Rosa, rosa de amor (1902)/Manhã de sol

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Na sombra do murtal, cujas flores a leve
Aragem, desgrinalda em turbilhões de neve,
Ella vagueia a sós... E como vai formosa!
Tem como uma frescura orvalhada de rosa
Na face... Em seu sorriso amanhece. E’ tão brando
O seu pisar, que o chão o acolhe suspirando.
— Eis o sol! — canta uma ave ao fitar-lhe a retina...
E por onde ella passa a sombra se illumina.

Descuidada e feliz, entre as arvores ella
Erra á toa. Sorrindo, as aves interpella.
Corre de flor em flor, salta de moita em moita.
Ora entre a ramaria o olhar travesso afoita

E tenta surprehender o segredo de um ninho;
Ora scisma, fitando o vago desalinho
Em que toda palpita, em que se entrega toda,
A folhagem que o vento acaricia... Em roda,
Em tudo, vê um ar festivo de noivado.
Cada flor abre ao sol o calice orvalhado,
Humido como um labio em que poisasse um beijo...

E o seu passo é subtil, e erra como um adejo.

Surprehendo-a. Ella estaca, assustada, indecisa;
Mal com os pesinhos nús o chão musgoso pisa
Num ar de jurity prestes a abrir o vôo.
Tomo-lhe as mãos; baixinho, ao seu ouvido, entôo
A atrevida canção do amor que tudo pede,
Do amor que não é mais do que um furor de sede,
Que é o amor afinal...

                       Toda a sua alma escuta,
Todo o seu corpo treme. Amante e irresoluta,
Quer ceder, e resiste; abraza; e não se atreve...
E de subito, como a corça arisca e leve
Que sente o caçador e ouve silvar a bala,
Ella das minhas mãos bruscamente resvala,

Salta, foge-me...
           Em vão. Salto-lhe empós; não tomba
Mais faminto um abutre em cima de uma pomba.
Ella, sem rumo, vai e erra ao acaso, numa
Vaga trepidação, como ao vento uma pluma.
E o seu passo recorda o chão, que abaixa e alteia
Aqui um charco, adeante um cómoro de areia.

Aos poucos, a carreira afrouxa. Em cada passo
Mais e mais ella mostra a angustia do cansaço.
Arfa-lhe o seio; perde o folego; tropeça;
Pára...
       Alcança-a meu beijo. O noivado começa.