O Subterrâneo do Morro do Castelo/Domingo, 7 de maio de 1905

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Os Subterrâneos do Rio de Janeiro[editar]

Os Tesouros dos Jesuítas[editar]

O Sr. Frontin é o Marquês de Pombal na segunda encarnação!

Esta frase, dita num tom firme e catedrático, na meia-luz de uma sala francamente iluminada, deu-nos calafrios à alma, já, de resto, habituada às surpreendentes coisas de que tem sido pródigo este encantado morro do Castelo.

Mas o Sr. Coelho explica-nos em poucas palavras o motivo do seu acerto.

Ouçamo-lo:

Quando, há anos passados, ocupava a diretoria da Estrada de Ferro Central, o atual construtor da Avenida sentiu-se seriamente impressionado com os desastres consecutivos que ali tinham lugar; abatia-o uma neurastenia profunda, quiçá uma íntima desconfiança das suas habilitações técnicas.

— Que diabo! Eu emprego todos os meios, dou todas as providências para evitar desastres e sempre esta danada cábula, exclamava S. Exa., amarrotando a barba ruiva.

Mas os desastres continuavam e o povo insistia em chamar a Central, pelas iniciais: Estrada de Ferro Caveira de Burro.

Certa vez, lamentava-se o Sr. Frontin, numa roda de amigos, da jettatura que o perseguia, quando um dos circunstantes, notável engenheiro, sugeriu-lhe uma idéia.

Seu Frotin, eu lhe darei a explicação de tudo: venha comigo a uma sessão... O Sr. Frotin sorriu, incrédulo.

Mas o amigo insistiu; que não fazia mal experimentar, era sempre uma tentativa, que diabo!

Enfim, o ilustre engenheiro decidiu-se; foram combinados dia e hora e a sessão realizou-se em uma casa da Rua D. Polixena, em Botafogo.

O medium, um conhecido jornalista vidente, de óculos e barbas negras, invocou o espírito do Visconde de Mauá, fundador das estradas de ferro no Brasil, e este, apresentando-se, teve esta frase:

— Que queres tu, Pombal?

O Sr. Frontin ficou surpreso e começou a empalidecer.

Em torno, os circunstantes não dissimulavam o espanto.

— Pombal? Por que Pombal?

Nova invocação foi feita; e o espírito, já desta vez irritado, escreveu pela mão do medium:

— Ora, Pombal, não me amole!

Era baldado insistir; ou o espírito estava enganado ou era algum brejeiro (que lá por cima também os há) que queria fazer espírito.

Pelo sim pelo não, foi chamado D. José I para deslindar aquele embrulho.

O mofino monarca apresentou-se sem demora, tratando o Sr. Frotin pelo nome de seu dominador ministro.

O medium pediu-lhe explicações; e D. José, sem se fazer rogado, declarou que efetivamente o Conde de Oeiras encarnara no diretor da Central e que estava na terra a expiar as passadas culpas; que os desastres o haviam de perseguir por toda a vida e que assim como Sebastião José reconstruíra Lisboa, assim também André Gustavo seria o encarregado de reconstruir o Rio de Janeiro.

A propósito do subterrâneo do Castelo nada disse o espírito; mas fácil é concluir que, tendo sido Pombal o predestinado a tornar efetiva a expulsão dos jesuítas e a confiscar-lhes os bens, era justíssimo que, na segunda encarnação, reparasse o mal, descobrindo os seus tesouros ocultos e distribuindo-os com os pobres.

Era esmagadora a conclusão; realmente a carta régia de 4 de novembro de 1759 não podia ficar sem conseqüência nos fastos da Humanidade.

E há de ter lá pelo Castelo mais pessoal daquela época; concluiu o Sr. Coelho.

— Quem nos poderá garantir que o engenheiro Pedro Dutra não é o Conde de Bobadella?

Os fatos no-lo dirão.



Continuaremos amanhã a narrativa da nossa entrevista com o Sr. Coelho e dos extraordinários casos que se contêm nos seus velhíssimos papéis.

Por hoje, informemos aos leitores do estado da galeria atualmente explorada.

Tem ela, como é sabido, dois lances que se encontram em ângulo obtuso e está iluminada a luz elétrica, o que lhe dá uma tenue mais com o século.

O segundo trecho esbarra num poço cheio d’água até a borda; é quase certo que este poço não é mais que a descida para outra galeria de nível mais baixo, coisa fácil de concluir pelo seguinte fato:

Nas paredes do subterrâneo vêem-se, de espaço a espaço, provavelmente destinados a colocação de lâmpadas no tempo em que foi este construído e de certo ponto em diante estes nichos vão descendo, acompanhando sempre o declive da galeria, de modo que o último avistado está à flor d’água do poço que o delimita.

O Dr. Dutra vai tratar de dessecá-lo e então ficará este ponto esclarecido.

Ontem, às 2 horas da tarde, foram as galerias visitadas pelos srs. intendentes municipais que lá se demoraram cerca de duas horas, recebendo do Dr. Dutra de Carvalho todas as explicações.

Os dignos edis mostraram-se entusiasmadíssimos com os trabalhos de engenharia tão bem executados pelos jesuítas.

A galeria, franqueada ao público, tem sido extraordinariamente concorrida, entre os comentários mais estranhos e cômicos dos viajantes; sobem a três mil o número de curiosos que ontem lá estiveram.