História da Mitologia/III

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Capítulo III[editar]

A lama com que a terra fora coberta pelas águas do dilúvio desencadeou uma excessiva fertilidade, que deu origem à uma gama muito grande de coisas, tanto boas como más. Dentre elas, uma Piton, uma enorme serpente, que se arvorou em terror dos sobreviventes, tendo-se homiziado nas cavernas do Monte Parnaso. Apolo teve a coragem de matá-la com suas flechas -- recurso esse que ele não havia usado antes, exceto nos períodos de caça a animais de pequeno porte, lebres, cabras selvagens, e nos momentos de diversões desse tipo. Para celebrar essa brilhante conquista, ele instaurou os jogos píticos, onde o vitorioso, como prova de força e agilidade nos pés, ou nas corridas com carruagens, era recompensado com uma coroa feita com folhas de faia; porque o loureiro ainda não havia sido adotado por Apolo como sua árvore favorita.

Loureiro
A árvore favorita de Apolo"

A famosa estátua de Apolo chamada de Belvedere representa o deus depois da vitória sobre a serpente Píton. A este fato Byron faz alusão em seu "Childe Harold," iv., 161:

"O senhor do arco certeiro,
O deus da vida, da poesia e da luz
O Sol, provido dos membros e da fronte dos humanos
Todo radiante por seu triunfo na luta
A flecha havia acabado de ser lançada, uma flecha brilhante
Como a vingança de um imortal; em seu olhar
E na narinas, um belo desdém, e poder
E a majestade faz reluzir completamente todo seus relâmpagos
Explodindo a divindade com um único olhar.

Apolo e Dafne[editar]

Dafne"

Dafne foi o primeiro amor de Apolo. E o amor deles não foi produto do acaso, mas resultado das artimanhas de Cupido. Apolo encontrou o menino brincando com seu arco e suas flechas; e estando ele muito extasiado pela sua recente vitória sobre a Píton, Apolo disse para ele, "Porque te divertes com armas perigosas, garoto insolente? Deixe-as para mãos preparadas para coisas desse tipo. Contempla as conquistas que alcancei ao fazer uso delas contra a gigantesca serpente que estendeu seu corpo venenoso muito além das fronteiras do planalto! Ficai satisfeito com a vossa tocha, garoto, e acendei a vossa chama onde desejares, como é de vosso costume, mas não ouses mexer com minhas armas." O filho de Vênus ouviu estas palavras, e respondeu, "Tuas flechas podem ferir todas as outras coisas, Apolo, mas as minhas podem te ferir." E dizendo isso, colocou-se de pé sobre uma rocha do Parnaso, e tirou da aljava duas flechas com diferentes funções, uma para incitar ao amor, e a outra para rejeitá-lo. A primeira era de ouro e a ponta era bem afiada, e a segunda, com ponta mal aparada, era feita de chumbo. Com a flecha de chumbo ele acertou a ninfa Dafne, a filha de Peneus[1], o deus dos rios, e Apolo, ele acertou com a flecha de ouro bem no coração. De modo que o deus se apaixonou pela donzela, e ela sentia horror aos anseios de amar. O que ela mais apreciava eram os esportes da floresta e os espólios da caça. Muitos pretendentes a procuravam, porém, ela os tratava com desprezo, perambulando pela floresta, sem nem sequer pensar em Cupido nem em Himeneu. Seu pai costumava dizer a ela, "Filha, deves dar-me um genro; e também deve dar-me netos." Ela, odiando a ideia de casar, como se isso fosse um crime, com seu lindo rosto e toda corada de vergonha, abraçou o pescoço de seu pai, e disse, "Querido pai, concede-me esta dádiva, que eu permaneça sempre solteira, como Diana." Ele concedeu, mas ao mesmo tempo disse, "O teu próprio semblante está dizendo o contrário."

Apolo a amava, e há muito tempo a desejava; e aquele que fazia previsões para todo o mundo não foi sábio o bastante para vaticinar o próprio destino. Vendo que os cabelos dela caíam soltos sobre seus ombros, disse, "Se são tão belos em desalinho, como seriam se bem arranjados?" Ele viu que os olhos dela brilhavam como as estrelas; olhou para os lábios dela, e não ficou satisfeito somente em olhar para eles. Tinha muita admiração pelas mãos e pelos braços dela, nus até os ombros, e tudo que ficava oculto à vista ele imaginava mais belo ainda. Ele a seguia; ela fugia, mais veloz que o próprio vento, e diante das insistências dele, ela não cedeu em nenhum momento. "Fica," disse ele, "filha de Peneus; não sou teu inimigo. Não fujas de mim como um cordeiro foge de um lobo, ou uma pomba foge de um falcão. É por causa do amor que eu te persigo. Me entristeces, pois temo que caias e te machuques em uma dessas pedras, e terei sido eu o motivo desse acidente. Te imploro para que vás mais devagar, e te seguirei mais devagar ainda. Não sou nenhum boçal, nem algum aldeão rude. Júpiter é meu pai, e eu sou o senhor de Delfos[2] e de Tenedos[3], e eu conheço todas as coisas, o presente e o futuro. Eu sou o deus da música e da lira. Minhas flechas partem certeiras para o alvo; porém, ó infortúnio! uma flecha mais fatal que a minha atingiu meu coração! Sou o deus da medicina, e conheço o poder de todas as plantas que curam. Pobre de mim! Sofro de uma enfermidade que nenhum bálsamo pode curar!"

A ninfa continuava a fugir, quase não conseguindo ouvir o que Apolo dizia. E mesmo na sua fuga ele sentia-se ainda mais encantado por ela. O vento soprava-lhe as vestes, e seus cabelos soltos voavam livremente com o vento. O deus então ficou impaciente ao perceber que seus apelos não encontravam resposta, e, auxiliado por Cupido, conseguiu vencê-la na corrida. Era como se um cão estivesse perseguindo uma lebre, com a boca aberta para devorá-la, enquanto o animal mais frágil continua a avançar, tentando escapar de ser agarrado. E assim se distanciavam o deus e a virgem -- ele nas asas do amor, e ela nos braços do pavor. O perseguidor consegue ser mais rápido, todavia, e consegue se aproximar cada vez mais dela, e ela já consegue sentir a respiração ofegante do deus em seus cabelos. Ela começa a perder fôlego, e, percebendo que poderia cair, apela para o seu pai, o deus dos rios: "Me ajude, Peneus! abra a terra para que eu seja engolida por ela, ou modifica a imagem, que me colocou diante do perigo iminente!" Mal havia falado estas palavras, e ela sente que seus membros ficaram rígidos; sentiu que seu peito era envolvido por uma suave casca; os seus cabelos se tornam folhas; os seus braços se transformam em galhos; os seus pés penetram nas profundezas do solo, como raízes; o seu rosto, torna-se como a copa de uma árvore, nada conservando da sua forma anterior com exceção da beleza. Apolo ficou perplexo. Tocou os galhos, e sentiu que um corpo vibrava debaixo da nova casca. Ele abraçou os galhos, e encheu de beijos a árvore. Os galhos se retraíram ao contato dos lábios dele. "Como não podes ser minha esposa," disse ele, "com certeza serás a árvore de minha propriedade. Farei uso de ti na confecção da minha coroa; serás a decoração da minha harpa e da minha aljava; e quando os grandes conquistadores romanos levantarem a pompa trinfal do Capitólio, tuas tranças serão usadas nas coroas de suas frontes. E, sendo tu eterna como eu sou, o teu verdor será conservado para sempre, e as tuas folhas jamais cairão." A ninfa, agora transformada num loureiro, inclinou a cabeça em reconhecimento e gratidão.

Que Apolo fosse o deus tanto da música como da poesia não parece singular, mas que a medicina também fosse atribuída à sua região, sim. O poeta Armstrong, sendo também médico, faz a seguinte menção:

"A música exalta toda a alegria e alivia todo pesar
Expulsa a doença, e ameniza toda dor
É por isso que os antigos sábios a apreciavam
O poder da medicina, da melodia e da canção."

A história de Apolo e de Dafne é frequentemente mencionada pelos poetas. Waller[4] a utiliza no caso daquele cujos versos de amor, que embora não amoleçam o coração de suas amadas, conquistam para o poeta fama e renome:

No entanto, a sua canção de esforço imortal[5] Embora não tenha sido um sucesso, não foi cantada em vão
Todos com exceção da ninfa deveriam corrigir o engano
Que atenda à paixão e e encha de aplausos a melodia
Assimo como Febo, que conquista o louvor indiretamente
Agarrou o amor e encheu seus braços de glória.


A estrofe a seguir de "Adonais"[6], da autoria de Shelley faz menção dos primeiros questionamentos de Byron com os revisores:

Os lobos em bando, com coragem para a perseguição
Os ousados urubus, clamorosos sobre os que se foram
Os abutres, que são a verdadeira bandeira do conquistador
Que se alimentam, do que primeiro alimentou a Desolação
E cujas chuvas de asas contagiam: quando fugiram
No momento em que Apolo, com sua flecha de ouro
A Pítia da era que alguém consagrou
E sorriu! Os travessos não intentam uma segunda investida
Festejam com os pés da soberba que os rejeita na retirada."


Píramo e Tisbe[editar]

Píramo e Tisbe
de Niklaus Manuel (1484-1530)

Píramo era o jovem mais belo e Tisbe a donzela mais formosa, de toda a Babilônia, no tempo do reinado de Semíramis. Os pais deles moravam em casas contíguas; e os amigos próximos fizeram com que os jovens se conhecessem, e a amizade se transformou em amor. Teriam sido felizes no casamento, porém, foram proibidos por seus pais. Uma coisa, porém, eles não poderiam proibir -- que o amor resplandecesse com igual ardor no peito de ambos. Eles conversavam por meio de sinais e de olhares, e como se amavam em segredo, o fogo da paixão era mais abrasador. Na parede que dividia as duas casas havia uma rachadura, causada por alguma falha na estrutura. Ninguém havia notado isso antes, mas os apaixonados descobriram o defeito. O que é que o amor não descobre! A falha na estrutura permitia a passagem de sons; e mensagens de amor eram costumeiramente passadas de um lado e de outro através do buraco. Quando ficavam de pé, Píramo no seu lado, Tisbe no dela, misturavam suas respirações. "Oh, parede cruel," diziam eles, "qual a razão de manteres dois corações separados? Mas nós não seremos ingratos. Devemos a ti, e confessamos sem pudor, o privilégio de transmitirmos palavras de amor a ouvidos solícitos." Tais palavras eram proferidas em lados diferentes da parede; e quando a noite chegava e eles precisavam se despedir, eles pressionavam seus lábios contra a parede, ela de um lado, ele do outro, já que não podiam aproximar-se mais.

Na manhã seguinte, quando a Aurora havia expulsado as estrelas, e o sol derretido a neve que cobria a relva, eles se encontravam no lugar de costume. Então, depois de lamentar o destino cruel, combinaram, que na noite seguinte, quando tudo estivesse calmo, eles se distanciariam de olhos atentos, deixariam suas casas e passeariam pelos campos; e para realizar o encontro, eles procurariam uma construção bem conhecida que ficava fora das fronteiras da cidade, conhecida como o Túmulo de Nino, sendo que aquele que chegasse primeiro deveria esperar o outro no pé de uma certa árvore. Era uma amoreira branca, que ficava perto de uma fonte de água fria. Ficou tudo combinado, e eles esperaram impacientemente que o sol se escondesse atrás das águas e que a noite se levantasse inexorável. Tisbe, então, cuidadosamente, fugiu sem ser observada pela família, tinha a cabeça coberta por um véu, caminhou até o monumento e se sentou debaixo da árvore. Quando ela estava sentada sozinha sob a fraca luz da noite, ela viu uma leoa, que sua boca exalava o odor de uma vítima recente, e o animal se aproximou da fonte para matar a sede. Tisbe fugiu ao ver a leoa, e buscou refúgio no vão de uma rocha. E quando ela fugia, ela derrubou o seu véu. A leoa, que já havia saciado a sede na fonte, virou-se para se retirar para a floresta, e ao perceber que havia um véu no chão, sacudiu e rasgou o tecido com sua boca ensanguentada.

Píramo, que havia se atrasado, agora se aproximava do local que haviam marcado. Ele viu nas areias as pegadas de leão, e ele ficou pálido diante do que via. Na verdade, ele havia encontrado o véu todo rasgado e com sangue. "Oh, pobre donzela," disse ele, "Eu fui a causa de tua morte! Tu, que mereces viver mais do que eu, pereceste como a primeira vítima. Eu te seguirei. Eu sou o culpado, por atraí-la para um lugar com tanto perigo, sem que pudesse estar no local para te proteger. Vinde, leões, ocultos por entre as pedras, e dilacera com teus dentes este corpo culpado." Ele pegou o véu, e levou consigo até a árvore onde haviam marcado o encontro, e o cobriu de beijos e de lágrimas. "Meu sangue também manchará vosso tecido," exclamou ele, e desembainhando a espada, mergulhou-a em seu coração. O sangue jorrou da ferida, e manchou de sangue as amoras brancas; e ao penetrar a terra tingiu as raízes, de modo que a cor vermelha subiu do tronco e atingiu os frutos.

Nesse instante, Tisbe, ainda trêmula de medo, e não querendo desapontar o seu amado, cautelosamente deu alguns passos, procurando ansiosamente pelo jovem, desejosa de contar a ele o perigo de que tinha escapado. Quando ela chegou no lugar e viu que a cor da amoreira havia mudado, ela duvidou que aquele fosse o lugar combinado. Presa de hesitação, ela avistou o perfil de uma pessoa que se debatia nos labirintos da morte. Ela recuou, assustada, um tremor percorreu-lhe o corpo, assim como os tremores da água parada no momento em que uma súbita brisa sopra sua superfície. Mas assim que ela reconheceu o amado da sua vida, ela gritou e começou a bater no peito, abraçando o corpo sem vida, e derramando lágrimas em seus ferimentos, ao mesmo tempo que beijava seus lábios frios. "Ó Píramo," gritou ela, "como pode isso ter acontecido? Me responde, Píramo; é a tua amada, Tisbe, que está falando. Ouça-me, querido, e levanta tua cabeça tombada!" Ao ouvir o nome de Tisbe, Píramo abriu os olhos, e depois voltou a fechá-los novamente. Ela viu o seu véu manchado de sangue e que a bainha estava sem a espada. "Tiraste a vida pelas próprias mãos, e por minha causa," disse ela. "Também serei corajosa desta vez, para mostrar que o meu amor é tão forte quanto o teu. Te seguirei na morte, porque eu sou a culpada; e a morte que poderia ser a única a nos separar, não irá me impedir de juntar-me a ti. E vós, nossos desafortunados pais, não nos negueis o nosso pedido de união. Porque se o amor e a morte nos uniu, permite que o túmulo nos receba. E tu, árvore, conserva as marcas do assassínio. Que as tuas amoras sirvam ainda como recordações de nossos sangues." E assim dizendo, mergulhou a espada no próprio peito. Seus pais atenderam-lhe o desejo, assim como os deuses. Os dois corpos foram enterrados na mesma sepultura, e a árvore depois disso sempre produziu frutos vermelhos, como acontece até os dias de hoje.

Thomas Moore, em seu "Baile das Sílfides" ao falar da lanterna de segurança de Davy, nos recorda a parede que separava Tisbe do seu amado:

"Oh, para aquela gaze metálica da lanterna
Aquela cortina protetora de metal
Que Davy delicadamente submete
Ao fogo ilícito e perigoso!
A parede que fica entre a Chama e o Ar,
(Tal como aquela que impedia a felicidade de Tisbe)
E através de cujos orifícios, este desafortunado casal
Permite que se vejam, mas os impede de se tocarem."

Na tradução que Mickle[7] fez dos "Lusíadas" ocorre a seguinte alusão à história de Píramo e Tisbe, e a metamorfose das amoreiras. O poeta faz a descrição da Ilha dos Amores:

"Os dons que dá Pomona, ali natura
Produz diferentes nos sabores,
Sem ter necessidade de cultura,
Que sem ela se dão muito melhores;
As cerejas purpúreas na pintura;
As amoras, que o nome têm de amores;
O pomo, que da pátria Pérsia veio, Melhor tornado no terreno alheio."[8]

Se algum de nossos jovens leitores for impiedoso o bastante a ponto de se divertir às gargalhadas à custa dos nossos desventurados Píramo e Tisbe, talvez encontre essa oportunidade consultando a peça de Shakespeare intitulada "Sonho de uma noite de verão," onde o relato assume proporções divertidas e burlescas.

Céfalo e Prócris[editar]

A Morte de Prócris
Piero di Cósimo

Céfalo era um jovem de grande beleza e que gostava principalmente de esportes. Ele costumava se levantar antes do amanhecer em perseguição à caça. Aurora, (também chamada de Eos pelos gregos), quando o viu pela primeira vez, se apaixonou por ele, e o raptou. Mas Céfalo havia se casado recentemente com uma esposa encantadora a quem amava perdidamente. Ela se chamava Prócris. Ela era a favorita de Diana, a deusa da caça, e que havia lhe dado um cachorro de presente e que podia correr mais do que qualquer outro rival, e também um dardo que jamais errava o alvo; e Prócris deu estes presentes ao seu marido. Céfalo ficou tão feliz com a esposa que ele resistiu a todas as investidas da Aurora, até que ela finalmente se despediu dele contrariada, dizendo, "Ide, mortal ingrato, fica com tua esposa, a quem, se eu não estiver enganada, um dia você se lamentará por tê-la conhecido."

Céfalo retornou para casa, e ficou tão feliz quanto antes junto de sua esposa, voltando a caçar na floresta. Ora, e aconteceu que alguma divindade furiosa havia enviado uma raposa esfomeada e causar transtornos naquela região; e os caçadores fizeram uma grande mobilização para capturá-la. Todos os esforços dos caçadores não tiveram bons resultados; porque nenhum cachorro conseguia vencê-la na corrida; até que decidiram apelar para Céfalo para que ele lhes emprestasse seu renomado cachorro, e que atendia pelo nome de Lelaps. Mal o cachorro foi solto e ele disparou como se fosse um dardo, tão rápido que os olhos não conseguiam acompanhá-lo. E se eles não tivessem visto as pegadas do animal na areia, eles teriam pensado que ele havia voado. Céfalo e os outros ficaram no alto de uma colina para ver a corrida. A raposa tentou todas as artimanhas; ela corria em círculo e seguindo a trilha dela, o cachorro aproximava-se cada vez mais, com a boca aberta, e estalava nas canelas dela, mas não conseguia mordê-la. Céfalo já ía usar o seu dardo, quando subitamente ele percebeu que o cachorro e a raposa pararam de repente. As forças celestiais, que haviam criado ambos os animais, não estavam querendo que nenhum deles vencesse. E numa verdadeira postura de vida e ação eles foram transformados em estátuas. Tão naturais e vivos pareciam, que você pensaria, ao olhá-los, que um ia latir, e o outro saltar para a frente.

Céfalo, embora tivesse perdido seu cachorro, continuava ainda a se divertir com a caça. Ele gostava de sair antes do amanhecer, e percorrer florestas e colinas sempre só, sem necessitar de ajuda, porque o seu dardo era uma arma segura para qualquer situação. Cansado de caçar, quando o sol havia atingido seu ponto mais alto, ele procurava um recanto de sombras, onde um riacho de águas geladas passava perto, e, estendido na relva, com suas vestes jogadas de lado, desfrutava o frescor da brisa. Algumas vezes, ele costumava dizer em voz alta, "Venha, deliciosa brisa, venha refrescar o meu peito, venha acalmar o calor que me abrasa." Certa vez, alguém ouviu quando ele falava desse jeito consigo mesmo, e, ingenuamente acreditando que ele estava conversando com alguma donzela, correu para contar o segredo a Prócris, a esposa de Céfalo. O amor em tudo crê. Prócris, diante do choque repentino, perdeu os sentidos. Pouco depois, ao se recuperar, disse, "Não pode ser verdade; não posso acreditar nisso a menos que eu mesma testemunhe esse fato." Então ela esperou, com o coração aflito, até a manhã seguinte, quando Céfalo saiu para caçar, como era de costume. Então ela o seguiu furtivamente, e se escondeu no lugar onde o informante lhe havia indicado. Céfalo, como de hábito, se aproximou, pois estava cansado de tanto caçar, e se estendeu no seu colchão feito de relva, dizendo, "Venha, deliciosa Brisa, venha refrescar o meu peito; pois sabes o quanto te amo! Você faz com que o bosque e meus passeios solitários se tornem deliciosos." Certa vez, estava ele repousando desta maneira quando ouviu, ou pensou ter ouvido, o ruído de um soluço que vinha de um mato próximo. Supondo que fosse de algum animal selvagem, lançou o seu dardo em direção ao ruído. Um grito da sua amada

Prócris lhe dizia que o dardo com certeza atingira o alvo. Ele correu até o local, e a encontrou sangrando, e com uma força desesperadora esforçou-se para arrancar do ferimento o dardo, que fora presente dela. Céfalo levantou-a do chão, lutando para estancar o sangramento, e implorava para que ela revivesse e não o abandonasse ao desespero, recriminando-se por causa da morte dela. Com esforço, Prócris abriu os olhos, e se esforçou para pronunciar estas poucas palavras: "Te imploro, se algum dia me amaste, se algum dia mereci de tuas mãos alguma gentileza, meu marido, me concede este último desejo; não te cases com a odiosa Brisa!" E assim todo o mistério foi revelado: mas, ó infortúnio! de que valia sabê-lo agora! Ela estava morta; mas o rosto dela exibia uma expressão de tranquilidade, e o seu olhar traduzia o amor e o perdão ao marido ao fazê-la entender a verdade.

Moore, em suas "Baladas Legendárias," faz alusão a Céfalo e a Prócris, dizendo o seguinte:

"Certa vez, um caçador inclinou-se na mata
Para evitar os olhos cintilantes do meio-dia
E de hábito cortejava o vento errante
Para acalmar a fronte com seu suspiro
E em silêncio, nem o zumbido da abelha selvagem
Nem um sopro podia mover o pelo do álamo
Cantava sua silenciosa canção: Vem, deliciosa Brisa
Ao que Eco respondia: Vem, deliciosa Brisa."

Notas e Referências do Tradutor[editar]

  1. Peneus
  2. Delfos
  3. Wikipedia:Tenedos
  4. Wikipedia:Edmund Waller
  5. The Story of Phœbus and Daphne - poema em inglês na íntegra.
  6. Adonais - Frontispício da obra.
  7. Wikipedia:William Julius Mickle
  8. Texto original de Camões