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O Selvagem/Parte synthetica/I

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Curso de lingua Tupí viva ou Nheengatú

Parte synthetica ou resumo das regras da grammatica
§1.º do modo de ler

1.º Nas linguas não escriptas é mais essencial ler bem do que nas linguas escriptas; pouco importa, por exemplo, que portuguezes do povo leiam o b com o som de v, porque d’ahi não resulta desintelligencia do vacabulo, cujo som assim alteram; a orthographia, de a muito fixada, não permitte na escripta a mesma liberdade que existe na pronuncia.

Para ler bem uma lingua é necessario: 1.º que as letras tenham sons bem determinados; 2.º que o accento da palavra seja conhecido. Quanto aos sons das letras, nós adoptamos o alphabeto phonetico de Magnus Lepsius com os valores que abaixo indicamos, do n. 2 ao n. 11; quanto ao accento da palavra nós o indicaremos sempre com um circumflexo na syllaba tonica.

2.º Os sons que nós exprimimos pelo r duro, j, 1, v, z, não existem n’esta lingua. O r é sempre brando, quer no principio quer no meio das palavras; assim, a syllaba re, que é o signal de 2.ª pessoa nos verbos, pronuncia-se branda, como na palavra portugueza querer. Usamos de —ç—, com som de —s—, antes de a o u.

3.º A E O tem tres sons: aberto, fechado, nasal. A — aberto tahá; fechado mạrạma; ã nasal mahā.

Quando estas vogaes forem escriptas sem signal algum no fim das palavras, se entenda que são quasi mudas; quando fechadas levarão um ponto em baixo, assim: ạ, ẹ, ọ. U — tem o mesmo som que em portuguez e allemão, e corresponde ao ou francez e aos dous oo inglez.

O ã, ẽ, ĩ, õ, ũ nasaes, representamos com um til, e lêem-se como em portuguez am, em, im, om, um.

3.º Ha um som gutural de difficil representação, porque não existe semelhante em nenhuma das linguas europeas, e é o que representaremos pelo i̙ tartarico e chinez. Para pronuncial-o abra-se a boca, encolha-se a lingua, contraiham-se os labios, e pronuncie-se o i na garganta, e será o som. Este som é o que os grainmaticos jesuitas representavam pelo y, ou i grosso.

4.º Nesta lingua as letras iniciaes das palavras mudam algumas vezes, conforme a palavra é absoluta ou não, segundo regras que ensinaremos na pratica. O s, mesmo entre duas vogaes, nunca tem o som de z.

5.º Quando o nome parece terminar em consoante, essa consoante é sempre seguida de um a, e, i, o breves; a palavra — casar — alguns escrevem menar; eu, porém, escrevo menára, porque é assim que elles pronunciam, em bora o ultimo a seja quasi imperceptivel.

6.º O h é levemente aspirado; assim, escrevemos a palavra tahá com h na ultima syllaba, para indicar que ella é levemente aspirada.

7.º Empregamos o x com o som de ch em portuguez, francez e inglez, como na palavra chapeo, ou com o som do sch em allemão.

8.º Casos ha, e mui frequentes, em que concorrem duas syllabas só de vogaes, e como nesse caso a pronuncia seria incerta para quem lesse sem mestre, tomamos o expediente de accentuar cada uma dessas syllabas; assim: iúúca, que significa tirar, compõe-se de tres syllabas iu, u, ca, e, para evitar outra confusão que poderia resultar do accento, fique entendido que o ultimo é o tonico da palavra; uáimĩ significa velha; compõe-se de duas syllabas, uái e . Empregamos tambem dous accentos circumflexos sempre que a palavra fôr composta de duas outras que separadas tenham significação; assim: catúreté, muito bom, de catú e eté.

9.º Um som nasal é sempre longo; um nasal no fim da palavra indica que nelle está o accento da palavra. Os accentos nesta lingua muito importam, assim como o facto de ser aberta, fechada ou nasal a letra, porque cada uma dessas circumstancias póde alterar o sentido do vocabulo; assim: túpa significa rede de dormir, tupá raio e tupã significa Deos; túpa-xãma, corda de rede, tupã-xãma, corda sagrada; púa, cousa redonda; puá, levantar, empinar, e d’ahi itá-púa prego, itá-puá, pedra levantada, em pê, etc.

10. A proposito dos sons nasaes repetiremos a regra dos padres José de Anchieta e Montoya, que é: o som nasal antecedente nasalisa o consequente e vice-versa; assim, a palavra nheengatú, que significa lingua boa, compõe-se de nhee e catú; o è da primeira nasalisou o ca da segunda e converteu-o em engá.

Nos casos em que uma palavra começar por uma consoante nasal precederemos a tal consoante de um m; assim, mbaé, leia-se quasi como umbaé, sem ferir muito o primeiro u.

11. Quando escrevermos qua, qui, o u é liquido; quando o não fôr escreveremos ou kua, kui, ou cua, cui, e devem-se lêr separadamente duas syllabas.