Sermão do Mandato (1655): diferenças entre revisões

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Revisão das 16h50min de 27 de fevereiro de 2008

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Concorrendo no mesmo dia o da Encarnação. Ano de 1655.

Pregado na Misericórdia de Lisboa, às 11 da manhã.

"Sciens quia a Deo exivit, et ad Deum vadit: Cum dilexisset suos, in finem dilexit eos" [1].

§ I

No ano presente concorrem e se ajuntam no mesmo dia os dois maiores mistérios e os dois maiores dias: o dia da Encarnação do Verbo e o dia da partida do mesmo Verbo Encarnado. O que dizem os dias e o que declaram as noites. A competição do Amor divino consigo mesmo e a justa dos gigantes. Argumento do sermão: foi maior o amor de Cristo no dia da Encarnação ou no dia da partida?


Grande dia! Grande amor! Depois que o Eterno se fez temporal, também o amor divino tem dias. O evangelista S. João querendo-nos declarar a grandeza e grandezas do mesmo amor neste dia, a primeira coisa que ponderou, com tão alto juízo como o seu, foi ser um dia antes de outro dia: Ante diem festum Paschae[2]. Tanto pode acrescentar quilates ao amor a reflexão ou circunstância dos dias! E que farei eu? Dois dias hei de combinar também hoje, mas não o dia de antes com o dia de depois, senão o dia de depois com o dia de antes; e não livremente ou por eleição própria e minha, senão por obrigação forçosa dos mesmos dias. Assim como depois de longo círculo de anos se encontram e ajuntam dois planetas a fazer uma conjunção magna, assim no ano presente concorrem e se ajuntam hoje no mesmo dia os dois maiores mistérios e os dois maiores dias: o dia da Encarnação do Verbo, e o dia da partida do mesmo Verbo encarnado. O dia da Encarnação do Verbo: Sciens quia a Deo exivit[3] - que foi o princípio com seu amor para com os homens: cum dilexisset suos[4] - e a partida do mesmo Verbo encarnado: Et ad Deum vadit[5] - que foi o fim sem fim do mesmo amor: In finem dilexit eos[6].


0 real profeta Davi, antevendo em espírito estes dois dias, diz que o dia de hoje fala com o dia da Encarnação, e o dia da Encarnação com o dia de hoje, e que ambos se entendem entre si, e se respondem um ao outro: Dies diei eructat verbum[7]. Assim explica este famoso texto Santo Agostinho[8]. E se perguntarmos que é o que falam estes dias, que devem de ser coisas muito dignas de se ouvir e saber, responde o mesmo Davi que as noites dos mesmos dias nos dirão e declararão o que eles falam: Dies diei eructat Verbum, et nox nocti indicat scientiam[9]. Pois as noites, que são escuras, nos hão de declarar o que dizem os dias? Sim. Porque os mistérios do dia de hoje, e do dia da Encarnação, ambos se celebraram nas noites dos mesmos dias. Tanto silêncio e reverência era devido à majestade de tão divinos mistérios! Os do dia da Encarnação de noite: Cum quietum silentium contineret omnia, et nox in suo cursu medium iter haberet[10] - e os do dia de hoje também de noite: Et coena facta[11]. As luzes a que se há de ver toda esta famosa representação são as da fé; os lugares, um cenáculo grande em Jerusalém, e uma casa humilde, mas real, em Nazaré. E a questão ou problema, qual será? Se foi maior o amor de Cristo no dia da Encarnação ou no dia de hoje.


Posto, pois, um dia defronte do outro dia, e um mistério à vista de outro mistério, e um amor competindo com outro amor, é certo que nunca o amor divino se viu em mais glorioso teatro, pois sai a competir consigo mesmo. Nas outras comparações do amor divino com o amor dos homens, ou seja com o amor dos irmãos, ou com o amor dos pais, ou com o amor dos filhos, ou com o amor dos esposos, ou com o amor dos amigos - que deve ser o maior de todos ainda que saia vencedor o amor de Cristo, sempre fica agravado na vitória, porque entra afrontado na competência. Só hoje, se vencer, será vencedor glorioso, porque tem competidor igual, e se vencerá a si mesmo. Quando Davi saiu a desafio com o gigante, mediu-lhe o gigante com os olhos a estatura, e, posto que não duvidava da vitória, na desigualdade de tão inferior combatente teve por injuriosa a batalha. Do mesmo modo, e com mais verdade, Cristo. Quando o seu amor se compara com outro amor, compete o gigante com Davi; mas quando se compara o amor de Cristo com o amor do mesmo Cristo, como fazemos hoje, é competir o gigante com o gigante. Assim o disse ou cantou o mesmo Davi: Exultavit ut gigas ad currendam viam[12]. Entrou Cristo na estacada como gigante. E que fez? Justou consigo mesmo. A primeira carreira foi do céu para a terra: A summo caelo egressio ejus[13]; a segunda carreira foi da terra para o céu: Et occursus ejus usque ad summum ejus[14]: e neste encontro se cerrou a justa, e se quebraram as lanças um e outro amor. É em verso de Davi o mesmo que diz a prosa do nosso Evangelho. A primeira carreira: A summo caelo egressio ejus - foi no dia da Encarnação, quando o Verbo saiu do Padre: a Deo exivit; a segunda carreira: Et occursus ejus usque ad summum ejus - foi no dia de hoje, quando o mesmo Verbo tornou para o Padre: Et ad Deum vadit. Na primeira carreira, amor: Cum dilexisset suos[15]; e na segunda também amor: In finem dilexit eos[16]. O dilexisset e o dilexit distingue os dias: o dilexisset declara um amor, e o dilexit outro; mas nem juntos, nem divididos sinalam a vitória, nem resolvem qual foi maior. Esta famosa decisão entre os maiores combatentes que jamais se viram, havemos de ver hoje. Assistir-nos-á com a graça quem foi presente em um e outro dia, e quem teve a maior parte em um e outro mistério, que foi a Mãe do mesmo amor: Mater pulchrae dilectionis[17]. Mas como invocaremos seu favor e patrocínio? Com as mesmas palavras com que também hoje a invocou o anjo: Ave gratia plena.

§ II

O amor de Cristo quanto à substância e quanto aos efeitos. Os extremos do amor de Cristo no dia da Encarnação e no dia da partida. Comparando-se os efeitos Deuses dois dias, afirma o autor que maiores foram os extremos do dia da partida que os do dia da Encarnação.

Cum dilexisset, dilexit.

Nestas palavras - como dizia - deixou o Evangelista indecisa a nossa questão, porque não disse: como amasse mais amou menos, nem como amasse menos amou mais, senão como amasse amou. Distinguiu somente os tempos, e pelos tempos o amor, sem preferência porém, ou vantagem nem do amor passado ao presente, nem do presente ao passado. Falou S. João como divino teólogo, e não só como quem tecia a história, mas como quem compunha o panegírico do amor de Cristo. Quanto à substância do amor, Cristo, Senhor nosso, tanto nos amou no dia da Encarnação, como no dia de hoje, e em todos os dias da sua vida, porque o seu amor é amor perfeito, e não fora seu, se assim não fora. O amor dos homens, ou míngua,ou cresce, ou pára; o de Cristo nem pode minguar, nem crescer, nem parar, porque é, foi, e será sempre amor perfeito, e por isso sempre o mesmo, e sem alteração nem mudança. Ama Cristo enquanto homem, como ama enquanto Deus. Perguntam os teólogos: como ama Deus a uns mais e a outros menos, se o seu amor - o qual se não distingue da sua essência - é sempre um só e o mesmo, infinito, simplicíssimo e imutável? E respondem que a diferença ou desigualdade não está no amor, senão nos efeitos, porque a uns sujeitos faz Deus maiores bens que a outros. Os homens amamos os objetos pelo bem que tem: Deus ama-os pelo bem que lhes faz. E assim como julgamos a maioria do amor de Deus belos efeitos, assim havemos de julgar também a do amor de Cristo. Este é o fundamento sólido e certo sobre que excitamos a nossa questão, e estes os termos de igual certeza, com que a havemos de resolver. Nem daqui deve inferir ou cuidar a rudeza do nosso entendimento que seria menos afetuoso, ou menos amoroso, este modo de amar de Cristo, porque assim como em Deus o fazer o bem se chama amor efetivo, e o querê-lo fazer amor afetivo, assim no amor de Cristo os afetos foram a causa dos efeitos que veremos, e os efeitos a demonstração dos afetos.

Vindo, pois, aos efeitos e demonstrações de um e outro amor no dia de hoje e no dia da Encarnação, parece que assim no número, como no modo, os esteve medindo e proporcionando o mesmo amor, que neles se quis igualar e vencer. O Concílio Niceno, no Símbolo da Fé, ponderando o amor de Cristo na Encarnação, reduz os efeitos dele a dois extremos: descer do céu e fazer-se homem: Qui propter nos homines, et propter nostram salutem descendit de caelis. Et incarnatus est ex Maria Virgine, et homo facctus est[18]. Isto diz o Espírito Santo no Concílio, falando do dia da Encarnação. E falando do dia de hoje, que é o que diz e pondera o mesmo Espírito Santo no Evangelho? Outros dois efeitos e outros dois extremos: lavar os pés aos homens, e deixar-se no Santíssimo Sacramento: Et coena facta, coepit lavare pedes discipulorum[19]. Supostos de uma e outra parte este par de extremos, uns e outros não só admiráveis mas estupendos, comparando-se o amor de Cristo, e competindo-se em uns e outros, que diremos ou que podemos dizer? Sem temeridade nem temor, digo e afirmo que maiores foram os extremos do dia de hoje que os do dia da Encarnação. E por quê? Porque, se no dia da Encarnação foi grande extremo de amor descer Deus do céu à terra: Descendit de coelis - muito maior extremo foi no dia de hoje lavar Cristo os pés aos homens: Coepit lavare pedes discipulorum. E se foi grande extremo de amor no dia da Encarnação fazer-se Deus homem: Et homo factus est - muito maior extremo foi no dia de hoje deixar Cristo seu corpo no Sacramento para que o comessem os homens, como fez na Ceia: Et coena facta. - Estes serão os dois pontos do nosso discurso, em que ele descobrirá muito mais do que aparece no que está dito.

§ III

Estranheza da exclamação de Jacó quando viu em sonhos aquela famosa escada que chegava da terra até o céu, pela qual subiam e desciam anjos. Como se há de entender o dito de Davi, quando afirma que Deus tinha feito o homem pouco menor que os anjos. O estupendo prodígio que fez Deus por amor de el-rei Ezequias em benefício de sua saúde, e o prodígio da Encarnação.


Tão grande e tão prodigiosa coisa foi descer Deus em Pessoa do céu à terra que, visto de muito longe este mistério, não só causava admiração e espanto ao entendimento, mas horror e assombro à mesma fé. Viu Jacó em sonhos aquela famosa escada que chegava da terra até o céu, pela qual subiam e desciam anjos, encostado e inclinado Deus no alto dela, e, assombrado do que via, acordou com um grito, dizendo: Terribilis est locus iste (Gen. 28, 17)! Ó que terrível, ó que temeroso lugar! - De vários modos se costuma ponderar a estranheza deste dito. Eu só noto que nem a vista podia causar horror, nem a novidade espanto. O que só poderia causar horror a Jacó era ver que os que subiam e desciam fossem somente anjos, e que nem ele, que estava no baixo da escada, subisse, nem Deus, que estava no alto, descesse, com que se demonstrava uma grande separação entre Deus e o homem, como aquela de que disse Abraão ao avarento: Inter nos et vos chaos magnum firmatum est[20]. E posto que hoje esta apreensão seria para nós de grande horror, porque sabemos o contrário, naquele tempo nem podia causar horror pela vista, nem espanto pela novidade, como dizia, porque tudo o que Jacó viu, e tudo o que mostrava significar o que via, era o mesmo que ele e os demais supunham. Até o tempo de Jacó, e ainda depois, no tempo da lei escrita, nunca Deus prometeu aos homens o céu, senão tudo prêmios da terra. E daqui nasceu aquela parêmia ou provérbio: Caelum caeli Domino; terram autem dedit Filiis hominum[21]: que o céu era para Deus, e a terra para os homens. Logo não se podia assombrar nem espantar Jacó de que ele, sendo homem, e estando na terra, não subisse pela escada, e, muito menos, de que Deus, sendo Deus, e estando no céu, não descesse. Pois, se Jacó não tinha que admirar nem que estranhar no seu sonho, de que acordou com tanto horror e tão notável assombro?


Acordou assombrado Jacó, não do que vira, senão do que na mesma visão Deus lhe revelara.Revelou Deus a Jacó que naquela escada era significado o mistério altíssimo da Encarnação do Verbo, e que para ele, Jacó, os outros homens poderem subir ao céu, ele, Deus, havia de descer do céu à terra: Qui propter nos homines, et propter nostram salutem descendit de caelis[22]. E vendo Jacó que a majestade suprema de Deus, deixando do modo que o podia deixar o trono do empíreo, havia de descer em pessoa do céu à terra, a revelação desta estupenda novidade, que nunca entrou na imaginação humana, lhe causou no mesmo sono tal horror e assombro, que acordou tremendo e gritando: Terribilis est locus iste[23]! Duas coisas viu Jacó no que viu, que muito e com muita razão lhe assombraram, não a vista, senão o entendimento. E quais foram? A primeira que, sendo a escada para descer Deus, a descida era muito maior que a escada. Pois a descida maior que a escada? Sim. Porque a escada chegava da terra ao céu, que é distância limitada, e a descida era de Deus ao homem, que é distância infinita. E vendo unir dois extremos infinitamente distantes, quem, ainda estando muito em si, não ficaria atônito e assombrado? A segunda causa, e não menor, do mesmo assombro, foi que por meio da Encarnação do Verbo, assim revelada a Jacó, vinha a conseguir muito mais o menor anjo do que a soberba de Lúcifer tinha afetado. Porque Lúcifer quis ser igual a Deus, e fazendo-se Deus homem, ficava Deus por este lado sendo inferior ao menor anjo. Este foi o grande mistério - diz Santo Agostinho - por que os anjos da escada uns desciam, outros subiam. Como Deus estava no alto da escada, e Jacó ao pé dela, os anjos que ficavam da parte de Deus desciam, e os que ficavam da parte de Jacó subiam, e este subir e descer não era ato ou movimento da vontade dos mesmos anjos, senão ordem e constituição da sua própria natureza. Os da parte superior da escada, onde estava Deus, desciam, porque todos os anjos são muito inferiores a Deus; e os da parte inferior, onde estava Jacó, subiam, porque estes mesmos são muito superiores ao homem. E como os anjos são superiores ao homem, e Deus não havia de tomar a natureza angélica, senão a humana, isto era o que assombrava a Jacó, e lhe parecia coisa terrível: que Deus houvesse de descer, e abater-se tanto, que ficasse por esta parte muito inferior a qualquer anjo.


Lá disse Davi que Deus tinha feito ao homem pouco menor que os anjos: Minuisti eum paulo minus ab angelis (Sl 8, 6). Mas isto se entende no domínio, e não na natureza, porque deu Deus a Adão o senhorio e império de todos os animais da terra, do mar e do ar, como logo declarou o mesmo profeta: Minuisti eum paulo minus ab angelis; gloria et honore coronasti eum; et constituisti eum super opera manuum tuarum. Omnia subjecisti sub pedibus ejus, oves et boves, insuper et pecora campi, volucres caeli, et pisces maris[24]. De maneira que no domínio e uso de todas as coisas criadas para serviço seu nos três elementos, é o homem pouco menor que os anjos; porém, no ser e nobreza natural, não só quanto à parte do barro, em que aparentamos com os brutos, senão ainda quanto à parte espiritual da alma e suas potências, em que imitamos a natureza angélica, não é o homem pouco menor, senão muito menor e muito inferior a qualquer anjo, e tanto quanto for de mais superior hierarquia. A escada de Jacó tinha nove degraus, que são as nove ordens de criaturas racionais que há entre Deus e o homem, as quais por outro nome chamamos nove coros dos anjos, e todos estes degraus desceu Deus, e os deixou e passou por eles, para se unir com a natureza humana, que jazia em Jacó, abaixo de todos.


É o que ponderou S. Paulo naquelas palavras: Nusquam angelos apprehendit, sed semen Abrahae apprehendit[25], cujo fundo e energia não acho tão declarada nos expositores como ele pede. Dizem que nusquam é o mesmo que nunquam ou nequaquam, mas nusquam não é simples negação, nem advérbio de tempo, senão de lugar, e propriamente quer dizer: em nenhuma parte. Pois, por que diz S. Paulo que não tomou Deus a natureza angélica em nenhuma parte, nusquam? Porque tinha Deus nove partes em que a tomar: três na primeira hierarquia, três na segunda e três na terceira. E essa foi a maravilha do mistério da Encarnação, que por tomar Deus a natureza humana, deixasse em tantas partes a angélica. Na primeira hierarquia deixou serafins, querubins, tronos; na segunda deixou potestades, principados, dominações; na terceira deixou virtudes, arcanjos, anjos; e no homem, que era o décimo, último e ínfimo lugar, onde jazia Jacó, ali tomou a nossa natureza caída, para a levantar, e enferma, para lhe dar saúde, que foi o fim para que tanto se abateu e desceu. Estando el-rei Ezequias mortalmente enfermo, prometeu-lhe o profeta Isaías a vida em nome de Deus; e em testemunho de que a promessa era divina, deu-lhe, por sinal no céu, que o sol tornaria atrás dez linhas, ou dez degraus, e assim sucedeu: Et reversus est sol decem lineis per gradus quos descenderat[26]. E por que tornou o sol atrás dez linhas, ou dez degraus, e não onze, ou nove, senão dez, nem mais nem menos sinaladamente? Porque naquele prodígio, verdadeiramente grande, se significava outro maior, que era o da Encarnação do Verbo, na qual, assim como o sol, estando no zênite - que não podia ser de outra sorte - tornou atrás dez linhas, até se pôr nos horizontes da terra, assim Deus, desde o mais alto de sua majestade infinita, desceu outras dez linhas até se pôr na última e ínfima da natureza humana, e assim como fez aquele estupendo prodígio por amor de Ezequias, e em benefício da sua saúde, assim obrou o da Encarnação muito mais estupendo, por amor dos homens e para saúde dos homens: Qui propter nos homines, et propter nostram salutem descendit de caelis, et incarnatus est.


Notas

  1. "Sabendo Jesus que saíra de Deus e ia para Deus, como tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim (Jo 13, 1. 3)".
  2. "Antes do dia da festa da Páscoa (Jo 13, 1)".
  3. "Sabendo que ele saíra de Deus (Ibid. 3)"
  4. "Como tinha amado os seus (Ibid. 1)".
  5. "E ia para Deus (Ibid. 3)".
  6. "Amou-os até ao fim (Ibid. 3)".
  7. "Um dia diz uma palavra a outro dia (Sl 18, 3)"
  8. August. Serm. 22 de Nativit.
  9. "Um dia diz uma palavra a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite (Sl 18, 3)"
  10. "Quando tudo repousava num profundo silêncio, e a noite estava no meio do seu curso (Sab 18, 14)"
  11. "E acabada a ceia (Jo 13, 2)"
  12. "Deu saltos como gigante para correr o caminho (Sl 18, 6)"
  13. "A sua saída é desde uma extremidade do céu (Sl 18, 7)"
  14. "E corre até à outra extremidade dele (Sl 18, 7)"
  15. "Como tinha amado os seus (Jo 13, 1)"
  16. "Amou-os até ao fim (Jo 13, 1)"
  17. "Mãe do amor formoso (Eclo 24, 24)"
  18. Que por nós homens, e pela nossa salvação, desceu dos céus, e se fez homem, nascendo de Maria Virgem.
  19. "E acabada a ceia, começou a lavar os pés aos discípulos (Jo 13, 2. 5)"
  20. "Entre nós e vós está firmado um grande abismo (Lc 16, 26)."
  21. "O mais alto dos céus é para o Senhor; mas a terra a deu aos filhos dos homens (Sl 114, 16)."
  22. Que de nós homens, e pela nossa salvação, desceu dos céus.
  23. "Quão terrível é este lugar (Gên. 28, 17)!"
  24. "Pouco menor o fizeste que os anjos, de glória e de honra o coroaste. E tu o puseste sobre as obras das tuas mãos. Todas as coisas sujeitaste debaixo de seus pés: as ovelhas e as vacas todas, e, além destes, os outros animais do campo, as aves do céu e os peixes do mar (Sl 8, 6, 7 ss)"
  25. "Em nenhum lugar tomou aos anjos, mas tomou a descendência de Abraão (Hebr 2, 16)."
  26. "E retrocedeu o sol dez linhas pelos graus por onde tinha descido (Is 38, 8)."