Gavião, gavião branco (Cancioneiro de Juromenha)

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Gavião, gavião branco,
Vai ferido e vai voando!

Vai-se pondo nas estrelas,
Ferido de caridade;
Leva nossas prisões presas,
Presas de sua bondade!
Porém de nossa maldade
Com rezão se vai queixando;
Vai ferido e vai voando!

Sente-se ser real ave,
De mui poucos conhecida,
E dói-se de quem não sabe
Que sua morte dá vida.
Se sentir pode ferida,
Só desta, se vai queixando:
Vai ferido e vai voando.

Manso como um cordeiro
No ventre de sua madre,
Vai rogando a Deus Padre
Que perdoe ao besteiro.
Já não sente seu marteiro;
Não dele se vai queixando:
Vai ferido e vai voando.

As asas leva furadas
E nem por isso se queixa
Se não porque vê que deixa
Mil penas mal empregadas.
E por serem já passadas,
Não vai por elas penando:
Vai ferido e vai voando!

Põe-se lá nestas alturas
Onde sempre há de reinar,
Donde há de vir a julgar
As humanas criaturas.
Sente nossas amarguras
Vendo-nos ficar pecando:
Vai ferido e vai voando!