José de Anchieta (Machado de Assis)

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Esse que as vestes ásperas cingia,
E a viva flor da ardente juventude
Dentro do peito a todos escondia;

Que em páginas de areia vasta e rude
Os versos escrevia e encomendava
A mente, como esforço de virtude;

Esse nos rios de Babel achava,
Jerusalém, os cantos primitivos,
E novamente aos ares os cantava.

Não procedia então como os cativos
De Sião, consumidos de saudade,
Velados de tristeza, e pensativos.

Os cantos de outro clima e de outra idade
Ensinava sorrindo às novas gentes
Pela língua do amor e da piedade.

E iam caindo os versos excelentes
No abençoado chão, e iam caindo
Do mesmo modo as místicas sementes.

Nas florestas os pássaros, ouvindo
O nome de Jesus e os seus louvores,
Iam cantando o mesmo canto lindo.

Eram as notas como alheias flores
Que verdejam no meio de verduras
De diversas origens e primores.

Anchieta, soltando as vozes puras,
Achas outra Sião neste hemisfério,
E a mesma fé e igual amor apuras.

Certo, ferindo as cordas do saltério,
Unicamente contas divulgá-la
A palavra cristã e o seu mistério.

Trepar não cuidas a luzente escala
Que os heróis cabe e leva à clara esfera
Onde eterna se faz a humana fala.

Onde os tempos não são esta quimera
Que apenas brilha e logo se esvaece,
Como folhas de escassa primavera.

Onde nada se perde nem se esquece,
E no dorso dos séculos trazido
O nome de Anchieta resplandece
Ao vivo nome do Brasil unido.