Galeria dos Brasileiros Ilustres/Visconde do Rio Bonito

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Nos países livres, onde o sistema representativo não é formalidade exterior ou rebuço do despotismo, e sim a manifestação verdadeira da inteligência e vontade popular, exerce o comércio grande e natural influência, já pelo trato quotidiano em que vive com todas as outras classes, já pelas repetidas ocasiões que tem de prestar-lhes serviços, já porque adquire uma posição de abastança e de independência, a aurea mediocritas, que é considerada pelos filósofos como a situação mais feliz sobre a Terra.

Habituado ao trabalho e à economia, com o espírito de ordem e de regularidade, procurando no seio da família o descanso e a compensação das fadigas diurnas, apreciando os homens e as cousas sem o prisma das paixões políticas, o negociante tem sido, nesta corte, um tipo de moralidade e dedicação à ordem pública, e de abnegação e modéstia.

Praticando as mais raras virtudes cívicas, pensa que cumpre deveres ordinários e comuns: a única ambição a que aspira, é a de ser tido na conta de homem de bem e de cidadão prestimoso e desinteressado.

Esta foi a classe em que nasceu João Pereira Darrigue Faro; esta foi a escola em que se doutrinou desde a infância; esta foi a tradição que recebeu, continuou e legou a seus filhos.

Seu pai, o negociante Joaquim José Pereira de Faro, tinha conquistado no comércio franco e na lavoura uma bela fortuna, e o que é melhor, o título de honrado e cavalheiro. Aliado aos homens de verdadeiro patriotismo, que cuidavam dos negócios públicos por bem do país e não por interesse de posição ou de família, aquele negociante concorreu com a sua influência e cabedais para os melhores atos da existência do Brasil. Na época em que o espírito público reagiu os planos imprudentes de uma política que ofendia não só a liberdade constitucional, mas ainda os instintos nacionais, o velho negociante Faro foi respeitado pelos partidos atenta a franqueza e retidão com que, apesar de nascido em Portugal, aconselhou a seus filhos que acompanhassem a oposição e ser-lhe logo o comando do Batalhão da Candelária e os de Santa Rita, de onde passou depois a chefe de legião e preencheu muitas vezes as funções de comandante superior.

O sangue-frio e dedicação, a energia e ao mesmo tempo moderação, com que o jovem comandante se houve na repressão dos tumultos e cenas desordenadas que diariamente abalavam a tranqüilidade desta corte, foram recompensados pela estima de seus concidadãos, e pelo reconhecimento do governo. Daí datam muitas das relações, que João Faro conservou até a sua morte, com os homens importantes daquela quadra, com os Srs. Costa Carvalho, Honório, Vergueiro, Torres e outros. Quando um dos mais ilustres cidadãos que teve o Brasil e de que se ufanaria qualquer país do mundo, quando Feijó veio preso de S. Paulo para esta corte depois da revolução de 1842, a primeira pessoa que o procurou foi João Faro, e ofereceu-lhe tudo o de que precisasse.

Não era então o regente, não era então o ministro que no mais intenso da anarquia soubera fazer predominar a paz e o respeito às instituições: era o cidadão perseguido, era o homem de sentimentos que se diziam perigosos, era o chefe que tomara, por nobreza d’alma, a responsabilidade de uma revolução a quem só aderira quando a viu perdida. Também quando o velho Feijó deu com os olhos em João Faro, subindo ao navio que lhe servia de cárcere, voltou-se para um oficial que estava a bordo e lhe disse estas palavras: "Pai e filho, sempre os mesmos! O pai comprome-teu-se por Vergueiro, o filho se compromete por mim."

O governo, também pelo seu lado, o considerava sempre. Assim , o chamou para a comissão mista brasileira e portuguesa, para a direção dos teatros, para a comissão espinhosa da distribuição de ações da estrada de ferro, para 1º vice-presidente do Banco do Brasil, 1º vice-presidente do Tribunal do Comércio, etc.

Considerado sempre por seus concidadãos, João Faro foi eleitor constantemente, membro da Câmara Municipal da corte e deputado provincial em várias legislaturas. Se não teve um assento na Câmara dos Deputados, sabe-se que foi isso devido à sua abnegação e modéstia, porque gozando de uma grande influência, preferia servir-se dela para elevar os seus amigos e os homens que lhe pareciam aptos para os cargos públicos.

A posição política em que mais francamente se revelou o mérito de João Faro foi a vice-presidência da província do Rio de Janeiro. Quatro vezes sucessivas desde 1850 exerceu ele esse cargo, e com tanta probidade, aptidão e bom senso que, sem distinção de opiniões políticas, vissem a causa do Brasil, sua pátria, causa que ele também ado-tava de coração. Mais tarde o partido moderado, reconhecendo essa nobreza de sentimentos, aceitou o concurso da família Faro, teve nela um apoio constante e sempre desinteressado, distinguiu-a, dando a seu chefe na eleição a que se procedeu em 1833 para senadores pelo Rio um lugar na lista tríplice, ao lado de Diogo Antônio Feijó e de Antônio José do Amaral.

A estas qualidades de cidadão, herdada de seu pai, João Faro reunia um caráter simpático, de grande amabilidade, que lhe granjeou amigos verdadeiros em todas as classes da sociedade. Tinha também uma virtude, que lhe inspirava sua digna mãe, a Srª D. Ana Rita de Faro, era o amor dos pobres e desgraçados. Homem lhano, que vivia sem ostentação apesar de sua riqueza, se ele distinguia o poderoso e o rico do infeliz e do pobre era para estender a sua mão com mais cordialidade a estes.

João Faro nasceu a 9 de julho de 1803. Nessa época a educação literária no Rio de Janeiro era minguada de recursos. Destinado para a mesma profissão de seu pai, recebeu a instrução comum e depois seguiu o curso completo da Aula do Comércio. Como se lhe percebesse logo a aptidão que depois mostrou em várias comissões administrativas, foi aproveitado para o antigo Banco do Brasil, onde prestou serviços até a liquidação desse estabelecimento e adquiriu uma prática que lhe foi sumamente proveitosa.

Na época da Independência, o Sr. D. Pedro I querendo ter em torno de si os filhos das principais famílias, criou a guarda de honra. Fazendo parte dela João Faro, foi promovido desde o posto de alferes até o de major, e mereceu ser escolhido para comandar o piquete que em 1826 acompanhou o Imperador na sua viagem à Bahia. O seu zelo no serviço, a delicadeza de suas maneiras, os sacrifícios de fortuna que fazia para corresponder à confiança imperial, lhe granjearam a estima de D. Pedro, que o condecorou com o hábito do Cruzeiro, com o hábito e depois comendada de Cristo, e com o da Rosa à chegada da imperatriz a Senhora D. Amélia.

Não era porém o desejo de obter distinções desta ordem que o movia a prestar-se ao serviço público. Quando, no tempo da regência, se criou a Guarda Nacional, que era destinada a uma vida de lutas contínuas para manter a ordem contra a anarquia da exaltação e contra os conspiradores ambiciosos, João Faro ofereceu-se a prestar o serviço de simples guarda; mas o governo, que o apreciava devidamente, confiada a província o aplaudiu, as assembléias provinciais o felicitaram, o governo imperial o distinguiu e o corpo eleitoral deu-lhe a mais significativa demonstração de reconhecimento. Procedendo-se a uma eleição de senador, quando João Faro se achava fora da administração, foi ele o mais votado pela província para uma lista onde figurava o nome do Sr. Eusébio de Queirós, o homem então de mais prestígio no partido conservador.

Como negociante, era proverbial a sua probidade e cavalheirismo. Nunca perseguiu, nunca vexou. Preferia perder nos seus interesses para não publicar as vilanias de que fosse vítima. Também a estima de que gozava na praça se patentou na primeira eleição para diretores do Banco do Brasil, tendo obtido no primeiro escrutínio maioria absoluta dos sufrágios. Igual demonstração teve quando se fizeram as primeiras eleições para deputados ao Tribunal do Comércio. Era além disso consultado e ouvido por todos os negociantes, como um homem de sã razão e de escrupulosa retidão.

O chefe da nação deu-lhe também grandes provas de seu apreço: nomeou-o veador de S. M. a Imperatriz e conferiu-lhe o título de Barão do Rio Bonito, título como que falecera seu pai o Sr. Joaquim Faro. Pouco depois o barão do Rio Bonito foi elevado a visconde do mesmo nome.

Possuindo, por herança de seu pai, fazendas de café no município de Valença, mostrava-se lavrador inteligente, introduzindo ali notáveis melhoramentos e amenizando a sorte de seus escravos, que o amavam como a um pai. A primeira estrada importante da província do Rio, de traço regular, pela qual puderam transpor a serra grandes carros para condução de gêneros e passageiros, foi empreendida de acordo e com o concurso de João Faro, que deu o maior impulso. Falo da estrada do Presidente Pedreira, que honra ao presidente que a aprovou, e aos fazendeiros (entre os quais, José Clemente, João de Faro, Ezequiel Padilha, Camilo Faro e outros), que a dirigiram e levaram a efeito.

Há ainda uma face do caráter do visconde do Rio Bonito que merece atenção: a sua dedicação aos estabelecimentos pios. Quanto não lhe deve a Santa Casa de Misericórdia! Como escrivão do Hospício de Pedro II, quanto não concorreu para se levar ao cabo essa obra de verdadeira piedade! Como provedor do asilo de Santa Leopoldina em Niterói, a ele se pode atribuir em grande parte a criação e estabilidade dessa instituição!

Quando contava 53 anos e 4 meses de vida, faleceu aos 11 de novembro de 1856.

Este ligeiro artigo, recordando as virtudes domésticas de João Faro. Filho, marido, irmão e pai extremoso, tributava um respeito religioso à sua velha mãe, rodeando-a da consideração de todos os seus amigos; amou à sua mulher e amava a seus filhos com uma ternura admirável; votava amizade profunda a seus irmãos e merecia deles confiança ilimitada, servindo de pai a todos os seus sobrinhos e mostrando o maior desinteresse, sempre que tinha de entrar com eles em qualquer partilha de bens.

F. O.