O Subterrâneo do Morro do Castelo/Sábado, 29 de abril de 1905

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O Subterrâneo do Morro do Castelo[editar]

Visita à Galeria[editar]

Uma hora da tarde; o sol causticante ao alto e uma poeirada quente e sufocante na Avenida em construção; operários cantam e voz dolente, enquanto os músculos fortes puxam cabos, vibram picaretas, revolvem a areia e a cal das argamassas.

O trajeto pela Avenida, sob a canícula medonha, assusta-nos; um amigo penalizado, resolve-se a servir-nos de Cirineu e lá vamos os dois, satirizando os homens e as coisas, pelo caminho que conduz ao tesouro dos jesuítas ou à blage da lenda.

Estacamos para indagar de um grupo de trabalhadores onde podíamos encontrar o Dr. Dutra.

— Patrão, não sabemos; nós trabalhamos no theatro.

Não eram atores, está visto; simples operários, colaboradores anônimos nas glórias futuras da ribalta municipal.

Mais alguns passos e aos nossos surge a mole argilosa do Castelo: um grande talho no ventre arroxeado da montanha nos faz adivinhar a entrada do famoso subterrâneo.

Limitando uma larga extensão, há, em torno ao local de tantas esperanças, uma cerca de arame, barreira à curiosidade pública que ameaçava atrapalhar a marcha dos trabalhos.

O Dr. Pedro Dutra, enlameado e suarento, discreteava num pequeno grupo.

Ao aproximarmo-nos, o novel engenheiro, amável, nos indicou com um sorriso a passagem para o local vedado ao público.

— Então, já foram descobertos os apóstolos?
— Que apóstolos?
— Os de ouro, com olhos de esmeralda?

— Por ora não, respondeu-nos risonho o engenheiro e, solícito, acompanhou-nos à porta da galeria.

Esta é alta, de 1 metro e 90 centímetros, com cerca de 80 centímetros de largura; no interior operários retiravam o barro mole e pegajoso, atolados no lameiro até o meio das canelas. Ao fundo bruxuleava uma luzinha dúbia, posta ali para facilitar a desobstrução do subterrâneo.

Um cenário tétrico de dramalhão.

O Dr. Dutra dá-nos informações sobre os trabalhos.

Por ora, limitam-se estes à limpeza da parte descoberta.

Pela manhã de ontem, ele a percorreu numa extensão de 10 metros; é o primeiro trecho da galeria.

Daí em diante, esta conserva a mesma largura, aumentando a altura que passa a ser de 2 metros e 10 centímetros e dirigindo-se para a esquerda num ângulo de 55 graus, mais ou menos.

O trabalho tem sido muito fatigante; não só pela exigüidade do espaço, como pela existência d’água de infiltração.

Mesmo assim, o Dr. Dutra espera hoje limpar toda a parte explorada, continuando em seguida a exploração no trecho que se dirige para a esquerda.

— Até agora nada se encontrou de interessante, se há tesouro ainda não lhe sentimos o cheiro.

— Mas o que imagina o doutor, sobre o destino desta galeria?

— Não tenho opinião formada; apenas conjecturas... Os jesuítas talvez hajam construído o subterrâneo para refúgio, em caso de perseguição; o Marquês de Pombal era um pouco violento...

Gostamos da benevolência do conceito; um pouco...

E o engenheiro continuou:

— Nota-se que não houve a preocupação de revestir as paredes, o que seria natural fazer, caso se pretendesse ali guardar livros ou objetos de valor... Os construtores da galeria evitaram na sua perfuração o barro vermelho, procurando de preferência o moledo, mais resistente; todo o trabalho parece ter sido feito a ponteiro.

—E sobre a visita do Dr. Bulhões?

—Esteve com efeito aqui, acompanhado pelo Dr. Frontin e penetrou com este até o último ponto acessível da galeria. Mas parece que voltou desanimado...

O nosso companheiro de excursão quis discutir ainda o papel do Marquês de Pombal no movimento político religioso do século XVIII; mas o calor sufocava e nada mais havia de interessante sobre o subterrâneo do Castelo.

Despedimo-nos gratos à amabilidade cativante do Dr. Pedro Dutra, cujo aspecto não era, entretanto, o de quem se julga à porta de um tesouro secular.

Em torno, contida pela cerca de arame, apinhava-se a multidão sonhadora e desocupada...



Ainda a propósito do subterrâneo do Castelo, convém notar que há mais de vinte anos o Barão de Drummond, que depois se tornou dono de uma fama imorredoura pela genial descoberta do jogo do bicho, tentou a exploração do morro do Castelo, com o fim de retirar de lá os tesouros ocultos e promover por este modo o pagamento de dívida pública e... das suas.

Os trabalhos eram feitos com o emprego de minas de dinamite o que provocou protestos dos moradores do morro e conseqüentemente suspensão do perigoso empreendimento.

E ficou tudo em nada.

O Dr. Rocha Leão, que durante longos anos se tem dedicado aos estudos dos subterrâneos do Rio de Janeiro declara-nos existir documentos positivos sobre o local em que se acham tesouros dos jesuítas no Arquivo Público e na Antiga Secretaria de Ultramar, na Ilha das Cobras.