O Domínio Público no Direito Autoral Brasileiro/Capítulo 1/1.3.2./1.3.3.3

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1.3.3.3. Razões jurídicas

 

As razões jurídicas que justificam a existência do domínio público podem ser analisadas sob vários prismas. Vamos nos ater ao ordenamento jurídico brasileiro hoje vigente. Por isso, iniciamos com nosso norte hermenêutico, a dignidade da pessoa humana e sua relação com o domínio público. A partir daí, esclarecemos por que a LDA não é suficiente para garantir a efetividade de diversos direitos constitucionalmente garantidos, em virtude de sua extrema restritividade. Como consequência, o domínio público passa a exercer papel indispensável na construção da cultura nacional.

(i) Dignidade da pessoa humana

O uso da expressão “dignidade da pessoa humana” no mundo do direito é fato histórico recente[1]. No Brasil, não foi senão na CF/88 que se inseriu, em seu art. 1º, III, que a dignidade da pessoa humana é um dos “fundamentos da República”. Agindo assim, nosso constituinte consagrou tal princípio e, dada a sua eminência, “proclamou-o entre os princípios fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática”[2]

É de se notar que o art. 1º, III, da CF/88, exerce função de verdadeira cláusula geral[3] no Direito brasileiro, devendo ser esta entendida como formulação de caráter significativamente genérico e abstrato e cujos valores “devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz”[4].

Para Antônio Junqueira de Azevedo, a expressão é um conceito jurídico indeterminado quando tomada em si mesma e, se utilizada em norma, especialmente constitucional, é princípio jurídico[5]. Dessa forma, seria sob esta última caracterização que estaria na CF/88, já que ali aparece entre os princípios fundamentais[6].

O grande desafio jurídico, no que concerne à análise do princípio da proteção à dignidade da pessoa humana, é lhe definir um conteúdo palpável[7]. Assim como se passa com todos os demais conceitos jurídicos indeterminados, deverão a doutrina e a jurisprudência fixar-lhe os contornos[8]. No entanto, em virtude de sua inserção recente em nosso ordenamento jurídico, bem como por conta da dificuldade de se definir o conceito de dignidade, o princípio vem sendo “usado para fundamentar tanto a permissão da introdução quanto a proibição da introdução, da eutanásia, do abortamento, da pena de morte, da manipulação de embriões, do exame obrigatório de DNA, da proibição de visitar os filhos etc”[9].

Não apenas in abstracto a análise do princípio impõe dificuldades. A proteção conferida à dignidade de uma pessoa muitas vezes deverá ser compatibilizada com a dignidade de outra[10][11]. Portanto, leis, doutrina e jurisprudência precisam encontrar os limites de composição dos interesses envolvidos nas questões relacionadas à dignidade da pessoa humana. De modo a apresentar um panorama não exaustivo, apontaremos abaixo como alguns autores brasileiros, que se dedicaram expressamente ao tema, entendem o conteúdo de referido princípio.

Para Antônio Junqueira de Azevedo, a concretização da dignidade da pessoa humana seria alcançada sobretudo a partir da intangibilidade de sua vida, que não admitiria exceção. Algumas de suas concretizações seriam (i) a proibição da eutanásia, (ii) a proibição do abortamento do embrião e (iii) a impossibilidade da introdução legislativa da pena de morte[12]. A partir daí, o autor propõe ainda três consequências interpretativas.

A primeira seria o respeito à integridade física e psíquica da pessoa humana; a segunda, o respeito às condições mínimas de vida e, finalmente, o respeito aos pressupostos mínimos de liberdade e convivência igualitária entre os homens[13].

Já Ana Paula de Barcellos buscou o núcleo do princípio da dignidade da pessoa humana por meio da delimitação de seu mínimo existencial, que, segundo a autora, seria composto “de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça”, ressaltando que “esses quatro pontos correspondem ao núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário”[14].

Dos elementos acima apontados, interessa-nos particularmente a educação fundamental. As obras intelectuais são indispensáveis para a concretização dos princípios constitucionais de acesso ao conhecimento e à educação, cabendo ao domínio público o papel de grande manancial de obras livremente acessíveis e manipuláveis.

A preocupação de Ana Paula de Barcellos cinge-se sobretudo quanto ao acesso à qualidade de aluno, de modo que o mínimo existencial relacionado à dignidade da pessoa humana teria como resultado a possibilidade de o indivíduo poder exigir judicialmente uma vaga em alguma escola pública, de qualquer nível federativo, onde possa cursar o ensino fundamental[15]. É a própria autora quem antecipa as eventuais críticas que poderia vir a sofrer em razão de limitar a dignidade da pessoa humana ao direito ao ensino fundamental, mas esclarece adequadamente que “a crítica, ainda que pertinente, esvazia-se consideravelmente quando confrontada com a realidade de que boa parte da população brasileira não dispõe de educação alguma – nem pouca, nem muita – o que não apenas a afasta até mesmo [de] (...) postos de trabalho de baixa qualificação, como também a aliena das prerrogativas mais singelas da cidadania”[16].

Se por um lado a proposta de Ana Paula de Barcellos garantiria ao cidadão o direito de frequentar aulas do ensino fundamental mesmo onde não houvesse vagas em escolas públicas, quanto ao conteúdo a ser ministrado em sala de aula, é necessário tecermos outras considerações. Afinal, não se educa exclusivamente a partir da existência de vagas em escolas, públicas ou não. O processo de construção do conhecimento está diretamente ligado à disponibilidade de material didático stricto ou lato sensu.

Por isso é que sem acesso a obras intelectuais a garantia do direito à educação fica comprometida. É muito comum encontrarmos reflexões acerca do direito autoral com o objetivo de justificar a proteção ao autor. Mas existe ainda a necessidade de olharmos o direito autoral a partir de outro ângulo, não menos importante – as condições de acesso às obras por parte da sociedade.

Para José Afonso da Silva, a interpretação dos artigos 205 [17] e 227 [18] da CF/88 determina que “o Estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na CF/88 (art. 206 [19]); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da CF/88, sobre educação e ensino, hão de ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização”[20].

A não indicação expressa dos direitos culturais como direito social (por não constarem do rol do art. 6º da CF/88) não parece diminuir seu campo de atuação. José Afonso da Silva defende que, em conformidade com o art. 215 da CF, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Por aí também se vê que se trata de direitos informados pelo princípio da universalidade, isto é, direitos garantidos a todos”[21].

E quais seriam tais direitos culturais reconhecidos em nossa Constituição Federal? Para José Afonso da Silva, são[22]:


(i) direito de criação cultural, compreendidas as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
(ii) direito de acesso às fontes da cultura nacional;
(iii) direito de difusão da cultura;
(iv) liberdade de formas de expressão cultural;
(v) liberdade de manifestações culturais;
(vi) direito-dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura, que, assim, ficam sujeitos a um regime jurídico especial, como forma de propriedade de interesse público.


Parece evidente, então, que não basta garantir lugar no banco da sala de aula. A escola será incapaz de cumprir com os dispositivos constitucionais acima mencionados se houver restrição de acesso às obras intelectuais. Como se verá adiante, a LDA impõe diversos limites no uso, por parte da sociedade, de obras protegidas por direitos autorais – ainda que o uso tenha fins não comerciais e didáticos. Entendemos que o uso com fins educacionais – em qualquer nível, quer seja a instituição de ensino pública ou privada – caracterizará uma das hipóteses de funcionalização dos direitos autorais.

Sendo assim, para alcançarmos a plena eficácia da cláusula que protege a dignidade da pessoa humana, é necessário garantirmos não apenas o direito a frequentar aulas do ciclo fundamental de educação, mas também o direito de ter acesso a obras didáticas[23] para garantir, como consequência, o direito de se manifestar e de criticar, componentes da liberdade de expressão garantida constitucionalmente.

Quanto a este aspecto, importante apontarmos que a educação escolar não se dá, também, apenas pelo acesso às obras intelectuais. Há que igualmente se permitir a manipulação das obras, o uso criativo destas e a divulgação das obras derivadas, ainda que o fim não lucrativo seja uma condição a ser observada. Criar também é elemento indispensável à formação do estudante e o direito autoral deve servir como estímulo, não como obstáculo.

Ainda assim, ou seja, mesmo que possamos justificar o aproveitamento das obras protegidas por direito autoral a partir de seu uso funcionalizado, é claro que o domínio público assume papel relevantíssimo em tal cenário. Afinal, as obras em domínio público podem ser utilizadas de modo muito mais amplo do que aquelas cujos direitos patrimoniais ainda se encontram dentro do prazo de proteção.

Em obra dedicada a estabelecer parâmetros concretos para a dignidade da pessoa humana, Maria Celina Bodin de Moraes vai desdobrar o princípio constitucional em quatro postulados: “(i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele; (ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular; (iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; (iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado. São corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral – psicofísica –, da liberdade e da solidariedade”[24].

Ainda a partir desta perspectiva, é importante observarmos que os corolários acima indicados – igualdade, integridade psicofisica, liberdade e solidariedade – precisam, eles mesmos, de maior concretude. Será nessa segunda análise que poderemos relacionar a dignidade da pessoa humana aos direitos autorais.

Nesse sentido, a própria Maria Celina Bodin de Moraes é quem irá comentar acerca do corolário da liberdade, integrante da dignidade da pessoa humana[25]:


Como exemplos de situações violadoras da dignidade humana em razão da lesão ao princípio da liberdade, cabe referir a revista íntima a que é submetido o empregado, o exame toxicológico determinado pelo empregador e outros exames em geral, como, por exemplo, a submissão ao chamado “bafômetro”, ou ainda a impossibilidade de não receber transfusão de sangue por motivos religiosos, a incapacidade de controle acerca dos próprios dados pessoais, o rigor excessivo no exercício da autoridade parental, a restrição à manifestação de pensamento e crítica, a prisão ilegal e outras circunstâncias que, embora presentes no Direito Civil, têm sido mais tuteladas pelo Direito Penal, tais como o cárcere privado, a violência sexual – dentro ou fora do casamento –, a falsa denúncia.

Carlos Affonso Pereira de Souza entende a conexão entre os temas a partir de duas perspectivas. Na primeira, assim como apontado por Maria Celina Bodin de Moraes, os direitos autorais se relacionariam à ideia de liberdade, em função da liberdade de criação intelectual, tutelada pelo ordenamento jurídico. Em uma segunda concepção, os direitos morais do autor poderiam ser protegidos a partir da tutela da integridade moral da pessoa humana[26]. Interessa-nos sobretudo, pelo menos neste momento, a primeira abordagem.

Conforme visto anteriormente, as obras intelectuais são criadas tendo por base múltiplas influências advindas de obras alheias. A garantia à liberdade de criação intelectual exige, portanto, o acesso a obras alheias, pois é somente a partir da formação cultural do indivíduo que este poderá criar suas próprias obras.

Nesse cenário, se nos for possível a expressão por meio de uma metáfora, o direito autoral funciona como represa, e o domínio público, como estuário. Enquanto protegidas pelos direitos autorais patrimoniais, o acesso às obras produzidas se dará nos limites da lei ou na medida em que seu acesso seja autorizado pelo titular dos direitos. Uma vez que a obra seja inserida no domínio público, seu acesso será livre, bem como sua utilização.

A efetividade do direito de liberdade de criação, tido como postulado da dignidade da pessoa humana, será alcançada por dois caminhos: o do acesso e o da liberdade de expressão. O primeiro é pressuposto do segundo. Apenas por meio do acesso às obras intelectuais alheias é que os autores poderão se expressar. Incluímos na classe dos autores todos aqueles que desejam criar obras intelectuais, mas sobretudo os alunos de qualquer instituição de ensino, pública ou privada, e de qualquer nível.

Vê-se, assim, que o acesso às obras intelectuais – bem como a consequente liberdade de expressão – acaba por garantir ainda outros direitos fundamentais, como o direito à educação, à cultura e ao lazer, sem se esquecer da livre iniciativa, dentro dos limites autorizados pela lei[27].

Finalmente, cabe lembrar que as justificativas da importância de um direito autoral funcionalizado e de um domínio público amplo não se extinguem aqui. Sendo a liberdade de expressão uma evidente manifestação do direito de personalidade, não pode ser limitada pelas hipóteses de previsão legal. Como já alertou Pietro Perlingieri, “[n]enhuma previsão especial poderia ser exaustiva porque deixaria de fora algumas manifestações e exigências da pessoa que, em razão do progresso da sociedade, exigem uma consideração positiva”[28][29]. E acrescenta[30]:


O fato de a personalidade ser considerada como valor unitário, tendencialmente sem limitações, não impede que o ordenamento preveja, autonomamente, algumas expressões mais qualificantes como, por exemplo, o direito à saúde (...), ao estudo (...), ao trabalho (...). O juiz, de toda forma, não poderá negar tutela a quem pedir garantia de um aspecto de sua própria existência que não tenha previsão específica, pois aquele interesse já tem uma relevância no ordenamento, e, portanto, uma tutela também em via judicial.


Por isso, entendemos que uma das justificativas legais para a existência do domínio público é auxiliar a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana a partir de diversos aspectos, como a liberdade de expressão e o direito à educação.


(ii) A lei brasileira de direitos autorais: restritividade

Tão logo um músico componha uma de suas obras musicais, esta se encontra protegida nos termos da LDA. Não há qualquer necessidade de registro da obra para o surgimento da proteção. Afinal, segundo o art. 18 da referida lei, a proteção aos direitos autorais independe de registro[31].

É evidente que a alusão ao músico é meramente ilustrativa. O mesmo se dá para qualquer produção intelectual desenvolvida sob os auspícios da LDA. Assim é que sem qualquer esforço adicional à elaboração da obra, esta se encontra devidamente protegida. E quais as consequências disso?

Em primeiro lugar, como vimos, o registro é dispensável. Caso se opte por registrar a obra, entretanto, o ato se dará apenas para facilitar a prova de autoria. Por isso, não se pode atribuir ao registro o caráter constitutivo de direito, ao contrário do que se dá, em regra, com o registro das marcas[32].

Em seguida, podemos afirmar que do ponto de vista do autor, este gozará de todas as prerrogativas de proteção outorgadas pela LDA. Dessa maneira, a simples criação atribui ao autor os direitos morais e patrimoniais previstos em lei[33].

Finalmente, devemos considerar a perspectiva da sociedade. Se por um lado a criação intelectual atribui a seu criador os direitos previstos na LDA, por outro, fica a sociedade a cumprir os respectivos deveres contrapostos aos direitos de autor. Dessa forma, ao estatuir o art. 29 da LDA que depende de prévia e expressa autorização do autor a utilização da sua obra por quaisquer modalidades, seguindo-se então uma lista exemplificativa de condutas, determina a lei que fica o uso da obra proibido a menos que uma autorização seja outorgada.

Há que se argumentar, logo de início, que o texto da lei é criticável por diversos motivos. O caput do art. 29 menciona autorização prévia e expressa do autor quando deveria se referir à autorização do titular. Afinal, nem sempre é o autor o titular dos direitos autorais de obra por ele criada, uma vez que pode tê-los cedido a terceiros.

Outra crítica que se pode fazer é a redundância da redação do mesmo artigo. Em seu caput, por duas vezes se aponta que a enumeração é exemplificativa, tanto quando se menciona “por quaisquer modalidades” quanto ao prosseguir com “tais como”. Não achando suficiente, o legislador encerrou o rol com o inciso X que dispõe, in verbis, “quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas”, produzindo-se um estranho caso de artigo triplamente exemplificativo em nosso ordenamento jurídico.

Pode parecer, portanto, que o legislador está empenhado em afirmar que não importa qual seja o interesse de terceiro na utilização da obra: essa utilização é vedada.

Ainda que esta seja a regra que se infere da leitura do artigo, tal regra não pode ser absoluta. Imagine-se a infinidade de inconvenientes caso não houvesse outra forma de se acessar, citar, difundir, criticar ou recriar obras alheias. Em um sistema em que não há direitos absolutos, não se pode pretender que o direito autoral o seja.

Acerca do tema, Eduardo Vieira Manso afirma[34]:

Confrontam-se, dessa forma, dois interesses igualmente legítimos, igualmente inafastáveis, que o Estado deve atender de maneira igualmente satisfatória para ambos: de um lado, o autor, cujo trabalho pessoal e criativo (dando uma forma especial às ideias) deve ser protegido e recompensado e, de outro, a sociedade que lhe forneceu a matéria-prima dessa obra e que é seu receptáculo natural. Como membro dessa sociedade, o autor não pode opor-lhe seu próprio interesse pessoal, em detrimento do interesse superior da cultura; e como mantenedora da ordem, não pode a sociedade subjugar o indivíduo, em seu exclusivo benefício, retirando-lhe aquelas mesmas prerrogativas que o seu governo confere ao autor, para o favorecimento da criação intelectual, e que são instrumento de importância relevante de seu próprio desenvolvimento e de sua subsistência soberana.


Tomemos um exemplo simples. Prevê o art. 29, I, que a reprodução parcial ou integral de obra protegida depende de prévia e expressa autorização do autor. Pelo disposto no art. 29, a simples cópia de uma única página pareceria violar o dispositivo legal. Chega a ser intuitivo o quão absurda essa conclusão se nos apresenta. Afinal, se assim fosse, toda a pesquisa – de qualquer natureza – no Brasil estaria comprometida. E é para evitar esse tipo de interpretação que a LDA se vale do sistema de limitações aos direitos autorais.

Bruno Lewicki define as limitações como “as hipóteses em que o ordenamento reconhece como legítima uma conduta que, inversamente, poderia ser considerada infringente a partir de uma interpretação puramente literal e ‘estática’ dos direitos atribuídos, pela mesma lei, aos autores das obras intelectuais”[35].

É unânime a orientação da doutrina em louvar as limitações aos direitos autorais, pela impossibilidade de haver direitos absolutos. No entanto, a dificuldade maior reside mesmo em se estabelecer “limites à limitação para que não seja permitida a eliminação dos efeitos daquele direito fundamental [o direito autoral], mesmo em nome da pretensa defesa de superiores interesses da coletividade”[36]. Por outro lado, também não podem ser as limitações tão frágeis e ineficazes que acabem por redundar num sistema de proteção exclusiva do autor.

No cenário internacional, a matéria é disciplinada, sobretudo, pela chamada “regra dos três passos” da Convenção de Berna e pelo “fair use” do direito norte-americano.

A Convenção de Berna foi o primeiro tratado internacional a reger os direitos autorais. Sua origem remonta a 1886, tendo sido revista 7 vezes desde então[37], sendo a última em Paris, em 1971 (com modificações em 1979)[38].

Como regra geral, prevê o texto da Convenção, em seu artigo 9º (1), que aos autores cabe o direito exclusivo de autorizar a reprodução de suas obras, de qualquer modo ou em qualquer forma. No entanto, logo a seguir, o mesmo artigo prevê que “às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor”. Esta é a regra dos três passos[39].

Como se percebe, a regra determina que as legislações nacionais poderão permitir que haja reprodução de obras protegidas por direito autoral independentemente de autorização do titular do direito (i) em certos casos especiais, (ii) desde que essa reprodução não afete a exploração normal da obra reproduzida nem (iii) cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor.

Para Maristela Basso, “[a] regra do teste dos três passos reflete a necessidade de se manter o equilíbrio entre os direitos dos autores e o interesse do grande público, isto é, interesses relacionados à educação, pesquisa e acesso à informação”[40].

Já o fair use é mecanismo de que se vale a lei autoral norte-americana[41] para permitir o uso de obras alheias protegidas por direitos autorais dentro de determinadas circunstâncias. Trata-se de sistema aberto que prevê situações genéricas e que na prática gera bastante insegurança por parte dos usuários de obras intelectuais.

Para Alexandre Libório Dias Pereira, o fair use seria “uma cláusula geral de determinação da licitude ou ilicitude de uma utilização concreta de uma obra protegida por direitos de autor (copyright)”[42].

Em análise ao instituto e tendo por base a seção 107[43] do título 17 do US Code, José de Oliveira Ascensão aponta os critérios de definição do fair use[44]:


a) o propósito e natureza do uso, nomeadamente se é comercial ou para fins educativos e não lucrativos: mas repare-se que este afloramento não é taxativo, porque entram em conta outras ponderações e nenhum critério tem vigor de aplicação automática. De todo o modo, a natureza comercial do uso é um indicador negativo, uma vez que o direito de autor se cifra economicamente num exclusivo de exploração da obra;

b) a natureza da obra: é de se supor que nas obras mais fácticas o âmbito da utilização fair seja maior que nas obras mais imaginativas;

c) a quantidade e qualidade da utilização relativamente à obra global: por exemplo, até as citações podem ser postas em causa, se forem de tal modo longas e repetidas que acabem por representar praticamente uma apropriação do conjunto da obra;

d) a incidência da utilização sobre o mercado actual ou potencial da obra: este é apresentado por alguns como o mais relevante de todos os critérios.


A seguir, é o mesmo autor quem tece as principais distinções entre o sistema norte-americano e o europeu ao dizer que “[o] sistema norte-americano é maleável, enquanto o sistema europeu é preciso. Mas, visto pela negativa, o sistema norte-americano é impreciso, enquanto o sistema europeu é rígido. O sistema norte-americano não dá segurança prévia sobre o que pode ou não ser considerado fair use. O sistema europeu, pelo contrário, mostra falta de capacidade de adaptação”[45].

Afinal, acaba por optar pela superioridade do sistema norte-americano por considerá-lo menos contraditório do que o europeu, além de manter a “a capacidade de adaptação a novas circunstâncias, em tempo de tão rápida evolução”. Já os sistemas europeus poderiam ser tidos como se organismos mortos, tendo os Estados perdido “a capacidade de criar novos limites, e com isso de se adaptar aos desafios emergentes” [46].

O tema é controverso[47]. A opção por um sistema mais aberto, como o americano, ou mais fechado, como o europeu (e ao qual o Brasil se filia) comporta, como é de se esperar, vantagens e desvantagens. Concordamos com Bruno Lewicki quando este afirma[48]:


Seria ótimo acordar com uma lei que fosse fruto do entendimento dos setores interessados e dos responsáveis pelas políticas públicas; que se valesse da renovada técnica legislativa, caracterizada pela busca de objetivos ligados aos princípios constitucionais e com um uso racional de cláusulas-gerais que pudessem oxigenar o ramo; e que estivesse atenta às mudanças tecnológicas, culturais e artísticas e também às especificidades dos gêneros de que se ocupa.


O Brasil conta com um sistema fechado de limitações, decorrente de sua filiação ao sistema continental europeu. A respeito do tema, muito já foi escrito. Praticamente qualquer livro que trate de direitos autorais no Brasil dedicará um número considerável de páginas a explicitar a necessidade, a abrangência e os efeitos das limitações e exceções aos direitos autorais[49].

Não pretendemos acirrar o debate[50]. O que se pretende, neste ponto, é indicar por que a previsão legislativa das limitações aos direitos autorais é insuficiente sem o instituto do domínio público. Afinal, quanto mais restritiva for a lei, mais dependente a sociedade será do domínio público para gozar do direito de acesso às obras intelectuais em todas as suas possibilidades sociais e econômicas, conforme relatado nos tópicos antecedentes.

O fato de o Brasil contar com um sistema fechado de limitações tem como consequência lógica a indicação expressa, na LDA, das condutas que constituem uso legítimo de obra protegida por direito autoral sem que tal uso constitua violação.

Discute-se muito se o rol apontado no art. 46 da LDA seria taxativo. Em sua grande maioria, a doutrina entende que sim[51]. Contra essa interpretação, insurge-se Bruno Lewicki, com argumentos a nosso ver irrefutáveis[52].

O capítulo das limitações aos direitos autorais previstas na LDA se estende por apenas 3 artigos[53]. No primeiro, o art. 46 da LDA (abaixo transcrito), são apresentadas de maneira pontual e pouco sistematizada as hipóteses em que o uso de obra de terceiro não configura violação aos direitos autorais. O art. 47[54] trata de paráfrases e paródias e o art. 48, que fecha o capítulo, dispõe a respeito das obras situadas permanentemente em logradouros públicos[55].

As limitações aos direitos autorais consistem, portanto, em hipóteses em que o uso da obra protegida independe de autorização e, ainda assim, é considerado lícito.

A LDA não informa que princípios gerais norteiam nosso sistema de limitações. As hipóteses são apresentadas de maneira assistemática, resultando em conjunto evidentemente incompleto, de difícil aplicação prática e que naturalmente não resiste à afirmação de que deve ser interpretado restritivamente. Prevê o art. 46 da LDA a respeito das limitações aos direitos autorais:


Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I – a reprodução:

a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;

b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;

c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros; ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;

II – a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

III – a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;

IV – o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;

V – a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

VI – a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

VII – a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;

VIII – a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.


Como se pode perceber da leitura dos incisos acima transcritos, não existe um fio condutor único das limitações no direito brasileiro, apesar de serem em número escasso. O uso integral da obra pode se dar em determinados casos (I, V e VI, por exemplo), enquanto em outros é vedado (II e III, notadamente). Se por um lado o fim não comercial pode ser requisito para o uso de obra de terceiro (II, VI), há hipóteses em que o intuito de lucro pode ser perseguido (III, VIII). Melhor seria o legislador ter se valido de cláusulas gerais no caput, tentando identificar nos incisos hipóteses mais flexíveis de limitações aos direitos autorais.

A regra dos três passos de Berna serviu de inspiração direta para a redação do inciso VIII, como visto acima. Nele se encontram explicitamente dois requisitos da Convenção: que a reprodução de pequeno trecho de obra preexistente em obra nova (i) não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem (ii) cause prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores. Infelizmente, a regra não vem sendo adequadamente respeitada pelo mercado, que em certos casos lhe dá interpretação visivelmente contra legem[56].

Tecnicamente, não podemos afirmar serem as limitações aos direitos autorais integrantes do domínio público. No entanto, são indispensável instrumento de acesso a obras protegidas. Na verdade, aí reside a principal distinção entre os dois institutos. As obras em domínio público, como se verá, já não gozam mais da proteção autoral em seus aspectos patrimoniais. À sociedade confere-se, portanto, o direito de utilizá-las economicamente em sua integralidade, independentemente de autorização de quem quer que seja – autor ou titulares de direitos derivados.

Já as obras protegidas encontram nas limitações aos direitos autorais o campo onde o direito autoral não exerce seu monopólio. Porque é dentro das fronteiras das limitações que a sociedade poderá se valer das obras intelectuais protegidas de acordo com as determinações legais.

Em síntese, durante o prazo de proteção, vigoram as limitações aos direitos autorais. Transcorrido o prazo, a obra ingressa no domínio público. Deixam de valer, assim, as limitações, vez que deixou de vigorar sobre a obra a proteção econômica conferida pela lei. O domínio público é o destino inexorável das obras protegidas pelos direitos autorais. Daí, podemos afirmar que o domínio público é a regra, sendo a proteção às obras a sua exceção[57].

Por fim, é importante mencionarmos que nem todas as limitações aos direitos autorais se encontram no art. 46 da LDA. Há diversas outras situações em que o autor sofre restrições à regra geral de que depende de prévia e expressa autorização sua o uso da obra criada[58].

Dessa forma, podemos afirmar que, em um sistema de limitações tão estreito como é o brasileiro, o domínio público avulta sua importância, já que dele dependerá muito mais o pleno exercício dos direitos de acesso, de educação, de liberdade de expressão, entre outros.


(iii) O domínio público na lei autoral brasileira

A LDA não define o que vem a ser domínio público nem determina sua natureza. A concepção legal do domínio público no Brasil se concretiza, sobretudo, por meio da indicação dos prazos de proteção às obras intelectuais.

O art. 41 da LDA determina o prazo padrão para se proteger uma obra por direitos autorais. Prevê o artigo que “os direitos patrimoniais do autor perduram por 70 (setenta) anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil”. É assim que se afirma que, em regra e de maneira simplificada, o direito autoral dura a vida do autor mais setenta anos. Caso se trate de uma obra indivisível realizada em coautoria, é necessário esperar pelo falecimento do último dos autores para se dar início à contagem do prazo"[59].

Tratando-se de obra anônima ou pseudônima, a contagem do prazo (setenta anos) se dá a partir de sua publicação[60]. O mesmo pode ser dito a respeito das obras fotográficas e audiovisuais[61].

Tomando por base o decurso do prazo, a LDA determina qual a abrangência do domínio público no Brasil ao prescrever, em seu art. 45, que além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público (i) as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores e (ii) as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.

Uma vez ingressada a obra em domínio público, quatro são os efeitos legais previstos pela LDA:


(i) a criação de obra derivada a partir de obra original (em domínio público) gera direitos autorais para o autor da obra derivada. Assim, quem reescreve uma peça de Shakespeare em linguagem infanto-juvenil ou a transforma em obra audiovisual passa a ser detentor dos direitos autorais sobre o novo trabalho. Não poderá se opor a uma outra adaptação da mesma peça em linguagem infanto-juvenil ou obra audiovisual, a menos que se trate, obviamente, de cópia da sua[62];

(ii) as obras em domínio público podem ser livremente reproduzidas[63];

(iii) ao Estado competirá defender a integridade e a autoria da obra que tenha entrado em domínio público[64];

(iv) as obras que se encontravam em domínio público nos termos da lei autoral anterior (lei 5.988/73), em razão de ter expirado o prazo de proteção (que era de sessenta anos contados da morte do autor), não tiveram sua proteção prorrogada nos termos da LDA. Ou seja, uma vez em domínio público, a proteção não poderia retroagir[65].


A análise e a compreensão dos dispositivos legais da LDA que tratam sobre domínio público serão retomadas, com a devida profundidade, no terceiro capítulo deste trabalho.

O direito autoral é uma construção social. Dessa forma, podemos encerrar afirmando que o motivo jurídico pelo qual as obras entram em domínio público é porque a lei assim prevê. Seria teoricamente possível estabelecer uma proteção perpétua às obras intelectuais. No entanto, já discorremos sobre os inconveniente sociais e econômicos dessa hipotética proteção[66].

Além disso, a instituição de um domínio público é a mais perfeita forma de se devolver à sociedade aquilo que ela proporcionou: a inspiração livre para obras subsequentes. Mas não é só. É possível afirmar que, juridicamente, o domínio público permite a efetivação plena de diversos preceitos constitucionais, como o direito de acesso à informação, à educação, à liberdade de expressão; à dignidade da pessoa humana, enfim.

Com os avanços tecnológicos que hoje testemunhamos, a importância do domínio público se faz mais presente e a compreensão das suas fronteiras e da sua função se tornou inadiável. Vivendo em um mundo globalizado, e tratando-se de um tema ainda pouco estudado, a importância das referências estrangeiras é um fato. “Esta é uma circunstância histórica com a qual precisamos lidar, evitanto dois extremos indesejáveis: a subserviência intelectual, que implica a importação acrítica de fórmulas alheias e, pior que tudo, a incapacidade de reflexão própria; e a soberba intelectual, pela qual se rejeita aquilo que não se tem. Nesse ambiente, não é possível utilizar modelos puros, concebidos alhures, e se esforçar para viver a vida dos outros. O sincretismo – desde que consciente e coerente – resulta sendo inevitável e desejável”[67].

É com esse olhar que passamos a analisar o domínio público na experiência internacional de modo a melhor compreender o domínio público no ordenamento jurídico brasileiro.

Este material foi publicado por seu autor/tradutor, Sérgio Branco (ou por sua vontade) em Domínio público. Para locais que isto não seja legalmente possível, o autor garante a qualquer um o direito de utilizar este trabalho para qualquer propósito, sem nenhuma condição, a menos ques estas condições sejam requeridas pela lei.

 
  1. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; p. 3. A inserção da cláusula de proteção à dignidade da pessoa humana não foi inovação brasileira. “A Constituição italiana de 1947, entre os princípios fundamentais, também já havia proclamado que ‘todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei’. Não obstante, costuma-se apontar a Lei Fundamental de Bonn, de maio de 1949, como o primeiro documento legislativo a consagrar o princípio em termos mais incisivos: ‘Art. 1,1 – A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os poderes estatais”. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma Leitura Civil Constitucional dos Danos Morais. Cit.; p. 83.
  2. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma Leitura Civil Constitucional dos Danos Morais. Cit.; p. 83.
  3. A respeito das cláusulas gerais, anota Gustavo Tepedino: “[c]uida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas”. TEPEDINO, Gustavo. Crise das fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. Temas de Direito Civil II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; p. 7.
  4. NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, São Paulo: ed. RT, p. 6.
  5. A respeito da importância na aplicação dos princípios, comenta Pietro Perlingieri: “[a]s normas constitucionais – que ditam princípios de relevância geral – são de direito substancial, e não meramente interpretativas; o recurso a elas, mesmo em sede de interpretação, justifica-se, do mesmo modo que qualquer outra norma, como expressão de um valor do qual a própria interpretação não pode subtrair-se. É importante constatar que também os princípios são normas”. PERLINGIERI, Pietro. Perfis de Direito Civil – 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; p. 11.
  6. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Estudos e Pareceres de Direito Privado. Cit.; p. 4.
  7. Maria Celina Bodin de Moraes indaga, para logo a seguir ponderar: “[m]as em que consiste a dignidade humana, expressão reconhecidamente vaga, fluida, indeterminada? Esta é uma questão que, ao longo da história, tem atormentado filósofos, teólogos, sociólogos de todos os matizes, das mais diversas perspectivas, ideológicas e metodológicas. A temática tornou-se, a partir de sua inserção nas longas Constituições, merecedora da atenção privilegiada do jurista que tem, também ele, grande dificuldade em dar substância a um conceito que, por sua polissemia e o atual uso indiscriminado, tem um conteúdo ainda mais controvertido do que no passado”. MORAES, Maria Celina Bodin de. O Princípio da Dignidade Humana. MORAES, Maria Celina Bodin de (Org.) Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; p. 6.
  8. Diz Antônio Junqueira de Azevedo que “[m]al o século XX se livrou do vazio do ‘bando dos quatro’- os quatro conceitos jurídicos indeterminados: função social, ordem pública, boa-fé, interesse público –, preenchendo-os, pela lei, doutrina e jurisprudência, com alguma diretriz material, que surge, agora, no século XXI, problema idêntico com a expressão ‘dignidade da pessoa humana!’”. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Estudos e Pareceres de Direito Privado. Cit.; p. 8.
  9. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Estudos e Pareceres de Direito Privado. Cit.; p. 8.
  10. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Estudos e Pareceres de Direito Privado. Cit.; p. 14.
  11. São muitos os exemplos possíveis. Um dos mais eloquentes é, certamente, julgado do Supremo Tribunal Federal, ocorrido em 1994, no qual se discutiu a possibilidade de se conduzir o réu “debaixo de vara” para se efetuar exame de DNA em ação de investigação de paternidade. Não sem polêmica ou dissenso, a suprema corte brasileira decidiu, por maioria (quatro ministros votaram pela possibilidade de se obrigar o réu a fazer o exame), pela impossibilidade de se obrigar o exame. Ementa: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DNA – CONDUÇÃO DO RÉU “DEBAIXO DE VARA”. Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, “debaixo de vara”, para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos. HC 71373 / RS – RIO GRANDE DO SUL. Relator: Min. FRANCISCO REZEK. Julgamento: 10/11/1994. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2871373.NUME.%20OU%2071373.ACMS.%29&base=baseAcordaos. Acesso em 20 de fevereiro de 2009.
  12. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Estudos e Pareceres de Direito Privado. Cit.; pp. 14-17.
  13. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Estudos e Pareceres de Direito Privado. Cit.; pp. 17-20.
  14. BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; p. 258.
  15. BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Cit.; pp. 261-262.
  16. BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. Cit.; pp. 262-263.
  17. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
  18. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
  19. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).
  20. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo – 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1992; pp. 279-280.
  21. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Cit.; p. 280.
  22. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Cit.; p. 280.
  23. Neste passo, damos ao conceito de “obra didática” o mais amplo possível. Entendemos que no mundo contemporâneo não dá para ficarmos limitados a livros escolares como exemplo de obras didáticas. Textos de qualquer gênero, bem como obras audiovisuais e obras musicais exercem hoje papel fundamental na educação e daí a importância de seu acesso com fins educativos.
  24. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma Leitura Civil Constitucional dos Danos Morais. Cit.; p. 85. A busca pelo conteúdo do princípio é imperativa, dada a amplitude do valor da dignidade, que alcança todos os setores da ordem jurídica. É por isso que Maria Celina Bodin de Moraes alerta: “[e]is a principal dificuldade que se enfrenta ao buscar delinear, do ponto de vista hermenêutico, os contornos e os limites do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Uma vez que a noção é ampliada pelas infinitas conotações que enseja, corre-se o risco de generalização absoluta, indicando-se como ratio jurídica de todo e qualquer direito fundamental. Levada ao extremo, essa postura hermenêutica acaba por atribuir ao princípio um grau de abstração tão completo que torna impossível qualquer sua aplicação”. MORAES, Maria Celina Bodin de. O Princípio da Dignidade Humana. Cit.; p. 16.
  25. Grifamos. MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma Leitura Civil Constitucional dos Danos Morais. Cit.; p. 107.
  26. SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. O Abuso do Direito Autoral. Tese apresentada ao programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2009. “A comprovação de que a disciplina do direito autoral se insere no debate sobre a dignidade da pessoa humana pode ser percebida pela localização dos princípios jurídicos da integridade moral e da liberdade como postulados da dignidade da pessoa humana. Dentre as manifestações do princípio da liberdade estaria, evidentemente, a liberdade de criação intelectual, recebendo do ordenamento jurídico a devida tutela. Por outro lado, a integridade moral da pessoa também pode levar em conta a vinculação da personalidade do autor com a obra criada, sendo assim a tutela dos direitos morais uma forma de garantir essa integridade moral”.
  27. A livre iniciativa é garantia constitucional, prevista tanto no art. 1º, IV, quanto no art. 170 da CF/88.
  28. PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008; p.765.
  29. Idêntico é o entendimento de Gustavo Tepedino, ao afirmar: “[a] personalidade humana deve ser considerada antes de tudo como um valor jurídico, insuscetível pois de redução a uma situação jurídica-tipo ou a um elenco de direitos subjetivos típicos, de modo a se proteger eficaz e efetivamente as múltiplas e renovadas situações em que a pessoa venha a se encontrar, envolta em suas próprias e variadas circunstâncias. Daí resulta que o modelo do direito subjetivo tipificado, adotado pelo Codificador brasileiro, será necessariamente insuficiente para atender às possíveis situações subjetivas em que a personalidade humana reclame tutela jurídica”. A seguir, complementa: “[p]ermanecem os manuais brasileiros, em sua maioria, analisando a personalidade humana do ponto de vista exclusivamente estrutural (ora como elemento subjetivo da estrutura das relações jurídicas, identificada com o conceito de capacidade jurídica, ora como elemento objetivo, ponto de referência dos direitos da personalidade) e protegendo-a em termos apenas negativos, no sentido de repelir as agressões que a atingem. Reproduz-se, desse modo, a técnica do direito de propriedade, delineando-se a tutela da personalidade de modo setorial e insuficiente”. TEPEDINO, Gustavo. Crise das fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. Cit.; pp. 10-11.
  30. PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional. Cit.; p.765.
  31. Não significa, contudo, que o registro não seja recomendável ou mesmo, por outros motivos, obrigatório. A recente lei 10.192, de 14 de janeiro de 2010, dispõe sobre o depósito legal de obras musicais na Biblioteca Nacional. De acordo com seu art. 3º, ficam os impressores e gravadoras fonográficas e videofonográficas obrigados a remeter à Biblioteca Nacional, no mínimo, 2 (dois) exemplares de cada obra editada ou gravada, bem como sua versão em arquivo digital, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após a publicação da obra, cabendo à editora, ao produtor fonográfico e ao produtor videofonográfico a efetivação desta medida. O registro não se presta, entretanto, a conferir a proteção pela lei de direito autoral, que já existe desde a criação da obra. Serve, na própria previsão legal, e entre outras justificativas, para assegurar a preservação da memória musical brasileira.
  32. A LPI prevê, em seu art. 129, que a propriedade da marca se adquire pelo registro validamente expedido.
  33. Conforme disposto, entre outros, nos arts. 24 e 29 da LDA.
  34. MANSO, Eduardo Vieira. Direito Autoral. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1980; p. 90.
  35. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Cit.; p. 1.
  36. MANSO, Eduardo Vieira. Direito Autoral. Cit.; p. 92.
  37. Segundo Maristela Basso, “[a] Convenção de Berna destaca-se pela flexibilidade com Conferências periódicas de revisão e adaptação do texto às novas exigências e realidades (...)”. BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2000; p. 90.
  38. Atualmente, são 161 os países signatários. Disponível em http://www.wipo.int/treaties/en/ShowResults.jsp?country_id=ALL&search_what=B&bo_id=7. Acesso em 21 de março de 2010. “Em 4 de janeiro de 1913, através da Lei 2.738, o Brasil adere à Convenção de Berna, tendo sido promulgada em 1922 (Decreto n. 15.530). O Brasil aderiu aos textos das seguintes Revisões da Convenção: Berlim, 1908 – Roma, 1928, Bruxelas, 1948, Estocolmo, 1967, Paris, 1971, texto atualmente me vigor, promulgado pelo Decreto n. 75.699, de 06 de maio de 1975”. FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito Autoral – Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009; p. 91.
  39. “A norma geral do teste dos três passos (three-step test), que regula e norteia as limitações aos direitos exclusivos dos autores, foi introduzida na Convenção de Berna, em 1967, durante a revisão de Estocolmo, estando atualmente prevista no art. 9.2 da Convenção de Berna (revisão de Paris) e no art. 13 do Acordo TRIPS da OMC (...)” (grifos no original). BASSO, Maristela. As exceções e limitações aos direitos de autor e a observância da regra do teste dos três passos (three steps test). Direitos Autorais – Estudos em Homenagem a Otávio Afonso dos Santos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 257.
  40. BASSO, Maristela. As exceções e limitações aos direitos de autor e a observância da regra do teste dos três passos (three steps test). Cit., p. 258.
  41. Sobre a gênese do fair use, afirma Luiz Gonzaga Silva Adolfo: “[o]riginou-se basicamente da jurisprudência americana, esta derivada da do ‘fair dealing’ ou ‘fair abridgement’ do Direito inglês. Como detalhadamente aborda Leite, durante mais de um século o Judiciário dos Estados Unidos aplicou o fair use como regra de equidade flexibilizadora do Direito Autoral, e inicialmente a partir do que as cortes inglesas desenvolveram no final da primeira metade do século XVIII sob a forma de um grupo de princípios relativamente coesos destinados a regular o uso da obra de um autor por outro autor, sem que para isso houvesse a necessidade do prévio ou posterior consentimento do primeiro”. ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras Privadas, Benefícios Coletivos: a Dimensão Pública do Direito Autoral na Sociedade da Informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed, 2008; pp 141-142.
  42. PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Direitos de Autor e Liberdade de Informação. Coimbra: Almedina, 2008; p. 298.
  43. Diz o texto original, na íntegra: § 107: Limitations on exclusive rights: Fair use. Notwithstanding the provisions of sections 106 and 106 A, the fair use of a copyrighted work, including such use by reproduction in copies or phonorecords or by any other means specified by that section, for purposes such as criticism, news reporting, teaching (including multiple copies for classroom use), scholarship, or research, is not an infringement or copyright. In determining whether the use made of a work in any particular case is fair use the factors to be considered shall include: (1) the purpose and character of the use including whether such use is of a commercial nature or is for nonprofit educational purposes; (2) the nature of the copyrighted work; (3) the amount and substantiality of the portion used in relation to the copyrighted work as a whole; and (4) the effect of the use upon the potential market for the value of the copyrighted work. The fact that a work is unpublished shall not itself bar a finding of fair use if such finding is made upon consideration of all the above factors.
  44. Grifos do autor. De acordo com tradução e comentários de José de Oliveira Ascensão. ASCENSÃO, José de Oliveira. O “Fair Use” no Direito Autoral. Direito da Sociedade e da Informação – Vol IV. Coimbra: Coimbra Editores, 2003; p. 95-96.
  45. ASCENSÃO, José de Oliveira. O “Fair use” no Direito Autoral. Cit.; p. 98.
  46. ASCENSÃO, José de Oliveira. O “Fair use” no Direito Autoral. Cit.; p. 98.
  47. “Tamanha maleabilidade não deixa de ser alvo de críticas; o Justice Antonin Scalia, da Suprema Corte norte-americana, já objetou que os ‘testes’ judiciais que envolvem múltiplos fatores acabariam permitindo que os juízes resolvam os casos da forma que lhes convier. Em tom menos ácido e em referência mais específica, Marybeth Peters, diretora do Escritório de Registro de Direitos Autorais dos Estados Unidos, sintetizou as vantagens e as dificuldades inerentes a este instrumento de balanço dos direitos autorais em uma frase: ‘With fair use, you never know’. Peters põe em prática tal crença, ‘presenteando’ os seus alunos de direito autoral com um problema sobre fair use nas provas que aplica: é a maneira de ‘salvar’ os estudantes que não costumam ir bem nas questões mais diretas, mas que são capazes de fundamentar bem suas próprias opiniões sobre copyright”. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Cit.; p. 104.
  48. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Cit.; pp. 158-159.
  49. Entre outros, podemos citar: ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. São Paulo: Ed. do Brasil, 2002; BASSO, Maristela. As exceções e limitações aos direitos de autor e a observância da regra do teste dos três passos. Cit.; BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Cit.; SOUZA, Allan Rocha de. A Função Social dos Direitos Autorais. Cit..
  50. Em primeiro lugar, porque, conforme visto, o tema já foi devidamente debatido na doutrina. Em segundo lugar, porque a matéria é complexa e tem fôlego para ser, ela própria, objeto de teses inteiras (inclusive com exemplos já citados neste trabalho). Dessa forma, pretendemos aqui apenas apontar os objetivos principais da LDA com a instituição das limitações, na medida necessária para a discussão da importância do domínio público no Brasil.
  51. A título de exemplo, podemos citar os seguintes excertos: “[c]omo disposições excepcionais, as limitações devem ser interpretadas restritivamente. Só permitem atos expressamente previstos”. HAMMES, Bruno Jorge. O Direito de Propriedade Intelectual. Cit.; p. 92. “O rol das obras [sic] que independem de prévia autorização do autor para seu uso público é taxativo, porque a limitação é uma exceção à regra geral, e no dia em que o legislador deixar de considerá-la como tal, passará automaticamente a demandar autorização prévia para seu uso”. ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit.; p. 146. “Por outro lado, enumera taxativamente as hipóteses de uso livre (...)”.BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Cit.; p. 70.
  52. Em síntese: “[t]ambém cai por terra, registre-se, o dogma da ‘taxatividade’ das limitações, ou seja, o seu suposto caráter numerus clausus. Não só as limitações que compõem o rol da lei autoral podem ser interpretadas extensivamente ou aplicadas por analogia como é, ainda, possível pensar em limitações não expressamente previstas. Vislumbre-se a seguinte hipótese: certo estudioso está escrevendo livro sobre determinada fase da obra de famoso pintor. Sua tese gira em torno da suposta influência que específico quadro pintado por aquele artista teria exercido sobre diversas escolas posteriores, principalmente pelo uso da cor – ideia esta que nunca fora suscitada pelos historiadores da arte. É de se supor que se ele tivesse acesso a uma fotografia que reproduzisse o quadro, dificilmente se poderia negar a ele o exercício do direito de citá-lo, isto é, ilustrar seu livro com aquela fotografia. Mas se tal fotografia não existe, e o quadro está com os herdeiros do autor, por exemplo? Depende o escritor da decisão discricionária da família para ter acesso à obra?”. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Cit.; p. 174.
  53. Bruno LEWICKI critica fortemente a divisão tripartida da matéria na LDA, ao afirmar que “[m]anter a divisão do tema em três artigos, por exemplo, não traduz nenhum fundamento racional; mais lógico seria se vários fossem os artigos, cada um descrevendo determinada situação (como no Projeto Barbosa-Chaves), principalmente se eles fossem encimados pelos princípios ou postulados que, comuns a todas as limitações, regessem a matéria – e neste ponto é inevitável pensar nos dois últimos ‘passos’ do teste de Berna, além da função social do direito de autor, por exemplo. No limite, que as limitações fossem comprimidas em um extenso dispositivo; a divisão tripartida, contudo, não atende a nenhum critério racional, perfazendo técnica legislativa ruim”. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Cit.; p. 110.
  54. Art. 47: São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
  55. A LDA prevê, em seu art. 48, que “as obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais”. No entanto, a lei não esclarece se tais usos podem ter fim comercial, o que vem acarretando algumas discussões recentes. Depois de, em 2004, a família de Paul Landowski, autor do Cristo Redentor, ter questionado o uso do Cristo por conta de a obra ainda estar protegida, o mesmo monumento voltou a ser alvo de controvérsia em razão de seu uso. Em 2010, a Arquidiocese do Rio de Janeiro decidiu cobrar da Columbia Pictures indenizaçõa pela “destruição” computadorizada a que o Cristo Redentor foi submetido no filme “2012”. De acordo com matéria publicada em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u698222.shtml (acesso em 06 de setembro de 2010), a Arquidiocese não cobraria pelo uso iconográfico do monumento, mas teria um suposto poder de veto. A LDA parece ser clara em permitir a representação audiovisual de obras situadas permanentemente em logradouros públicos, de modo que esse alegado poder de veto não nos parece legítimo. A respeito da titularidade de direitos autorais sobre o Cristo Redentor, texto com vasta referência histórica é “O Direito Autoral sobre o Cristo Redentor”, de autoria de Gabriel F. Leonardos e Aline Ferreira de C. da Silva, publicado na Revista da ABPI, n. 106, pp. 53 e ss. Um caso semelhante foi levado à apreciação do poder judiciário francês. Em 1999, a Corte de Cassação da França decidiu que as Edições Dubray deveriam indenizar a proprietária do Café Gondrée por terem colocado à venda cartões postais com foto da fachada do referido café, sem que houvesse sido solicitada autorização de sua proprietária. Ocorre que as fotos foram produzidas a partir de local público, sem que qualquer invasão ao imóvel propriamente dito tivesse sido perpetrada. A decisão foi bastante criticada – e com razão. Afinal, atribuir ao proprietário do imóvel direito de impedir sua reprodução fotográfica equivale a lhe conferir, por modalidade não prevista em lei, status idêntico ao do autor, com uma agravante: o proprietário poderia se valer de tal direito perpetuamente, enquanto o autor o teria limitado no tempo. Em segundo lugar, parece tratar de maneira perigosamente diferente as obras que se confundem com seu próprio suporte físico (pinturas, esculturas, construções públicas) e as demais (textos, fotografias, música e obras audiovisuais). Finalmente, diminui injustificadamente a abrangência do domínio público. Conforme disponível em http://www.aacc.fr/pages/page.php?page=21 e http://www.courdecassation.fr/publications_cour_26/rapport_annuel_36/rapport_2004_173/troisieme_partie_jurisprudence_cour_180/activites_economiques_commerciales_financieres_196/droit_propriete_6532.html. Acesso em 28 de agosto de 2010. Finalmente, de acordo com matéria publicada no blog do Los Angeles Times (http://latimesblogs.latimes.com/babylonbeyond/2008/02/egypt-copyright.html; acesso em 06 de setembro de 2010), o governo egípcio estaria tentando estender a proteção autoral às famosas pirâmides, de modo a poder cobrar por sua representação. Publicada em 2008, a intenção do governo parece não ter tido outro desdobramento.
  56. Já tivemos a oportunidade de nos manifestarmos acerca do assunto: BRANCO, Sérgio. A produção audiovisual sob a incerteza da lei de direitos autorais. LEMOS, Ronaldo; SOUZA, Carlos Affonso Pereira de e MACIEL, Marília (orgs). Três Dimensões do Cinema – Economia, Direitos Autorais e Tecnologia. Rio de Janeiro: ed. FGV, 2010; pp. 81 e ss. Disponível em http://virtualbib.fgv.br/dspace/handle/10438/6991.
  57. Nesse sentido, ver o “Manifesto do Domínio Público”, elaborado no contexto das atividades do COMMUNIA, rede temática da União Europeia sobre Domínio Público. Afirma o texto que “O domínio público é a regra; a proteção dos direitos autorais é a exceção. Na medida em que a proteção de direitos autorais é concedida apenas a formas originais de expressão, a grande maioria dos dados, informações e ideias produzidas no mundo, em certo momento, pertence ao domínio público. Além das informações que não são passíveis de proteção, o domínio público é ampliado a cada ano por obras cujo prazo de proteção expira. A aplicação combinada dos requisitos de proteção e de uma duração limitada para a proteção de direitos autorais contribui para o enriquecimento do domínio público, garantindo maior acesso à nossa cultura e conhecimento compartilhados” (grifos no original). Disponível em http://direitorio.fgv.br/node/793. Acesso em 02 de abril de 2010.
  58. A Portaria 013 do Ministério da Educação, de 15 de fevereiro de 2006, prevê a obrigação de se disponibilizar, em meio eletrônico, versão de dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação do Brasil, a partir de março de 2006. Essa determinação acaba consistindo em limitação ao direito de autor, inclusive de natureza moral – já que o art. 24, III, da LDA, garante ao autor o direito de conservar sua obra inédita. Somos, entretanto, favoráveis a tal medida. Afinal, se não há direitos absolutos, é natural que o direito autoral ceda, em determinados casos, diante do acesso ao conhecimento. Ambos são direitos garantidos constitucionalmente e deve haver, entre eles, ponderação. Parece-nos legítimo exigir dos programas de pós-graduação reconhecidos que tornem disponíveis as dissertações e teses de seu corpo discente. Naturalmente, o que se assegura é apenas a possibilidade de acesso e cópia privada. O website da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, inclusive, aponta a seguinte ressalva no momento de se proceder ao download de trabalhos de conclusão de mestrado ou doutorado: “[e]sta dissertação/tese destina-se para uso pessoal e científico. O autor é o titular dos direitos autorais deste documento. Fica proibido o seu uso para quaisquer outros fins, inclusive comerciais, sem a autorização prévia do autor”. Outro exemplo que pode ser apontado encontra-se na Medida Provisória 2.228-1, de 06 de setembro de 2001, que criou a Agência Nacional de Cinema (ANCINE). Em seu art. 27, encontra-se estabelecido que “[a]s obras cinematográficas e videofonográficas produzidas com recursos públicos ou renúncia fiscal, após decorridos dez anos de sua primeira exibição comercial, poderão ser exibidas em canais educativos mantidos com recursos públicos nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e nos canais referidos nas alíneas “b” a “g” do inciso I do art. 23 da Lei no 8.977, de 6 de janeiro de 1995, e em estabelecimentos públicos de ensino, na forma definida em regulamento, respeitados os contratos existentes”. Embora tais obras evidentemente não entrem em domínio público passados dez anos de sua primeira exibição comercial, prevê a MP 2.228-1 um mecanismo de limitação aos direitos autorais não oriundo da LDA.
  59. Art. 42. Quando a obra literária, artística ou científica realizada em coautoria for indivisível, o prazo previsto no artigo anterior será contado da morte do último dos coautores sobreviventes. Parágrafo único. Acrescer-se-ão aos dos sobreviventes os direitos do coautor que falecer sem sucessores."
  60. Art. 43. Será de setenta anos o prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre as obras anônimas ou pseudônimas, contado de 1° de janeiro do ano imediatamente posterior ao da primeira publicação. Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto no art. 41 e seu parágrafo único, sempre que o autor se der a conhecer antes do termo do prazo previsto no caput deste artigo.
  61. Art. 44. O prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais e fotográficas será de setenta anos, a contar de 1° de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação.
  62. É o que prevê o art. 14 da LDA: é titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua.
  63. É a leitura, contrario sensu, do art. 33 da LDA: ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor. Parágrafo único. Os comentários ou anotações poderão ser publicados separadamente.
  64. Previsão do art. 24 (que versa sobre os direitos morais do autor), § 2º: compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.
  65. Determinação expressa do art. 112 da LDA: se uma obra, em consequência de ter expirado o prazo de proteção que lhe era anteriormente reconhecido pelo § 2º do art. 42 da Lei nº. 5.988, de 14 de dezembro de 1973, caiu no domínio público, não terá o prazo de proteção dos direitos patrimoniais ampliado por força do art. 41 desta Lei.
  66. Carlos Rogel Vide apresenta contra-argumentos em defesa de uma possível perpetuidade da propriedade intelectual. VIDE, Carlos Rogel. Modo de Apéndice: Argumentos a Favor de la Perpetuidad de la Propriedad Intelectual . La Duración de la Propriedad Intelectual y las Obras en Domínio Público. Coord,: Carlos Rogel Vide. Madri: Réus, 2005; p. 325 e ss. Outro argumento, historicamente considerado, é que apenas o monopólio legal poderia garantir a boa qualidade das edições das obras. CHOISY, Stéphanie. Cit.; p. 8.
  67. BARROSO, Luís Roberto. A Constitucionalização do Direito e o Direito Civil. Direito Civil Contemporâneo – Novos Problemas à Luz da Legalidade Constitucional. São Paulo: ed. Atlas, 2008; p. 243. O autor está se referindo a países de constitucionalização recente, onde doutrina e jurisprudência se encontram em fase de elaboração e amadurecimento. Mas em tudo suas palavras se ajustam à concepção do domínio público no cenário internacional.