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O Beija-Flor (1830)/Número 5/2.4

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O NABAB D՚AOUDE, E O SEU VISIR.

 
(Das memorias do celebre Reginaldo Heber , bispo de Calcuta, ultimamente publicadas em Londres pela viuva do mesmo , sob o titulo de Life of Bishop Heber.)
 

O defunto Nabal d՚Aoude , gostava muito de mecanica. Certo dia que presenciava varias experiencias levarāo perante elle hum maquinista de muitissimo talento . e de primoroso engenho nas suas invençōes. O Nabah entrou a conversar com elle , e deu taes provas do gosto que achava neste colloquio , que o grāo visir temeo o recem-chegado o supplantasse algum dia no valimento do seu Senhor , e portanto mandou insinuar ao maquinista estas palavrinhas : se tems juizo sahirás de Laknan [1] O pobre homem . sem esperar que lhe repetissem o aviso , foi levantar sua officina á dez milhas da cidade na beira do Rio. Disserāo ao Nabab que elle tinha morrido do Cholera Morbus. Este monarca ordenou que remetessem á viuva , e filhos huma porçāo de dinheiro , e nāo houve mais mençāo do pertendido defunto.

Quando entrou a estação das chuvas, o Nabab embarcou no seu Brigue de guerra, e desceo o Rio , e ao passar a vista do lugar da nova residencia do maquinista , observando o asseio , e engenhosa disposiçāo da casinhola , mandou abordar. Quem vio elle? O defunto maquinista todo tremulo , e prostrado no chāo , que o supplicava se dignasse ouvil-lo. Baston huma breve explicaçāo para que o Principe , cheio de ira , o levasse na sua companhia á bordo do Brigue que voltou á Laknan.

Apenas chegado o Nabab mandou vir o Visir , e lhe pedio a confirmaçāo da morte do maquinista. Infelizmente nāo ha lugar para duvida , respondeo o Ministro , eu me certifiquei desta morte indo pessoalmente levar á familia o presente de V. M.—Hurumzada ! exclamou o Soberano em hum attaque de raiva : aqui o tens , olhe , e fugi da minha presença!! O Visir virando-se, conheceo o precipicio em que estava. Com hum olhar aterrador , de que o Nabab nāo podia dar fé , elle impoz silencio ao pobre maquinista; e apertanto as ventas com os dedos, voltou-se para o amo soltando varias exclamaçōes bem como estas — « Deos tendes piedade de mim! O quanto Satāo he potente! retro demonio em nome de Deos! » e dirigindo-se ao Monarca — « folgo de pensar que V. M. nāo tocára tāo abominavel cousa! » — « tocal-lo respondeo, o Nabab nāo era preciso , basta a vista para me convencer do teu perfido ardil! —»

Istufirullah! disse o valido: V. M. não sente hum fedito cadaverico? — « O Nabab enfureceo-se outra vez, porém pouco á pouco o terror rendeo a indignaçāo, e quando a voz do Monarca ia a esmorecer: « he mais que certo, ô refugio do mundo, accrescentou o Visir, que o seu maquinista (Deos o haja em sua santa paz) falleceo , e se enterrou ; mas este vosso escravo ignora quem roubou o corpo ao tumulo , ou qual o Vampiro que actualmente o anima , para maior espanto dos bons Musulmanos! O melhor era investil-o , e cravar-lhe hum ferro no peito , mesmo à vista de V. M. Se fosse licita derramar sangue na Presença d՚hum Principe tāo grande, e tāo excellente , permitta sómente V. M. que nos retiremos, e eu me incumbo de reconduzir o cadaver á tumba ; sem duvida quando a vir aberta, elle nāo se fará muito rogar para nella se restituir ». O Nabab todo espantado, nāo sabia ọ que dizia ou ordenava : entretanto emporiāo para fóra o Maquinista terrificado , ao qual o Visiro pondo - lhe huma bolsa entre māos , disse ao ouvido:— Se á manhāa nāo estás além das fronteiras da Companhia, eu te juro que te tratarei como legitimo Vampiro. — O Maquinista julgando toda replica superflua , foi-se , e o Nabab jamais soube d՚elle.

 


 

  1. Esta Cidade , Capital do Estado do Nabab d՚Aonde , tem a fama d՚huma das maiores do Hindustao. O rio navegavel Coumid a divide.

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