O Subterrâneo do Morro do Castelo/Sexta-feira, 28 de abril de 1905

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O Subterrâneo do Morro do Castelo[editar]

Fabulosas riquezas - Outros Subterrâneos[editar]

Os leitores hão de estar lembrados de que, há tempos, publicamos uma interessante série de artigos da lavra do nosso colaborador Léo Junius, subordinados ao título Os Subterrâneos do Rio de Janeiro.

Neles vinham descritas conscienciosamente e com o carinho que sempre o autor dedicou aos assuntos arqueológicos as galerias subterrâneas, construídas há mais de dois séculos pelos padres jesuítas, com o fim de ocultar as fabulosas riquezas da comunidade, ameaçadas de confisco pelo braço férreo do Marquês de Pombal.

Verdade ou lenda, caso é que este fato nos foi trazido pela tradição oral e com tanto mais viso de exatidão quanto nada de inverossímil nele se continha.

De feito: a ordem fundada por Inácio de Loiola, em 1539, cedo se tornou célebre pelas imensas riquezas que encerravam as suas arcas, a ponto de ir tornando a pouco e pouco uma potência financeira e política na Europa e na América, para onde emigraram em grande parte, fugindo às perseguições que lhe eram movidas na França, na Rússia e mesmo na Espanha, principal baluarte da Companhia.

Em todos estes países os bens da Ordem de Jesus foram confiscados, não sendo pois admirar que, expulsos os discípulos de Loiola, em 1759, de Portugal e seus domínios pelo fogoso ministro de D. José I, procurassem a tempo salvaguardar os seus bens contra a lei de exceção aplicada em outros países, em seu prejuízo.

A hipótese, pois, de existirem no morro do Castelo, sob as fundações do vasto e velho convento dos jesuítas, objetos de alto lavor artístico, em ouro e em prata, além de moedas sem conta e uma grande biblioteca, tomou vulto em breve, provocando o faro arqueológico dos revolvedores de ruinarias e a auri sacra fames de alguns capitalistas, que chegaram mesmo a se organizar em companhia, com o fim de explorar a empoeirada e úmida colchida dos Jesuítas. Isto foi pelos tempos do Encilhamento.

Sucessivas escavações foram levadas a efeito, sem êxito apreciável; um velho, residente em Santa Teresa, prestou-se a servir de guia aos bandeirantes da nova espécie, sem que de todo este insano trabalho rendesse afinal alguma coisa a mais que o pranto que derramaram os capitalistas pelo dinheiro despendido e o eco dos risos casquilhos de mofa, de que foram alvo por longo tempo os novos Robérios Dias.

Estes fatos já estavam quase totalmente esquecidos, quando ontem novamente se voltou a atenção pública para o desgracioso morro condenado a ruir em breve aos golpes da picareta demolidora dos construtores da Avenida.

Anteontem, ao cair da noite, era grande a azáfama naquele trecho das obras.

A turma de trabalhadores, em golpes isócronos brandiam os alviões contra o terreno multissecular, e a cada golpe, um bloco de terra negra se deslocava, indo rolar, desfazendo-se, pelo talude natural do terreno revolvido.

Em certo momento, o trabalhador Nelson, ao descarregar com pulso forte a picareta sobre as últimas pedras de um alicerce, notou com surpresa que o terreno cedia, desobstruindo a entrada de uma vasta galeria.

O Dr. Dutra, engenheiro a cujo cargo se acham os trabalhos naquele local, correu a verificar o que se passava e teve ocasião de observar a seção reta da galeria (cerca de 1,60m de altura por 0,50m de largura).

O trabalho foi suspenso a fim de que se dessem as providências convenientes em tão estranho caso; uma sentinela foi colocada à porta do subterrâneo que guarda uma grande fortuna ou uma enorme e secular pilhéria; e, como era natural, o Sr. Ministro da Fazenda, que já tem habituada a pituitária aos perfumes do dinheiro, lá compareceu, com o Dr. Frontin e outros engenheiros, a fim, talvez, de informar à curiosa comissão se achava aquilo com cheiro de casa-forte... O comparecimento de S. Exa., bem como a conferência que hoje se deve realizar entre o Dr. Frontin e o Dr. Lauro Muller, levam-nos a supor que nas altas camadas se acredita na existência de tesouros dos jesuítas no subterrâneo do morro do Castelo.

Durante toda a tarde de ontem, crescido número de curiosos estacionaram no local onde se havia descoberto a entrada da galeria, numa natural sofreguidão de saber o que de certo existe sobre o caso.

Hoje continuarão os trabalhos, que serão executados por uma turma especial, sob as imediatas vistas do engenheiro da turma.

Que uma fada benfazeja conduza o Dr. Dutra no afanoso mister de descobridor de tesouros, tornando-o em Mascotte da avenida do Dr. Frontin.



A propósito da descoberta deste subterrâneo, temos a acrescentar que, segundo supõe o Dr. Rocha Leão, nesta cidade existem outros subterrâneos do mesmo gênero e de não menos importância.

Assim é que na Chácara da Floresta deve existir um, que termina no local onde foi o Theatro Phenix; um outro que, partindo da praia de Santa Luzia, vai terminar num ângulo da sacristia da Igreja Nova.

Ainda outro, partindo também de Santa Luzia, termina num pátio, em frente à cozinha da Santa Casa de Misericórdia, além de outros ainda, de menor importância.

O Dr. Rocha Leão, que obteve há tempos concessão do governo para exploração dos chamados subterrâneos do Rio de Janeiro, assevera mais, em carta a nós dirigida, que na Travessa do Paço há um armazém em ruínas, em uma de cujas reforçadas paredes está oculta a entrada para uma galeria que vai até os fundos da Catedral; daí se dirige paralelamente à Rua do Carmo até o Beco do Cotovello, onde se bifurca e sobe pela ladeira até à igreja.

Segundo o mesmo arqueólogo, nestes subterrâneos se devem encontrar, além de grandes riquezas, o arquivo da capitania do Rio de Janeiro, a opulenta biblioteca dos padres e os mapas e roteiros das minas do Amazonas...

Pelo que vêem, eis aí farta messe de assunto para os amadores de literatura fantástica e para os megalômanos, candidatos a um aposento na Praia da Saudade.