho
Cinzel, ou malho, ferramenta ou penal
Melhor que o Rei sabe pagar o pobre

Melhor que o nobre —protetor verdugo—
Foi surdo um trono... à maior glória vossa.
Abre-se a choça aos Miseráveis de Hugo.
Porém não sei se é por costume antigo,
Que inda é mendigo do cantor o gênio.
Mudem-se os panos do cenário a esmo

O vulto é o mesmo... num melhor proscênio...

V

Hoje o Poeta — caminheiro errante,
Que tem saudade de um país melhor
Pede uma pérola — à maré montante,

Do seio às vagas-pede-um outro amor.
Alma sedenta de ideal na terra
Busca apagar aquela sede atroz!
Pede a harmonia divinal, que encerra
Do ninho o chilro... da tormenta a voz!
E o rir da folha, o sussurrar da fala,

Trenos da estrela no amoroso estio.
Voz que dos poros o Universo exala
Do céu, da gruta, do alcantil, do rio!
Pede aos pequenos, desde o verme ao tojo,
Ao fraco, ao forte... preces, gritos, uivos...
Pede das águias o possante arrojo,

Para encontrar os meteoros ruivos.
Pede à mulher que seja boa e linda
Vestal de um tipo que o ideal revela...
Pois ser formosa é ser melhor ainda...
Se és boa-és luz... mas se és formosa-estrela...
E pede à sombra p'ra aljofrar de orvalhos

A fronte azul da solidão noturna.
E pede às auras p'ra afagar os galhos
E pede ao lírio p'ra enfeitar a fuma.
Pede ao olhar a maciez suave
 
Que tem o arminho e o edredom macio,
O aveludado da penugem d'ave,
Que afaga as plumas no palmar sombrio.
E quando encontra sobre a terra ingrata
Um reverbero do clarão celeste,
— Alma formada de uma essência grata,
Que a lua — doura, e que um perfume veste;

Um rir, que nasce como o broto em maio;
Mostrando seivas de bondade infinda,
Fronte que guarda— a claridade e o raio,
— Virtude e graça — o ser bondosa e linda...
Então, Senhora, sob tanto encanto
Pede o Poeta (que neo tem renome)

— Versos-à brisa p'ra vos dar um canto...
Raios ao sol — p'ra vos traçar o nome!...