Espera! (Gonçalves Dias)
Quem ha no mundo que afflicções não passe,
Que dores não supporte?
Mais ou menos d’angustias cabe a todos,
A todos cabe a morte.
A vida é um fio negro d’amarguras
E de longo soffrer;
Simelha a noite; mas fagueiros sonhos
Podem de noite haver.
Por que então maldiremos este mundo
E a vida que vivemos,
Se nos tomamos do Senhor mais dignos,
Quanto mais dôr soffremos?
Quantos cabellos temos, elle o sabe;
Elle póde contar
As folhas que ha no bosque, os grãos d’areia
Que sustentão o mar.
Como pois não será elle comnosco
No dia da afflicção?
Como não ha de computar as dores
Do nosso coração?
Como ha de ver-nos, sem piedade, o rosto
Coberto d’amargura;
Elle, senhor e pae, conforto e guia
Da humana creatura?
Se o vento sopra, se se move a terra,
Se iroso o mar fluctúa;
Se o sol rutila, se as estrellas brilhão,
Se gyra a branca lúa;
Deos o quiz, Deos que mede a intensidade
Da dôr e da alegria,
Que cada ser comporta — n’um momento
D’arroubo ou d’agonia!
Embora pois a nossa vida corra
Alheia da ventura!
Alem da terra ha céos, e Deos protege
A toda creatura!
Viajor perdido na floresta á noite,
Assim vago na vida;
Mas sinto a voz que me dirige os passos
E a luz que me convida