O Selvagem/Exercicios/XXIII
XXIII
Truducção do Padre Nosso
Não me parece que se devão traduzir os textos christãos litteralmente; e sim que se os deva accommodar á simplicidade, á infancia por assim dizer, de uma civilisação que apenas começava. Conservar o sentido fielmente, e traduzil-o de modo que o selvagem entenda esse pensamento é tudo quanto se deve fazer.
A traducção dada pelos jesuitas no cathecismo que acompanha a chrestomatia do Dr. França é a seguinte, salvos os numerosos erros de impressão que eu aqui corrijo:
«Orẹ rub i̙bakẹ́pe tecoára; imoetẹ́ pi̙ram ndẹ́ cẹ́ra toikọ́; tour ndẹ́ Reino; ndẹ́ remimotára i̙bi̙pe i̙bákẹpe onhemunhãnga iabé; orẹ́ rebiú ára iabiondo ára eimeẹ́ng corí orẹ́be; ndẹ́ nhirọ́n orẹ́ angaipába rẹcẹ́; orẹ́ recomemoaçára çupé, orẹ́ nhirọ́n iabé. Orẹ́ moarocára i̙mé tentatação pupé. Orẹ́ pi̙ci̙rom iepé mbae ai̙ba çuí. Amen Jesus.»
Não me parece que esta traducção dicesse ao indio o pensamento do padre nosso de modo que elle o pudesse rasoavelmente entender. Mesmo debaixo do ponto de vista linguistico ella tem diversas faltas. Na primeira oração as expressões: i̙kákepe tecoára para significar morador do céu, devia ser: i̙bakeuára; não podia ter nem a posposicão pé, nem ter o tecó que fica ahi sem sentido; além disso, a expressão não seria apropriada, por que uára indica uma residencia de onde se tire o sustento, por que a raiz attributiva é — ú — que significa ingerir no estomago. A expressão que estaes no céu, deve ser traduzida litteralmente assim: ikọ́ uahá i̙báke pé, no tupí da costa, e no do Amazonas, como adiante diremos. Na segunda oração: imoeté pi̙ram ndẹ cẹ́ra toikó, encontro duas faltas: em tupí não é possivel usar dos verbos pessoaes sem os prefixos pronominaes, porque não terão sentido algum para os indigenas, pela mesma rasão por que não terião sentido para nós os verbos, se nós usassemos só das raizes sem as terminações, pois já vimos que taes prefixos desempenhão n’esta lingua o papel das nossas terminações; é isto o que se encontra actualmente na lingua segundo o mostramos nas licções que precedem; o mesmo devia ser na lingua da costa, e é o que nos diz o padre Montoya sobre o guarani; sendo o verbo moeté pessoal, devia estar na terceira pessoa e na forma passiva isto é: oiemueté; se o verbo se acha ahi, como parece, empregado na forma do supino passivo então a traducção seria: teo nome para ser santificado, o que não dá cousa intelligivel. A segunda falta é: ndẹ́ cẹ́ra, em lugar de: ndẹ́ rẹ́ra, por que cẹ́ra só significa nome quando se refere a 3ª pessoa Ha outras cousas que me não parecem certas e que provém do prejuiso em que estavão os antigos de que todas as grammaticas devião ser moldadas pela latina; em nada interessaria ao leitor apontar esses erros.
Na lingua do Amazonas a traducção que daria ao selvagem o pensamento da oração dominical seria a seguinte:
Padre nosso
Pai nosso que estais no céu; Santificado seja o teu nome; Dai-nos o céo onde estás. A tua vontade seja feita no céo e tambem na terra; Dai-nos hoje o nosso sustento de cada dia; |
Nhané ruba
Nhanẹ́ rúba oikọ́ uahá i̙uáka opé; Ne rẹ́ra oiúmuité toikọ́; Remehe ianẹ́ arãma i̙uáka, mamé rẹikọ́; Nẹ́ remimutára toiumunhã i̙uákapé, iui̙re i̙ui̙pe; Remehẽ oiií ianẹ́ arãma, ianẹ́ rẹmiú ára iepé iepé çuiuára; |
Dae teu perdão ás nossas culpas, assim como daremos áquelles que forem culpados para comnosco; Não deixeis, Senhor, que façamos más obras. Livrai-nos de tudo quanto fôr mal. Amen Jesus. |
Remehẽ nẹ irọ́n ianẹ́ angaipáua rẹcẹ́, maíiaué ia mehẽ curi ianẹ́ irọ́n aitá cupé intí omunhãna catú uahá ianẹ́ arãma; Intí rẹxári, ianẹ́ Iára iamunhã puxí mahā itá. Rẹpi̙ci̙rú ianẹ́ opaĩ mahã ai̙ua çuí. Amen Jesus. |