João Ferreira de Almeida 1819 (ortografia atualizada)/Mateus/XXVII

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  1. E VINDA a manhã, juntamente tomaram conselho todos os príncipes dos sacerdotes, e anciãos do povo, contra Jesus, para o matarem.
  2. E o levaram amarrado, e o entregaram a Pôncio Pilatos, o presidente.
  3. Então Judas, o que o havia traído, vendo que já estava condenado, tornou, arrependido, as trinta moedas de prata aos Príncipes dos Sacerdotes, e aos Anciãos;
  4. Dizendo: Pequei, traindo o sangue inocente. Porém eles disseram: Que nos toca isso a nós? vê-o tu.
  5. E lançando ele as moedas de prata no Templo, partiu-se, e foi, e enforcou-se.
  6. E os Príncipes dos Sacerdotes, tomando as moedas de prata, disseram: não é lícito pô-las na arca das ofertas, porquanto preço de sangue é.
  7. E tomando conselho juntamente, compraram com elas o campo do Oleiro, para sepultura dos estrangeiros.
  8. Pelo que aquele campo foi chamado campo de sangue, até o dia de hoje.
  9. Então se cumpriu o que foi dito pelo Profeta Jeremias, que disse: e tomaram as trinta moedas de prata, preço do apreçado[1] pelos filhos de Israel, ao qual eles apreçaram[1].
  10. E as deram pelo campo do Oleiro, segundo o que me mandou o Senhor.
  11. E Jesus esteve diante do Presidente, e o Presidente perguntou-lhe, dizendo: És tu o Rei dos Judeus? e Jesus lhe disse: Tu o dizes.
  12. E sendo acusado pelos Príncipes dos Sacerdotes e os Anciãos, nada respondeu.
  13. Pilatos então lhe disse: Não ouves quantas coisas testificam contra ti?
  14. E não lhe respondeu nem uma só palavra, de maneira que o Presidente se maravilhava muito.
  15. E na festa costumava o Presidente soltar um preso ao povo, qualquer que quisessem.
  16. E tinham então um preso bem conhecido, chamado Barrabás.
  17. Juntos pois eles, disse-lhes Pilatos: Qual quereis que vos solte? a Barrabás, ou a Jesus, que é chamado Cristo?
  18. Porque sabia que por inveja o entregaram.
  19. E estando ele assentado no tribunal, sua mulher enviou a ele, dizendo: Não tenhas que fazer com aquele justo; porque hoje padeci muitas coisas em sonhos por amor dele.
  20. Mas os Príncipes dos Sacerdotes e os Anciãos persuadiram às companhias que pedissem a Barrabás, e a Jesus matassem.
  21. E respondendo o Presidente, disse-lhes: Qual destes dois quereis que vos solte? E eles disseram: A Barrabás.
  22. Pilatos lhes disse: Que pois farei de Jesus, que é chamado Cristo? Disseram-lhe todos: Seja crucificado.
  23. Porém o Presidente disse: Pois que mal tem feito? E eles clamavam mais, dizendo: Seja crucificado.
  24. Vendo pois Pilatos que nada aproveitava, antes se fazia mais alvoroço, tomando água, lavou as mãos diante da companhia, dizendo: Inocente estou do sangue deste justo; vede-o vós outros.
  25. E respondendo todo o povo, disse: Seu sangue venha sobre nós, e sobre nossos filhos.
  26. Então soltou-lhes a Barrabás; porém havendo açoitado a Jesus, o entregou para ser crucificado.
  27. Então os soldados do Presidente, levando a Jesus consigo à audiência, ajuntaram a ele toda a quadrilha.
  28. E despindo-o, cobriram-no com uma capa de grã[2].
  29. E tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha sobre a cabeça, e uma cana em sua mão direita, e pondo-se de joelhos diante dele, zombavam dele, dizendo: Hajas gozo, Rei dos Judeus!
  30. E cuspindo nele, tomaram a cana, e davam-lhe com ela na cabeça.
  31. E depois que o haviam escarnecido, despiram-lhe a capa, e o vestiram com seus vestidos, e o levaram a crucificar.
  32. E saindo, acharam a um homem Cireneu, por nome Simão; a este constrangeram a que levasse sua cruz.
  33. E chegando ao lugar chamado Gólgota, que se diz o lugar da Caveira,
  34. Deram-lhe a beber vinagre misturado com fel; e gostando-o[3], não o quis beber.
  35. E havendo-o crucificado, repartiram seus vestidos, lançando sortes; para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta: Repartiram entre si meus vestidos, e sobre minha túnica lançaram sortes.
  36. E assentando-se, guardavam-no ali.
  37. E puseram por encima de sua cabeça, sua causa escrita: ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS.
  38. Então foram crucificados com ele dois salteadores[4], um à mão direita, e outro à esquerda.
  39. E os que passavam, blasfemavam dele, meneando[5] suas cabeças;
  40. E dizendo: Tu, que derribas o Templo, e em três dias o reedificas, salva-te a ti mesmo. Se és Filho de Deus, desce da cruz.
  41. E da mesma maneira também os Príncipes dos Sacerdotes, com os Escribas, e Anciãos, e Fariseus, escarnecendo dele diziam:
  42. A outros salvou, a si mesmo não se pode salvar. Se é Rei de Israel, desça agora da cruz, e creremos nele.
  43. Confiou em Deus, livre-o agora, se bem lhe quer; porque disse: Filho de Deus sou.
  44. E o mesmo lhe lançavam também em rosto os salteadores[4], que com ele estavam crucificados.
  45. E desde a hora sexta, houve trevas sobre toda a terra até a hora nona.
  46. E perto da hora nona clamou Jesus com grande voz, dizendo: ELI, ELI, LAMÁ SABACTÂNI; isto é: Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?
  47. E alguns dos que ali estavam, ouvindo-o, diziam: A Elias chama este.
  48. E logo correndo um deles, tomou uma espada, e enchendo-a de vinagre, pô-la em uma cana, e dava-lhe de beber.
  49. Porém os outros diziam: Deixa, vejamos, se Elias vem a livrá-lo.
  50. E Jesus clamando outra vez com grande voz, deu o espírito.
  51. E eis que o véu do Templo se rasgou em dois, de riba até baixo, e a terra tremeu, e as pedras se fenderam.
  52. E os sepulcros se abriram, e muitos corpos de Santos, que dormiram, foram ressuscitados.
  53. E saídos dos sepulcros, depois de sua ressurreição, vieram à santa cidade, e apareceram a muitos.
  54. E o Centurião, e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o terremoto, e as coisas que haviam sucedido, temeram em grande maneira, dizendo: Verdadeiramente Filho de Deus era este.
  55. E estavam ali muitas mulheres olhando de longe, as quais desde Galileia haviam seguido a Jesus, servindo-o.
  56. Entre as quais estava Maria Madalena, e Maria mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.
  57. E vinda já a tarde, veio um homem rico de Arimateia, por nome José, o qual também era Discípulo de Jesus.
  58. Este chegou a Pilatos, e pediu o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que o corpo se lhe desse.
  59. E tomando José o corpo, embrulhou-o em um lençol limpo fino
  60. E pô-lo em seu sepulcro novo, que tinha lavrado em uma penha[6]; e revolvendo uma grande pedra à porta do sepulcro, foi-se.
  61. E estava ali Maria Madalena, e a outra Maria, assentadas de fronte do sepulcro.
  62. E o seguinte dia, que é depois da preparação, ajuntaram-se os Príncipes dos Sacerdotes, e os Fariseus a Pilatos,
  63. Dizendo: Senhor, lembramos-nos, que aquele enganador, vivendo ainda, disse: Depois de três dias ressuscitarei.
  64. Manda pois que o sepulcro se segure até o dia terceiro, porque porventura não venham seus Discípulos de noite, e o furtem, e digam ao povo, que dos mortos ressuscitou; e assim será o derradeiro erro pior que o primeiro.
  65. E disse-lhes Pilatos: A guarda tendes; ide, segurai-o como o entendeis.
  66. E indo eles, seguraram o sepulcro com a guarda, selando a pedra.

Notas[editar]

  1. 1,0 1,1 apreçar — Definição: definir ou acertar preço
  2. de grã — Definição: de cor vermelha.
  3. gostando — aqui, significa experimentando.
  4. 4,0 4,1 salteador — Definição: pessoa que rouba, especialmente em estradas
  5. menear — Definição: mover a cabeça de um lado para outro.
  6. penha — Definição: grande rocha.