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Lucrécias/II - Às raparigas

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Travessas, formosas, gentis raparigas,
Meus lindos romances atentas ouvi:
Nasci sobre as ondas das águas do norte,
E as verdes florestas do norte corri.
 
Do rio — gigante — que tira o seu nome
Daquelas guerreiras dos tempos d'além,[1]
À margem virente colhi muitos frutos,
E flores, e riscos, e... beijos também!
Aos pés das cascatas, em tardes serenas,
Ao som dos ruídos das águas, — cismei;
Que cismas de crenças! que sóis d’esperanças!
Que ar de baunilha que ali respirei!
 
Corri pelas veigas atrás dos galheiros,
Os méis das abelhas nos montes bebi;
E à sombra dos cedros altivos, copados,
As sestas, saudosas, nas redes dormi.
 
Ao pino e aos raios do sol que mais queima,
Perdido nas brenhas de incultos sertões,
Lutei braço a braço co’as onças feroces,
Mais bravas, mais feras que os próprios leões!
 
Delgado, flexível, meu corpo mimoso,
Nas tardes calmosas do sol do Equador,
Nos lagos, nos rios nadava boiando,
Por entre as gaivotas, das águas à flor.
 
Em noites de lua, ao lar das choupanas,
Ouvi dos sertanos as rudes canções;
E as lendas de amores das filhas das selvas,
E os ternos segredos de seus corações.
 
Nas matas, mirei-me nas águas das fontes,
Que imagem faceira nas águas sorria!...
Atentas ouvi-me, gentis raparigas,
Dizei-me, travessas, se o espelho mentia.
 
Meus olhos castanhos, sisudos, traquinas,
Têm fogo, têm brilho, têm lhana expressão!
Audaces, medrosos, esquivos, quietos...
Meus olhos, dizei-me: formosos não são?
 
Meus lábios... meus lábios pequenos, risonhos,
Uns longes tirando da cor do carmim,
Dos méis e perfumes das flores sedentos...
Pois há muitos lábios mimosos assim!...
 
E os negros cabelos, e as faces de jambo,
E os buços macios abrindo-se em flor?
E uns traços de triste que eu tenho na fronte,
E o sangue nas veias coando em fervor?...
 
E a boca tão breve... e as doces palavras,
E a idade viçosa as meiga estação?
E as minhas cantigas, e um peito que é terno,
E os muitos desejos do meu coração?...
 
Dizei-me, travessas, gentis raparigas,
Dizei-me, formosas, se o espelho mentia?
Tão cheio de dotes e os dotes tão raros,
Não era galante o retrato que via?
 
Pois bem; das florestas, das matas virentes,
A mão da ventura me trouxe até aqui;[2]
Perdido entre as gentes, perdi-me de amores,
Por todos os olhos das moças que vi...
 
E eu ando perdido com os dotes que tenho...
Que sina! que pena! que triste condão!
Se dentre vós uma quisesse se noiva...
Que noivo eu dera, e aí, que noivo então!...
 
É tempo, e inda há tempo! — é fero destino
Perderem-se dotes tão raros assim!
Se dentre vós — uma quiser um marido,
Me escreva uma carta dizendo — que sim.

  1. Do rio gigante, que tira o seu nome
    Daquela guerreiras dos tempos d’além, — vers.5 e 6.
  2. Pois bem; das florestas, das matas virentes,
    A mão da ventura me trouxe até aqui, — vers. 13 e 14.
     
    Declaro, entretanto, que não sou neto de nenhum Botucudo.