Fabulas (9ª edição)/32
Os Animais e a Peste
Em certo ano terrivel de peste entre os animais, o leão, muito apreensivo, consultou um mono de barbas brancas.
— Esta peste é um castigo do ceu, respondeu o mono, e o remedio é aplacarmos a colera divina sacrificando aos deuses um de nós.
— Qual? perguntou o leão.
— O mais carregado de crimes.
O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos suditos reunidos em redor:
— Amigos! E’ fóra de duvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inumeras ovelhas e até varios pastores. Ofereço-me, pois, para o sacrificio necessario ao bem comum.
A raposa adiantou-se e disse:
— Acho conveniente ouvir a confissão das outras féras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitue crime. Matar veados — despreziveis criaturas; devorar ovelhas — mesquinhos bichos de nenhuma importancia; trucidar pastores — raça vil merecedora de exterminio! Nada disto é crime. São coisas até que muito honram o nosso virtuosissimo rei leão.
Grandes aplausos abafaram as ultimas palavras da bajuladora — e o leão foi posto de lado como improprio para o sacrificio.
Apresenta-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se ele de mil crimes, mas a raposa prova que tambem o tigre era um anjo de inocencia.
E o mesmo aconteceu com todas as outras féras.
Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
— A conciencia só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigario.
Os animais entreolham-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra.
— Eis, amigos, o grande criminoso! Tão horrivel o que ele nos conta, que é inutil prosseguirmos na investigação. A vitima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra, porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratissima couve do senhor vigario.
Toda a bicharia concordou e o triste burro foi unanimemente eleito para o sacrificio.
se perdoa.
— Viva! Viva!... Esta é a fabula do Burro Falante — e Pedrinho recordou todos os incidentes daquele dia lá no País das Fabulas. Essa historia estava se desenvolvendo, e no instante em que as feras iam matar o pobre burro o Peninha derrubou do alto do morro uma enorme pedra sobre as fuças do leão.
— Salvamos o Conselheiro, disse Emilia, mas o fabulista pegou um segundo burro para poder completar a fabula. Pobre segundo burro!... e Emilia suspirou.
— Esta fabula me parece muito boa, vóvó, opinou Narizinho.
— E é, minha filha. Retrata as injustiças da justiça humana. A tal justiça humana é implacavel contra os fracos e pequeninos — mas não é capaz de pôr as mãos num grande, num poderoso.
— Falta um Peninha que dê com pedras do tamanho do Corcovado no focinho do Leão da Injustiça...
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.