Fabulas (9ª edição)/5
A Gralha Enfeitada com Penas
de Pavão
Como os pavões andassem em época de muda, uma
gralha teve a ideia de aproveitar as penas caidas.
— Enfeito-me com estas penas e viro pavão!
Disse e fez. Ornamentou-se com as lindas penas de olhos azues e saiu pavoneando por ali afóra, rumo ao terreiro das gralhas, na certeza de produzir um maravilhoso efeito.
Mas o trunfo lhe saiu ás avessas. As gralhas perceberam o embuste, riram-se dela e enxotaram-na á força de bicadas.
Corrida assim dali, dirigiu-se ao terreiro dos pavões pensando lá consigo:
— Fui tola. Desde que tenho penas de pavão, pavão sou e só entre pavões poderei viver.
Mau calculo. No terreiro dos pavões coisa igual lhe aconteceu. Os pavões de verdade reconheceram o pavão de mentira e tambem a correram de lá sem dó.
E a pobre tola, bicada e esfolada, ficou sozinha no mundo. Deixou de ser gralha e não chegou a ser pavão, conseguindo apenas o odio de umas e o desprezo de outros.
— Esta fabula é bem boazinha, disse dona Benta. Quem pretende ser o que não é, acaba mal. O coronel Teodorico vendeu a fazenda, ficou milionario e pensou que era um homem da alta sociedade, dos finos, dos bem educados. E agora? Anda de novo por aqui, sem vintem, mais depenado que a tal gralha. Por que? Porque quis ser o que não era.
— Isso não, vóvó! objetou Pedrinho. Ele ficou rico e quis levar vida de rico. Só que não teve sorte.
— Não, meu filho. O meu compadre apenas se encheu de dinheiro — não ficou rico. Só enriquece quem adquire conhecimentos. A verdadeira riqueza não está no acumulo de moedas — está no aperfeiçoamento do espirito e da alma. Qual o mais rico — aquele Socrates que encontramos na casa de Péricles ou um milionario comum?
— Ah, Socrates, vóvó! Perto dele o milionario comum não passa dum mendigo.
— Isso mesmo. A verdadeira riqueza não é a do bolso, é a da cabeça. E só quem é rico de cabeça (ou de coração) sabe usar a riqueza material formada por bens ou dinheiro. O compadre pretendeu ser rico. Enfeitou-se com as penas de pavão do dinheiro e acabou mais depenado que a gralha. Aprenda isso...
— E que quer dizer esse “lé com lé, cré, com cré”? perguntou Narizinho.
— Isso é o que resta duma antiga expressão portuguesa que foi perdendo silabas como a gralha perdeu penas: “Leigo com leigo, clérigo com clérigo”. Em vez de clérigo o povo dizia “crerigo”. Ficaram só as primeiras silabas das duas palavras.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

