O Selvagem/Lendas/I
momẹucáua | cọọitá | rẹcẹ́uara |
mythologia | zoologica |
Dr. Couto de Magalhães oçãnhạ́na quahá momẹuçáua itá, Brazil mọrọri̙ma opaĩ rupí, omuapi̙ca ãna papẹ́ra upé maiaué ahé océnõ Tapi̙aitá omomẹú.
O Dr. Couto de Magalhães colligio estas lendas pelos sertões do Brazil, e reduzio-as a escripto na mesma fórma pela qual ouvio os tapuios narral-as.
I
MAI | PITUNA | OIUQUAU | ÃNA |
Como | a noite | appareceu |
O principio
durante
não havia
noite;
dia
somente
todo
tempo
em.
A noite
adormecida
está
da agua
no fundo.
Não havia
animaes;
todas
as cousas
fallavam.
Da Cobra Grande
a filha,
contam,
casara-se
um
joven
com.
Este
joven
tinha
tres
vassallos
fieis.
Um
dia
em
chamou
os tres
vassallos
disse-lhes:
— Ide
passear;
minha mulher
não
dormir
quer
eu
com.
Os vassallos
foram-se.
Então
elle
chamou
sua mulher
dormir
para
elle
com.
Sua mulher
respondeu:
— Ainda não è
noite.
Não ha
noite;
dia ha
somente.
Meu
pai
tem
noite.
Dormir
queres
se
eu
com
tu mandes
buscar
ella,
rio
pelo.
Elle
chamou
os tres
vassallos;
sua mulher
mandou-os
de seu
pai
casa
á
irem
buscar
para
um
de tucumã
caroço.
Elles
chegaram
quando
da Cobra Grande
casa
em,
esta
deu
lhes
um
de tucumã
caroço,
fechado
perfeitamente,
e disse:
— Aqui está;
levai;
eia
não o
abrais!
Abrirdes
se o,
vos perdereis.
Os vassallos
foram-se,
ouviram
barulho
de tucumã
do caroço
dentro:
ten, ten, ten; ten, ten, ten.
Dos grilos era,
o barulho
e dos sapinhos
com elles,
cantam
os quaes
noite
durante.
Vassallos
estavam
quando
já
longe
um
delles
disse
seus companheiros
aos:
— O que é
este
barulho?
Vamos
vêr?
O piloto
disse:
— Não;
do contrario
nos perderemos.
Remai,
vamos
embora.
Elles
se foram.
Elles
ouvindo
estavam
o barulho;
não
sabiam
o que era
aquelle
barulho
que.
Elles
estavam
longe
muitissimo
já
quando
elles
ajuntaram-se
da canôa
meio
em
abrir
para
do tucumã
o caroço,
vêr
para
o que
estava
delle
dentro.
Um
acendeu
fogo;
elles
derreteram
o breu
fechando
estava
que
de tucumã
do caroço
a porta.
Elles
abriram
quando,
repentinamente
noite
densa
já!
Então
o piloto
disse:
— Nos perdemos!...
A moça,
sua casa
em,
sabe
já
que nós
abrimos
este
de tucumã
caroço.
Elles
seguiram viagem
A moça,
sua casa
em,
dise
seu
marido
a:
— Elles
soltaram
a noite.
Agora
vamos
esperar
a manhã.
Então
todas
as cousas
espalhadas
estavam
que
bosque
pelo
metamorphosearam-se
animaes
em,
passaros
em.
Todos
as cousas,
espalhadas
estavam
rio
pelo,
metamorphosearam-se
patos
em,
peixes
em;
o paneiro
virou-se
onça
em.
O pescador
virou-se,
sua
canôa
com,
pato
em;
sua
cabeca
de pato cabeça
em;
seu
remo
virou
de pato
pernas
em;
a canôa
pato
corpo
em.
de Cobra Grande
a filha
vio
quando
a estrella Venus,
disse
seu
marido
à:
— Manhã
vindo
está;
eu
vou
dividir
dia
noite
da.
Então
ella
enrolou
fio
e disse:
— Tu
cujubim
seras,
cantar
para
manhã
vier
quando.
assim
fez
o cujubim,
branquejou
delle
a cabeça
tabatinga
com,
avermelhou
suas pernas
urucu
com,
disse
elle a:
— Cantarás
para
todo
sempre,
manhã
vier
quando.
Depois
ella
enrolou
fio,
disse:
— Tu
inanbú
serás.
Tomou
cinza
pôz
sobre elle,
disse
a ele:
— Tu
inambú
serás,
cantar
para
tarde
em,
de noite
em,
meia noite
em,
noite
alta
em,
madrugada
De então para cà
os passaros
cantaram
tempos
proprios
em,
manhã
vem
quando,
alegrar
para
o dia.
Tres
vassallos
chegaram
quando
o moço
disse
eles
a:
— Vós
não
fostes fieis!
Vós
soltastes
a noite!
Vós
fizestes
todas
as cousas
perderem-se;
por isso
virareis
macaquinhos
em
para
todo sempre;
andareis
das arvores
galhos
sobre
atrepados.
Traducção portugueza da lenda antecedente.[5]
No principio não havia noite — dia sómente havia em todo tempo. A noite estava adormecida no fundo das aguas. Não havia animaes; todas as cousas fallavam.
A filha da Cobra Grande, contam, casara-se com um moço.
Este moço tinha tres famulos fieis. Um dia elle chamou os tres famulos e lhes disse: — ide passear por que minha mulher não quer dormir comigo.
Os famulos foram-se, e então elle chamou sua mulher para dormir com elle. A filha da Cobra Grande respondeu-lhe:
— Ainda não é noite.
O moço disse-lhe: — Não ha noite; somente ha dia.
A moça fallou: — Meu pai tem noite. Se queres dormir comigo manda buscal-a lá, pelo grande rio.
O moço chamou os tres famulos; a moça mandou-os a casa de seu pai para trazerem um caroço de tucumã.
Os famulos foram, chegaram em casa da Cobra Grande, esta lhes entregou um caroço de tucumã muito bem fechado, e disse-lhes: — Aqui está; levai-o.
Eia! não o abraes, senão todas as cousas se perderão.
Os famulos foram-se, e estavam ouvindo barulho dentro do coco de tucuman, assim: tem, ten, ten...(texto ilegível)...[6] era o barulho dos grillos e dos sapinhos que cantam de noite.
Quando já estavam longe, um dos famulos disse a seus companheiros: — Vamos ver que barulho será este?
O piloto disse: — Não do contrario nos perderemos. Vamos embora, eia, rema!
Elles foram-se e continuaram a ouvir aquelle barulho dentro do coco de tucuma, e não sabiam que barulho era.
Quando já estavam muito longe, ajuntaram-se no meio da canôa, acenderam fogo, derreteram o breu que fechava o coco e o abriram. De repente tudo escureceu.
O piloto então disse: — Nós estamos perdidos; e a moça, em sua casa, já sabe que nós abrimos o coco de, tucuman! Elles seguiram viagem.
A moça, em sua casa, disse então a seu marido: — Elles soltaram a noite; vamos esperar a manhã.
Então todas as cousas que estavam espalhadas pelo bosque se transformaram em animaes e em passaros.
As cousas que estavam espalhadas pelo rio se transformaram em patos, e em peixes. Do paneiro gerou-se a onça; o pescador e sua canôa se transformarão em pato; de sua cabeça nascerão a cabeça e bico do pato; da canôa o corpo do pato; dos remos as pernas do pato.
A filha da Cobra Grande, quando vio a estrella d’alva, disse a seu marido:
— A madrugada vem rompendo. Vou dividir o dia da noite.
Então ella enrolou um fio, e disse-lhe: — Tú serás cujubin.» Assim ella fez o cujubim; pintou a cabeça do cujubin de branco, com tabatinga; pintou-lhe as pernas de vermelho com urucú, e então disse-lhe: — Cantarás para todo sempre quando a manhã vier raiando.
Ella enrolou o fio, sacudio cinza em riba delle, e disse: tú seras inambú, para cantar nos diversos tempos da noite, e de madrugada.
De então para cá todos os passaros cantaram em seus tempos, e de madrugada para alegrar o principio do dia.
Quando os tres famulos chegaram o moço disse-lhes: — Não fostes fiéis — abriram o caroço de tucumã, soltaram a noite e todas as cousas se perderam, e vos tambem que vos metamorphoseastes em macacos, andareis para todo sempre pelos galhos dos páos.
(A bocca preta, e a risca amarella que elles têm no braço dizem que é ainda o signal do breu que fechava o caroço de tucumã que escorreu sobre elles quando o derreteram.)
- ↑ O tucumã é uma linda palmeira espinhosa que cresce nos valles do Amazonas e Prata. Seu côco, de um vermelho côr de laranja brilhantissimo, serve de alimento aos selvagens, que com a sua pôlpa preparam um succulento mingão, de sabor agradavel, mas indigesto.
- ↑ Uma especie de jacú, de cabeça branca, pernas vermelhas, que canta de madrugada, conhecido na sciencia sob o nome de: penelope cumanensis.
- ↑ Pezus Niambu (Spix), uma especie de perdiz dos bosques do Brazil, que canta a horas certas da noite.
- ↑ Dissemos na pag. 78 a que horas correspondem cada um destes nomes.
- ↑ Não é minha intenção dar em geral outra traducção além da litteral que já ficou atraz, porque o principal objecto deste livro é o estudo da lingua e não o das lendas. Comtudo, n’uma ou n’outra em que as transposições forem muito numerosas eu seguirei a traducção litteral de uma traducção portugueza, como faço aqui.
- ↑ Quando os selvagens narram esta parte imitam zumbido dos insectos que cantam á noite.