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O que eu vi, o que nós veremos/Parte I

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Nova York, 15 de Maio de 1918.

Meu caro Sr. Santos-Dumont

O Aero Club da America envia-vos uma mensagem de congratulações pela inauguração do primeiro Serviço Postal Aereo n’este Paiz. Confiamos em que a Linha Postal Aerea inaugurada entre Nova York, Philadelphia e Washington, que vos leva esta mensagem, será o primeiro passo para uma rêde de linhas postaes aereas que cobrirá o mundo e será factor predominante na obra de reconstrucção que se seguirá à Guerra, quando os exercitos alliados houverem alcançado a Victoria Gloriosa e final pela causa da Liberdade Universal.

Ao rapido desenvolvimento da navegação aerea no continente seguir-se-hão, em breve, extensos vôos sobre os mares, e teremos grandes aeroplanos cruzando o Atlantico, os quaes facilitarão não só o estabelecimento da linha postal aerea transatlantica, como a entrega de aeroplanos dos Estados Unidos aos nossos Alliados.

O Aero Club da America, que tem propugnado pelo desenvolvimento da Aeronautica desde os vossos primeiros ensaios, activado e auxiliado por todos os meios a criação do serviço postal aereo desde 1911, sente-se altamente compensado com o estabelecimento desse novo serviço através dos ares.

Alan R. Hawlei (Presidente)

 

Esta carta veio encher de legitima alegria o meu coração que, ha já quatro anos, soffre com as noticias da mortandade terrivel causada, na Europa, pela aeronautica. Nós, os fundadores da locomoção aerea no fim do seculo passado, tinhamos sonhado um futuroso caminho de gloria pacifica para esta filha dos nossos desvelos. Lembro-me perfeitamente que naquelle fim de século e nos primeiros annos do actual, no Aero Club de França que foi, pode-se dizer "O ninho da Aeronautica" e que era o ponto de reunião de todos os inventores que se ocupavam desta sciencia, pouco se falou em Guerra; previamos que os aeronautas poderiam, talvez, no futuro, servir de esclarecedores para os Estados Maiores dos exercitos, nunca, porém, nos veio á ideia que elles pudessem desempenhar funcções destruidoras nos combates. Bastante conheci todos esses sonhadores, centenas dos quais deram a vida pela nossa ideia, para poder agora affirmar que jamais nos passou pela mente, pudessem, no futuro, os nossos sucessores, ser “mandados” a atacar cidades indefezas, cheias de creanças, mulheres e velhos e, o que é mais, atacar Hospitaes onde a abnegação e o humanitarismo dos rivais reune, sob o mesmo teto e o mesmo carinho, os feridos e os moribundos dos dois campos. Pois bem, isso se repete há quatro longos anos : e quem o “manda fazer”? — O Kaiser!

Façamos, pois, votos pela victoria dos alliados; triunfem as ideias do Presidente Wilson e se extinga na terra o militarismo prussiano. Assim como com a Polônia actual a sociedade supprimiu os cidadãos armados, supprima as matanças da guerra o desejado Exercito das Nações.

Confiante nesse futuro, reconfortou-me a mensagem do Presidente do Aero Club da America, em que ouvi falar, de novo, da aeronautica para fins pacificos, realisação de minhas intimas ambições, sonho daquelles inventores que só viram no aeroplano um colaborador na felicidade dos homens.



Creio, deveria ser chamada "E'poca heroica da aeronautica" a que comprehende os fins do seculo passado e os primeiros annos do actual. Nella brilham os mais audaciosos arrojos dos inventores, que quasi se esqueciam da vida, por muito se lembrarem de seu sonho.

Enchem-nos, hoje, do mais justo enthusiasmo os actos de bravura dos aviadores do "front", como nos encherá de orgulho a notícia da travessia do Atlântico, que prevejo proxima.

Essa coragem, porém, que os consagra como heroes, creio, não é maior que a dos inventores, primeiros passaros humanos, que, após heroica pertinacia em estudos de laboratorio, se arrojaram a experimentar machinas frageis, primitivas, perigosas. Foram centenas as victimas dessa audacia nobre, que lutaram com mil dificuldades, sempre recebidos como "malucos", e que não conseguiram ver o triunfo dos seus Sonhos, mas para cuja realisação collaboraram com o seu sacrificio, com a sua vida.

Não fosse a audacia, digna de todas as nossas homenagens, dos Capitaine Ferber, Lilienthal, Pilcher, Barão de Bradsky, Augusto Severo, Sachet, Charles, Morin, Delagrange, irmãos Nieuport, Chavez e tantos outros — verdadeiros martyres da ciência — e hoje não assistiriamos, talvez, a esse progresso maravilhoso da Aeronautica, conseguido, todo inteiro, a custa dessas vidas, de cujo sacrificio ficava sempre uma lição.

Penso, a maior parte dos meus leitores serão jovens nascidos depois d'essa época, que já se vae tanto ensombreando na memoria: supplico-lhes, pois, não se esquecerem d'estes nomes. A elles cabe, em grande parte, o merito do que hoje se faz nos ares...

A principio tinha-se que lutar não só contra os elementos, mas tambem contra os preconceitos: a direcção dos balões e, mais tarde, o vôo mecanico eram problemas "insolúveis".

Eu também tive a honra de trabalhar um pouco, ao lado destes bravos, porém o Todo Poderoso não quiz que o meu nome figurasse junto aos d'eles.

As primeiras lições que recebi de aeronautica foram-me dadas pelo nosso grande visionario: Julio Verne. De 1888, mais ou menos, a 1891, quando parti pela primeira vez para a Europa, li, com grande interesse, todos os livros d'esse grande vidente da locomoção aerea e submarina. Algumas vezes, no verdor dos meus annos, acreditei na possibilidade de realisação do que contava o fertil e genial romancista; momentos após, porém, despertava-se, em mim, o espirito pratico, que via o peso absurdo do motor a vapor, o mais poderoso e leve que eu tinha visto. Naquelle tempo, só conhecia o existente em nossa fazenda, que era de um aspecto e peso phantasticos; assim o eram, tambem, os tractores que meu pae mandara vir da Inglaterra; puchavam duas carroças de café, mas pesavam muitas toneladas... Senti um bafejo de esperança quando meu pae me annunciou que ia construir um caminho de ferro para ligar a Fazenda á estação da Companhia Mogyana; pensei que nessas locomotivas, que deviam ser pequennas, iria encontrar base para a minha machina com que realizar as ficções de Julio Verne. Tal não se deu; ellas eram de aspecto ainda mais pesado. Fiquei, então, certo de que Julio Verne era um grande romancista...

Estava eu em Paris quando, na vespera de partir para o Brasil, fui, com meu pae, visitar uma exposição de machinas no desapparecido "Palacio da Industria". Qual não foi o meu espanto quando vi, pela primeira vez, um motor à petroleo, da força de um cavallo, muito compacto, e leve, em comparação aos que eu conhesia, e... funcionando! Parei diante delle como que pregado pelo Destino. Estava completamente fascinado. Meu pae, distrahido, continuou a andar até que, depois de alguns passos, dando pela minha falta, voltou, perguntou-me o que havia. Contei-lhe a minha admiração de ver funcionar aquelle motor, e elle me respondeu: "por hoje basta". Aproveitando-me dessas palavras, pedi-lhe licença para fazer meus estudos em Paris. Continuamos o passeio, e meu pae, como distrahido, não me respondeu. Nessa mesma noite, no jantar de despedida, reunida a familia, entre nós, dois primos de meu pae, franceses e seus antigos companheiros de escola, pediu-lhes elle que me protegessem, pois pretendia fazer-me voltar a Paris para acabar meus estudos. Nessa mesma noite corri varios livreiros; comprei todos os livros que encontrei sobre balões e viagens aereas.

Diante do motor a petroleo, tinha sentido a possibilidade de tornar reaes as phantasias de Julio Verne.

Ao motor a petroleo devi, mais tarde, todo inteiro, o meu exito.

Tive a felicidade de ser o primeiro a empregal-o nos ares.

Os meus antecessores nunca o usaram. Giffard adoptou o motor a vapor; Tissandier levou consigo um motor electrico. A experiencia demonstrou, mais tarde, que tinham seguido caminho errado.

Uma manhã, em São Paulo, com grande surpreza minha, convidou-me meu pae a ir á cidade e, dirigindo-se a um cartorio de tabellião, mandou lavrar escritura de minha emancipação. Tinha eu dezoito anos. De volta á casa, chamou-me ao escriptorio e disse-me: "Já lhe dei hoje a liberdade; aqui está mais este capital", e entregou-me titulos no valor de muitas centenas de contos. "Tenho ainda alguns annos de vida; quero vèr como você se conduz: vae para Paris, o logar mais perigoso para um rapaz. Vamos ver se você se faz um homem; prefiro que não se faça doutor: em Paris, com o auxilio de nossos primos, você procurará um especialista em Physica, Chimica, Mecanica, Eletricidade, etc., estude essas materias e não se esqueça que o futuro do mundo está na Mecanica. Você não precisa pensar em ganhar a vida; eu lhe deixarei o necessário para viver..."

Chegado a Paris, e com o auxilio dos primos, fui procurar um professor. Não poderia ter sido mais feliz; descobrimos o Sr. Garcia, respeitável preceptor, de origem hespanhola, que sabia tudo. Com elle estudei por muitos annos.

Nos livros que commigo levára para o Brasil, li nomes de varias pessoas que faziam ascensões em balão, por occasião de festas publicas. Eram as únicas que, então, se ocupavam da aeronautica.

Sem nada dizer ao meu professor, nem aos meus primos, procurei no Annuario Bottin os nomes desses senhores, desejoso de fazer uma ascensão. Alguns já não se occupavam mais do assunto, outros me apavoraram com os perigos de subir e com o exagero dos preços. Um, porém, houve que, após me informar de todos os meios, pediu-me mais de mil francos para levar-me comsigo, devendo eu pagar, ainda, todos os estragos que fossem causados pelo balão na sua volta á terra.

Era ameaçadora a condição, pois esse senhor já uma vez tinha derrubado a chaminé de uma usina, outra vez, descera sobre a casa de um camponez e, incendiando-se o gaz do balão, em contato com a chamine, pusera fogo á casa...

Vieram-me á memória os conselhos de meu pae e os seus graves exemplos de sobriedade e economia. Ia eu gastar em algumas horas quasi que a renda de um mez inteiro e, muito provavelmente, a renda de todo o anno!

Desanimei de fazer uma ascensão. Era muito complicado...

Durante vários annos, estudei e viajei.

Segui com interesse, nos jornais illustrados, a expedição de André ao Polo Norte; em 1897, estava eu no Rio de Janeiro quando me chegou às mãos um livro em que se descrevia com todos os seus pormenores, o balão dessa expedição.

Continuava eu a trabalhar em segredo, sem coragem de por em pratica as minhas ideias; tinha pouca vontade de arruinar-me. Esse livro, entretanto, do constructor Lachambre, esclareceu-me melhor e decidiu inabalavelmente minha resolução.

Parti para Paris...

— Quero subir em balão. Quanto me pedem por isso?

— Temos justamente um pequeno balão no qual o levaremos por 250 frs.

— Há muito perigo?

— Nenhum.

— Em quanto ficarão os estragos da descida?

— Isso depende do aeronauta; meu sobrinho, aqui presente, M. Machuron, que o acompanhará, tem subido duzias de vezes e nunca fez estrago algum. Em todo caso, haja o que houver, o Sr. não pagará nada mais que os duzentos e cincoenta francos e dois bilhetes de caminho de ferro para a volta.

— Para amanhã de manhã o balão!...

Tinha chegado a vez...

Fiquei estupefato diante do panorama de Paris visto de grande altura; nos arredores, campos cobertos de neve... Era inverno.

Durante toda a viagem acompanhei as manobras do piloto; comprehendia perfeitamente a razão de tudo quanto elle fazia.

Pareceu-me que nasci mesmo para a aeronautica. Tudo se me apresentava muito simples e muito facil; não senti vertigem, nem medo.

E tinha subido...

De volta, em caminho de ferro, pois desceramos longe, transmitti ao piloto o meu desejo de construir, para mim, um pequeno balão.

Tive como resposta que a fabrica a que elle pertencia, tinha, havia pouco, recebido amostras de seda do Japão de grande belleza e peso insignificante.

No dia seguinte estava eu no atelier dos constructores.

Apresentaram-me projectos, mostraram-me sedas... Propuzeram-me fazer construir um balão de 250 metros cubicos...

Tomei a palavra: — O Snr. disse-me ontem que o peso desta seda, depois de envernizada, é de tantas grammas: o gaz hidrogenio puro eleva tal peso: desejo uma barquinha minuscula e, pelo que vi hontem, um sacco de lastro me será bastante para passar algumas horas no ar: eu peso 50 kilos; conclusão: — quero um balão de cem metros cubicos.

Grande espanto!

Creio mesmo que pensaram que eu era doido.

Alguns meses depois, o "Brasil", com grande espanto de todos os entendidos, atravessava Paris, lindo na sua transparencia, como uma grande bola de sabão.

As suas dimensões eram: diametro 6 metros, volume 113 metros cubicos, a seda empregada (113 metros quadrados) pesava 3"500, envernizada e pronta, 14 kilos. A réde envolvente e cordas de suspensão pesavam 1.800 grammas. A barquinha, 6 kilos. O guide-rope (corda de compensação), comprido de 100 metros, pesava 8 kilos, uma ancorasinha, 3 kilos.

Os meus calculos tinham sido exactos: parti com mais de um sacco de lastro.

Este minusculo “Brasil” despertou grande curiosidade. Era tão pequeno que diziam que eu viajava com elle dentro da minha mala!

Nelle e em outros, fiz, em vários mezes, amiudadas viagens, em que ia penetrando na intimidade do segredo das manobras aereas.

Comprei um dia um tricyclo a petroleo. Levei-o ao “Bois de Boulogne” e, por tres cordas, pendurei-o num galho horizontal de uma grande arvore, suspendendo-o a alguns centimetros do chão. É diffícil explicar o meu contentamento ao verificar que, ao contrario do que se dava em terra, o motor do meu tricyclo, suspenso, vibrava tão agradavelmente que quasi parecia parado.

Nesse dia começou minha vida de inventor.

Corri á casa, iniciei os calculos e os desenhos do meu balão n.º 1.

Nas reuniões do Automovel Club — pois o Aero Club não existia ainda — disse aos meus amigos que pretendia subir aos ares levando um motor de explosão sob um balão fusiforme. Foi geral o espanto: chamavam de loucura o meu projecto. O hydrogenio era o que havia de mais explosivo!

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O MEU PRIMEIRO BALÃO
O MENOR
O MAIS LINDO
O UNICO QUE TEVE UM NOME:

 
“BRASIL”

"Se pretendia suicidar-me, talvez fosse melhor sentar-me sobre um barril de polvora em companhia de um charuto acceso". Não encontrei ninguem que me encorajasse.

Não obstante, puz em construção o meu n.º 1, e logo depois o n.º 2.

As minhas experiencias no ar começaram em fins de 1898. Foram grandemente interessantes, não pelo resultado obtido, mas pela surpresa de vèr, pela primeira vez, um motor trepidando e roncando nos ares.

Creio mesmo que foram estas experiencias que deram lugar á fundação do Aero Club de França.

As experiencias com esse modelo não surtiram o resultado desejado.

Eu tinha sido audacioso demais, fabricando um balão demasiado alongado para os meios de que, então, dispunha.

Abandonei essa forma e construi um balão ovoide.

Com o primeiro typo tive uma terrivel quéda de várias centenas de metros, que muito me ameaçou de vêr naquelle o meu ultimo dia. Não perdi, porém, o alento. Com esse novo aparelho, o meu n.º 3, atravessei a cidade de Paris.

Houve grande barulho em torno d'essa experiencia. Creio mesmo que, se as primeiras deram logar á fundação do Aero Club, esta foi que determinou a instituição do premio Deutsch.

De facto, com a travessia que fiz de Paris, começou-se a discutir se seria possivel ir de um ponto a outro e voltar ao de partida, em balão.

Grandes controversias...

A uma das assembléas do Aero Club compareceu um senhor, desconhecido de todos nós, muito timido, muito sympathico, que offereceu, elle, Deutsch de la Meurthe, um premio de cem mil francos ao primeiro aeronauta que, dentro dos cinco annos seguintes, partindo de St. Cloud, que era então onde se achava o Parque do Club, circumnavegasse a Torre Eifel e voltasse ao ponto de partida, tudo em menos de 30 minutos. Acrescentou mais, que no fim de cada anno, caso não fosse ganho o premio, se distribuíssem os juros do dinheiro entre os que melhores provas tivessem obtido.

Era sentir geral que cinco annos se passariam sem que o premio fosse ganho.

A direcção do balão, naquelle tempo, era um desejo sem promessa.

No dia seguinte à instituição do premio Deutsch, iniciei a construcção do meu n.º 4 e de um hangar em St. Cloud.

Opinei novamente pelo balão fusiforme, pois precisava atingir a uma velocidade de mais ou menos 30 kilometros por hora, o que seria diffícil com um balão ovoide. Adquiri o motor mais leve que encontrei no mercado; tinha a força de 9 H.P. e pesava 100 kilos. Era a maravilha de então...

Com esse balão, no anno de 1900, pouco consegui de bom. Meu unico concorrente ao prêmio foi o Sr. Rose, cujo balão não conseguiu nunca subir; os juros do prêmio Deutsch me foram entregue, pois.

Durante o inverno puz em construcção o meu famoso n.º 5, que experimentei no Parque do Aero Club.

Em 12 de julho de 1901, às 3 horas da madrugada, auxiliado por alguns amigos e meus mecanicos, levei-o para o Hyppodromo de Longchamps; comecei a fazer pequenos circulos com o dirigivel, que era verdadeiramente docil; fui ao bairro de Puteaux e evoluia por cima de suas innumeras usinas quando, de repente, ouço um barulho terrivel: uma a uma todas as usinas tinham posto a funccionar seus apitos e sirenes.

Fiz duas ou tres voltas e cheguei novamente a Longchamps.

Fiz um conciliabulo com meus amigos. Pretendia fazer a volta á Torre Eifel; elles me querem dissuadir disso, por não estar presente a Commissão do Aero Club. Não me pude conter; o sporte me attrahia; parti. Tudo correu bem até ás alturas do Trocadero, quando senti que o balão não me obedecia mais. Arrebentara-se o cabo que ligava a roda do governo ao leme da aeronave. Diminuo completamente a velocidade do motor e manobro para tocar em terra. Fui muito feliz, desci mesmo no jardim do Trocadero, onde, por ser ainda muito cedo, havia muito poucas pessoas.

A ruptura se dera em ponto difficilmente acessivel; era necessario uma escada. Vão buscal-a; quatro a cinco pessoas a susteem de pé e, por ella, consigo subir e consertar o cabo. Parti de novo, circumnaveguei a Torre e voltei directamente a Longchamps, onde já havia muita gente á minha espera, inquieta da demora.

O Nº 5 EM LONGCHAMPS

12 de Julho de 1901

Foi um successo colossal quando cheguei e parei o motor.

Nesse mesmo dia a imprensa annunciava ao mundo inteiro que estava resolvido o problema da dirigibilidade dos balões.

Aproveito a occasião para agradecer á imprensa do mundo inteiro a sympathia com que me captivou e, principalmente, a que dispensou á "Idéa Aerea". Foi graças a isso que se instituiram premios de estímulo e o cerebro dos inventores se poz a trabalhar para o aperfeiçoamento da aeronave, até podermos, em 1918, possuir aeroplanos e dirigiveis que parecem o resultado de uma evolução milenaria.

Se quando nas ruas de Paris apareceu o primeiro automovel e se quando a Torre Eiffel foi circumnavegada, não tivesse a imprensa incentivado essa iniciativas, acompanhando de perto o seu progresso, não teriamos hoje, estou certo, as locomoções automovel e aerea, que são o orgulho da nossa época.

Foi neste dia que começou a minha grande popularidade em Paris; aproveito, pois, tambem a occasião para pagar um tributo ao povo de Paris.

Foi graças aos constantes applausos e encorajamento que recebemos, os meus collegas e eu, que encontramos forças para, diante de tantos insucessos e perigos, continuarmos na luta. E' pois, à clarividencia do povo da Cidade Luz que o mundo deve a locomoção aérea.

Não só o povo me encorajava nas minhas experiencias, mas tambem a sociedade, as altas autoridades e todos os escriptores.

No meu hangar encontravam-se pessoas de todas as classes e opiniões. Um dia apanharam numa photographia a ex-imperatriz dos Francezes ao lado de Rochefort. Tinham sido os maiores inimigos; pois bem, no meu atelier, do qual Rochefort era um frequentador assiduo, estavam um ao lado do outro!

Rochefort cobriu-me também de elogios; não falemos na legião de escriptores, especialistas, como François Peyrey, Besaçon e todos os outros outros, pelos quaes até hoje tenho uma profunda gratidão.

 

N'ESTA MANHA DE 12 DE JULHO, E NA TARDE DE 23 DE OUTUBRO DE 1908. VIVI OS MOMENTOS MAIS FELIZES DE MINHA VIDA.

 

1901

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No dia seguinte, em um artigo de fundo, M. Jaurés disse que "até então tinha visto procurando dirigir os balões a "sombra dos homens" hoje viu "um homem".

Recebi felicitações do mundo inteiro; entre ellas, porém, uma, certamente a que mais me honrou e para mim a mais preciosa, veio assim endereçada, numa photographia do maior inventor dos tempos modernos:

"A Santos-Dumont,
o Bandeirante dos Ares
Homenagem de Edison".

Naquela época, em que a aeronautica acabava de nascer, não era muito ser considerado o seu Bandeirante; hoje, porém, que ella existe e vae decidir a sorte da guerra, me é infinitamente preciosa essa appreciação do homem pelo qual tenho a maior admiração.

No dia 13 de julho de 1901, ás 6 horas e 41 minutos, em presença da Commissão Scientifica do Aero Club, parti para a Torre Eiffel. Em poucos minutos, estava ao lado da Torre; viro e sigo, sem novidade, até o Bois de Boulogne. O sol, mostra-se neste momento e uma brisa começa a soprar, leve, é verdade, porém, bastante, nessa época, para quasi parar a marcha da aeronave. Durante muitos minutos, o meu motor luta contra a aragem, que se ia já transformando em vento. Vejo que vou sair do Bosque e talvez cahir dentro da cidade. Precipito a descida e o apparelho vem repousar sobre as arvores do lindo parque do Barão de Rotschild. Era necessario desmontar tudo, com grande cuidado, afim de que não se danificasse, pois pretendia reparar minha embarcação para concorrer de novo ao premio Deutsch.

Nesse dia tinha despertado ás três horas da manhã para, pessoalmente, verificar o estado do meu apparelho e acompanhar a fabricação do hydrogenio, pois, de um dia para outro, o balão perdia uns vinte metros cubicos. Sempre segui a divisa: "Quem quer vae, quem não quer manda"... Já o dia ia findando e eu não abandonava o meu balão um só instante, a despeito da fome terrivel.

De repente, — deliciosa surpresa! — appareceu-me um creado com uma cesta cujo aspecto trahia inilludivelmente o seu conteudo; pensei que algum amigo se tivesse lembrado de mim enquanto almoçava... Abria-a e dentro encontrei uma carta: era da senhora Princesa D. Isabel, visinha do Barão Rotschild, que me dizia saber que eu estava trabalhando até aquella hora, sem refeição nenhuma, e me enviava um pequeno lunch; pensava tambem nas angustias que deveria soffrer minha mãe, que de longe seguia as minhas peripecias, e declarava ter à minha disposição uma pequena medalha, esperando daria confórto a minha mãe saber que eu a traria commigo em minhas perigosas ascensões.

Essa medalha nunca mais me abandonou.

Sobre essas experiencias, publicou "L'Illustration" as seguintes notas:

"La première quinzaine du mois de Juillet 1901 a été signalée par deux événements qui pourralent bien marquer deux grandes dates dans l'histoire de l'humanité, et qui semblent dans tous les cas promettre qu'en matiére de conquétes scientifiques le vingtiéme siécle ne sera pas inférieur au dix-neuviéme.

A dix jours d'intervalle, le sous-marin "Gustave-Zédé" a fait ses preuves en Corse, et le ballon dirigeable Santos-Dumont a fait les siennes á Paris même. Dans deux numéros consecutifs, l'Illustraction a pu consacrer la gravure de première page à ces deux exploits — les premiers — accomplis dans le domaine de la navigation aérienne.

Le ballon de M. Santos-Dumont, qui vient d'effectuer deux jours de suite le voyage aller et retour de St. Cloud à la tour Eiffel est le cinquième aérostat avec lequel cet ingénieur de vingt-huit ans a tenté de resoudre le problème de la dirigeabilité.

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Les positions respectives de ces divers agrès on été déterminées avec beaucoup de soin et après de longs tâtonnements, afin qu'une fois tout en place et en tenant compte du poids mème de l'aéronaute, la quille soit horizontabilité et une égale tension des cordelettes de suspension. Cette condition explique pourquoi le siège de l'aéronaute se trouve éloigné du moteur.

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Enfin, c'est par le déplacement du guide-rope, suspendu sous la quille et pesant 38 kilogrammes kilogrammes, qu'on obtient l'inclinaison voulue du système dans uns sens ou dans l'autre pour effectuer les mouvements d'ascension ou de descente.

O Nº 5 PARTINDO DE ST CLOUD

1901

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A 7 heures, le Santos-Dumont nº 5 doublait la tour Eiffel en la contournant un peu au-dessus de la deuxième plate forme. Ce virage est executé avec précision remarquable.

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Attendons-nous à le voir un de ces jours planer sur Paris et descendre, par example, sur la terrasse de l'Automobile Club, place de la Concorde."

Reposto o balão e estado de funccionar, revistas e consertadas todas as suas peças, cheio de novo, fiz experiencias preliminares. Convocada novamente a Comissão do Aero Club, parti para a Torre Eiffel que circumnaveguei de novo; mas, ao voltar, desarranjou-se-me a machina nas alturas do Trocadero. Manobro para escolher um bom lugar para descer. Suppunha ter sido feliz em minhas manobras e descer em uma rua, quando ouço um grande estrondo, grande como o de um tiro de canhão; era a ponta do balão que, na descida, que foi rapida, tocára o telhado de uma casa.

Um sacco de papel cheio de ar, batido de encontro a uma parede, arrebenta-se, produzindo um grande ruido; pois bem, o meu balão, sacco que não era pequeno, fez um barulho assim, mas... em ponto grande. Ficou completamente destruído.

Não se encontrava pedaço maior do que um guardanapo!

Salvei-me por verdadeiro milagre, pois fiquei dependurado por algumas cordas, que faziam parte do balão, em posição incommoda e perigosa, de que me vieram tirar os bombeiros de Paris.

Os amigos e jornalistas me aconselharam a ficar nisso e não continuar em minhas ascensões, da ultima das quais me salvára por verdadeiro milagre. O conselho era bom, mas eu não pude resistir á tentação de continuar; não sabia contrariar o meu temperamento de sportsman.

Convoquei-os para nova experiencia d'ahí a tres semanas. Eu sabia dos elementos com que podia contar; ja conhecia, em Paris, umas vinte casas especialistas, cada qual, de um trabalho, e já tinha conquistado a sympathia dos contramestres e operarios de quem podia esperar a maior dedicação e serviço rápido.

Iniciei a construcção de um novo balão e novo motor, este um pouco mais forte, aquelle um pouco maior.

Tres semanas, contadas dia por dia, após o ultimo desastre. meu apparelho, o n.º 6, estava prompto.

O tempo, porém, continuava mau. Em 19 de Outubro (1901), à tarde, pois a manhã foi chuvosa, subi de novo, contornei a Torre, a uma altura de 250 metros, sobre uma enorme multidão que ahi estacionava á minha espera, e passei por Autenil, sobre o hyppodromo do mesmo nome, que ficava em meu caminho.

Havia corridas; a minha passagem, tanto na ida como na volta, despertou um delirio de applausos; ouvi a gritaria e vi lenços e chapéos arrojados no ar; eu distava da terra apenas de 50 a 100 metros...

Da minha sahida ao momento em que passei do zenith do ponto de partida, decorreram 29 minutos e 30 segundos.

Com a velocidade que levava, passei a linha da chegada — como fazem os yachts, os barcos a petroleo, ós cavallos de corridas, etc. —, diminuí a força do motor e virei de bordo; então, voltando, e com menos velocidade, manobrei para tocar a terra, o que fiz em 31 minutos após minha partida.

Pois bem, alguns senhores quizeram que fosse esse o tempo official!

Grandes polemicas.

Tive commigo toda a Imprensa e o povo de Paris e tambem Son Altesse Imperiale le Prince Roland Bonaparte, presidente da Comissão Scientifica que ia julgar o assumpto.

O voto me foi favoravel.

Não se tinham passado dois annos e eram ganhos os cem mil francos do premio Deutsch, que, accrescidos aos juros e mais premios pequenos, perfazia o total de 129.000 francos, que foram assim destinados: 50.000 francos aos meus mecanicos e operarios das usinas que me tinham auxiliado; e o restante a mais de 3.950 pobres de Paris, distribuidos, a pedido meu, pelo Sr. Lepine, Chefe de Policia, em donativos de menos de 20 francos.

 

O MEU Nº 6

 

CIRCUMNAVEGANDO A TORRE EIFFEL

1901

Por essa occasião, o saudoso Sr. Campos Salles, então Presidente da Republica, enviou-me uma medalha de ouro[1] e, logo em seguida, fui agradavelmente surprehendido com o recebimento de um premio de 100:000$000, que me foi offerecido pelo Congresso Nacional; além destas, duas outras medalhas recebi: uma do Instituto de França, outra do Aero Club de França.



Depois do meu n.º 6, construi varios outros balões, que não me deram os resultados desejados. Ha um dictado que ensina "O genio é uma grande paciencia"; sem pretender ser genio, teimei em ser um grande paciente. As invenções são, sobretudo, o resultado de um trabalho teimoso, em que não deve haver logar para o esmorecimento.

Consegui, afinal, construir o meu n.º 9; com elle pude alcançar alguma coisa; fiz dezenas de passeios sobre Paris, fui várias vezes ás corridas, delle me apeei á porta de minha casa, na Avenida dos Campos Elyseos, e nelle, quasi todas as noites, fiz corso sobre o Bois de Boulogne.

A minha presença com ele na revista militar de Longchamps, em 14 de Julho de 1903, causou um successo immenso.

Foi o mais popular de todos os meus... filhos. só mais tarde suplantado pela minuscula "Demoiselle".

Depois... eu ouvia chalaças deste genero: "O Sr. não faz nada?" "Está sempre fechado em seu quarto, a dormir!"

Nesse ínterim vim ao Brasil; no Rio de Janeiro, em São Paulo, Minas e Estados do Norte, por onde passei, me acolheram os meus patricios com as mais captivantes festas de que jamais me esquecerei e que tanto me penhoraram.

Durante as minhas horas de intensa alegria e felizes successos, só uma saudade me fazia triste: era a ausencia de meu Pae. Elle que me déra tão bons conselhos e os meios de realisar o meu sonho, não mais estava neste mundo para vèr que eu "me tinha feito um homem".

E' costume oriental fazer recahir sobre os paes todo o merito, toda a glória, que um homem conquiste na vida. Esta maneira de vèr póde ser criticada ou desapprovada, porém, no meu caso, ella seria muito justa, pois, tudo devo a meu Pae: conselhos, exemplos de trabalho, de audacia, de economia, sobriedade e os meios com os quaes pude realisar as minhas invenções.

Tudo lhe devo, desde os exemplos.

Nascido na Cidade de Diamantina, o Dr. Henrique Dumont, formou-se, em Engenharia, pela Escola Central de Paris e, depois de trabalhar varios anos na E. F. Central (foi em uma casita situada na garganta João Ayres que eu nasci) dedicou-se á lavoura no Estado do Rio. Vendo que ahi nada de grande podia fazer, partiu com minha mãe e oito filhos, então todos creanças, para Ribeirão Preto, que se achava a tres dias de viagem a cavallo da ponta dos trilhos da Mogyana.

Explorara, antes, o interior do Estado de São Paulo e ficou maravilhado com as mattas de Ribeirão Preto.

Neste paiz essencialmente agricola, elle foi o prototypo do fazendeiro audacioso, e, com uma energia tão grande como a sua confiança no futuro, desbravou sertões e cultivou o sólo; ahi trabalhou durante dez annos, ao cabo dos quaes, por ter sido acommetido de uma paralysia, vendeu aquellas "mattas", então transformadas em cerca de 5.000.000 de caféeiros, servidos por uma estrada de ferro particular, por ele construída e que os liga a Ribeirão Preto.

Hoje, para que não morresse na memoria dos homens a lembrança do valor desse audacioso, os inglezes, em significativa homenagem, conservaram em seu nome na Companhia proprietaria actual daquellas terras.

Em 1905, a Dumont Coffee Company colheu, naquelle cafezal, 498 mil arrobas; em 1911, obteve uma renda bruta de 3.883 contos de réis!

Um de nossos grandes estadistas, depois de uma visita que fizera a meu pae, escreveu, numa impressão de viagem, referindo-se àquella fazenda: "Alli tudo é grande, tudo é immenso; só ha uma coisa modesta: a casa onde mora o fundador de tudo aquillo".

Dormi trés annos e no mez de Julho de 1906 apresentei-me no campo de Bagatelle com o meu primeiro aeroplano.

 

MEU PAE

 

1832-1892

Perguntar-me-ha o leitor porque não o construi mais cedo, no mesmo tempo que os meus dirigiveis. E' que o inventor, como a natureza de Línneu, não faz saltos; progride de manso, evolue. Comecei por fazer-me bom piloto de balão livre e só depois ataquei o problema de sua dirigibilidade. Fiz-me bom aeronauta no manejo dos meus dirigiveis; durante muitos annos, estudei a fundo o motor a petroleo e só quando verifiquei que o seu estado de perfeição era bastante para fazer vòar, ataquei o problema do mais pesado que o ar.

A questão do aeroplano estava, havia já alguns annos, na ordem do dia; eu, porém, nunca tomava parte nas discussões, porque sempre acreditei que o inventor deve trabalhar em silencio; as opiniões estranhas nunca produzem nada de bom.

Abandonei meus balões e meu hangar no parque do Aero Club.

Em completo silencio trabalhei tres annos, até que, em fins de Julho, após uma assembléa do Aero Club, convidei meus amigos a assistirem minhas experiencias, no dia seguinte.

Foi um espanto geral. Todo mundo queria saber como era o apparelho.

A suas dimensões eram: comprimento, 10 metros; envergadura, 12 metros; superficie total, 80 metros quadrados; peso, 160 kilos; motor, 24 HP.

Era uma apparelho grande e biplano e assim o fiz, apenas, afim de reunir maiores facilidades para vóar, pois sempre preferi os apparelhos pequenos, tanto que me esforcei para invental-os, o que consegui com o meu minusculo "Demoiselle", o aeroplano ideal para amador.

Continuando na minha ideia de evolução, dependurei o meu aeroplano em meu ultimo balão, o n.º 14; por esta razão, batizaram aquelle com o nome de 14-bis. Com esse conjunto hybrido, fiz varias experiencias em Bagatelle, habituando-me, dia a dia, com o governo do aeroplano, e só quando me senti senhor das manobras é que me desfiz do balão.

E' verdade que sempre fui de uma felicidade, de uma sorte inaudita em todos os meus emprehendimentos aereos; tive uma boa estrella.

Attribuo, tambem, essa sorte á minha prudencia.

 

AS PRIMEIRAS EXPERIENCIAS DO 14 BIS

 

1906

N'esta ordem de ideias; o primeiro problema que tive a resolver foi a possibilidade de levar-se um motor de explosão ao lado de um balão cheio de hydrogenio. Uma noite, tendo suspenso a alguns metros de altura o motor no meu n.º 1, pul-o em marcha; — estava com o seu silencioso — notei que as fagulhas que partiam com os gazes queimados iam em todas as direções e poderiam atingir o balão.

Veio-me a ideia de supprimir o silencioso e curvar os tubos de escapamento para o chão. Passei da maior tristeza á maior alegria, pois, quanto maiores eram as fagulhas, com maior força eram jogadas para a terra e, por conseguinte, para longe do balão. Estava, pois, resolvido este problema: o motor não poria fogo ao balão.

Só o que precisava impedir era que, em caso de escapamento dos gazes do balão pelas valvulas, estes não viessem alcançar o motor. Para impedir isto, eu sempre colloquei as valvulas bem atrás, à popa do balão, por conseguinte, longe do motor.[2]

O ponto fraco nós aeroplanos era o leme; dei, pois, sempre a maior atenção a este órgão e seus commandos, para os quaes sempre empreguei os cabos de aço de 1ª qualidade que são usados pelos relojoeiros nos relogios de Igrejas.

Lutei, a principio, com as maiores difficuldades para conseguir a completa obediencia do aeroplano; neste meu primeiro apparelho colloquei o leme á frente, pois era crença geral, nessa época, a necessidade de assim fazer. A razão que se dava era que, collocado elle atrás, seria preciso forçar para baixo a pópa do apparelho, afim de que elle pudesse subir; não deixava de haver alguma verdade nisso, mas as difficuldades de direcção foram tão grandes que tivemos de abandonar essa disposição do leme. Era o mesmo que tentar arremessar uma flecha com a cauda para a frente.

Em meu primeiro vôo, após 60 metros, perdi a direcção e cahi.

Este meu primeiro vôo, de 60 metros, foi posto em duvida por alguns, que o quizeram considerar apenas um salto. Eu, porem, no intimo, estava convencido de que voára e, se me não mantive mais tempo no ar, não foi culpa de minha máquina, mas, exclusivamente minha, que perdi a direcção.

Com grande anciedade, concertei rapidamente o apparelho, fiz-lhe algumas pequenas modificações e, durante algumas semanas, "rodei" em Bagatelle a fim de me aperfeiçoar no seu dificil governo.

Logo depois, em 23 de Outubro, perante a Commissão Scientifica do Aero Club e de grande multidão, fiz o celebre vôo de 250 metros, que confirmou inteiramente a possibilidade de um homem vòar.

Esta ultima experiencia e a de 12 de Julho de 1901, me proporcionaram os dois momentos mais felizes de toda a minha vida.

Creio interessante citar a opinião de algumas revistas sobre esses meus vôos, por ellas amplamente apreciados. Não o faço por não ter á mão, pois nunca me preocupei em colleccionar artigos que se referiam a mim. Dentre todas, porém, lembro-me que "L'Aerophile", a mais importante e antiga das revistas de Aeronautica, considerou-os um acontecimento historico.

"L'Illustration" e "La Nature", cujos números aqui encontrei, assim os consignaram:

"L'ILLUSTRATION"

SAMEDI 27 OCTOBRE 1906

M.Santos-Dumont, dèjá vainqueur du priz Deutsch, de 100.000 fcs. gräce à son dirigeable, vient de remporter aussi, mardi dernier, la Coupe Archdeacon, réservée aux appareils d'aviation. Monté sur cet appareil original, M. Santos-Dumont, a parcouru, l'autre matin, d'un breau vol, une distance de 60 mètres. La photographie que nous donnons ici est, croyons-nous, la seule qui ait été authentiquement prise au cours de cette passionnante expérience; elle montre que l'aéroplane ne s'est pas élevé à une bien grande hauteur audessus du sol: 2 mètres environ. Lá, d'ailleurs, n'était pas la question, et le grand intérêt de l'experience était de dèmontrer que l'on peut, sans le concours d'un support plus léger que l'air, réaliser le vol plane. Cette démonstration est aujourd'hui faite.

Eis aqui parte do artigo que publicou "L'Illustration" e, na página em frente, a photographia que o acompanhava.

UNE MINUTE MEMORABLE DANS L'HISTOIRE DE LA NAVIGATION AÉRIENNE
 

L'AEROPLANE SANTOS-DUMONT VOLANT À 2 MÉTRES DU SOL, A BAGATELLE. LE 23 OCTOBRE

"La Nature" disse:

"La journée du 13 Septembre 1906 sera désormais historique, car, pour la première fois, un homme s'est elevé dans l'air par ses propres moyens. Santos-Dumont, sans cesser ses travaux sur le "plus léger que l'air" fait aussi de trés importantes études sur le "plus lourd que l'air", et c'est lui qui est parvenu á "voler" en ce jour mémorable, devant un public nombreux.

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... il rest un fait acquis, c'est qu'il s'est éléve dans l'espace, sans ballon, et c'est une victoire importante pour les partisans du "plus lourd que l'air".

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C'est donc maintenant (23 Octobre) la victoire complète du "plus lourd que l'air: Santos-Dumont a démontré de façon indiscutable qu'il est possible de s'élever du sol par ses propres moyens et de se maintenir dans l'air."

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Um publico numeroso assistiu aos primeiros vôos feitos por um homem, como taes, reconhecidos por todos os jornaes do mundo inteiro. Basta abril-os, mesmo os dos Estados Unidos, para se constatar essa opinião geral.

Podia citar todos os jornais e revistas do mundo, todos foram, então, unanimes em glorificar "esse minuto memoravel na historia da navegação aérea".

No ano seguinte o aeroplano Farman fez vóos que se tornaram celebres: foi esse inventor-aviador que primeiro conseguiu um vóo de ida e volta. Depois delle, veio Bleriot, e só dois annos mais tarde é que os irmãos Wright fazem os seus vôos. E' verdade que eles dizem ter feito outros, porém ás escondidas.

Eu não quero tirar em nada o merito dos irmãos Wright, por quem tenho a maior admiração; mas é innegável que, só depois de nós, se apresentaram elles com um apparelho superior aos nossos, dizendo que era cópia de um que tinham construido antes dos nossos.

Logo depois dos irmãos Wright, apparece Levavassor com o aeroplano "Antoinette", superior a tudo quanto, então, existia; Levavassor havia já 20 annos que trabalhava em resolver o problema do vòo! poderia, pois, dizer que o seu apparelho era cópia de outro construido muitos anos antes. Mas não o fez.

O que diriam Edison, Graham Bell ou Marconi se, depois que apresentaram em publico a lâmpada electrica, o telephone e o telegrapho sem fios, um outro inventor se apresentasse com uma melhor lampada electrica, telephone ou apparelho de telegraphia sem fios dizendo que os tinha construido antes delles?!

A quem a humanidade deve a navegação aerea pelo mais pesado que o ar? A's experiencias dos irmãos Wright, feitas às escondidas (elles são os proprios a dizer que fizeram todo o possivel para que não transpirasse nada dos resultados de suas experiencias) e que estavam tão ignoradas no mundo, que vemos todos qualificarem os meus 250 metros de "minuto memoravel na história da aviação", ou é aos Farman, Bleriot e a mim que fizemos todas as nossas demonstrações diante de commissões scientificas e em plena luz do sol?

Nessa época, os apparelhos eram grandes, enormes, com pequenos motores, voavam devagar, uns 60 kilometros por hora ou pouco mais. Mandei, então, construir um motor especial de minha invenção, desenhado especialmente para um aeroplano minusculo.

Este motor possuia dois cylindros oppostos, o que traz a inconveniencia da difficuldade de lubrificação, mas, também, as vantagens consideraveis de um peso pequeno e um perfeito equilibrio, não ultrapassado por qualquer outro motor.

Pesava 40 kls. e desenvolvia 35 HP.

Nunca se conseguiu um motor fixo, resfriado a agua, e de peso tão insignificante, sómente igualado, mais tarde, pelos motores rotativos, aos quaes, entretanto, fui sempre contrario, desde o seu apparecimento. Hoje, 10 annos passados, parece-me, confirma-se esta minha apreciação, pois o motor fixo tem tido uma acceitação geral.

A "Demoiselle" media 10 metros quadrados de superficie de azas; era 8 vezes menor que o 14-bis! Com ella, durante um anno, fiz vôos todas as tardes e fui, mesmo, em certa occasião, visitar um amigo em seu Castello. Como era um aeroplano pequenino e transparente, deram-lhe o nome de "Libelule" ou "Demoiselle".

Este foi, de todos os meus apparelhos, o mais facil de conduzir, e o que conseguiu maior popularidade.

NÃO HA VERTIGEM NOS ARES
 
 
Uma manobra a 100 metros de altura
 

1903

 
 
A "DEMOISELLE"

Com ele obtive a "Carta de piloto" de monoplanos. Fiquei, pois, possuidor de todas as cartas da Federação Aeronautica Internacional: — Piloto de balão livre, piloto de dirigivel, piloto de biplano e piloto de monoplano.

Durante muitos annos, sómente eu possuia todas essas cartas, e não sei mesmo se ha já alguem que as possua.

Fui pois o unico homem a ter verdadeiramente direito ao titulo de Aeronauta, pois conduzia todos os apparelhos aereos.

Para conseguir este resultado me foi necessario não só inventar, mas tambem experimentar, e n'estas experiencias tinha, durante dez annos, recebido os choques mais terriveis; sentia-me com os nervos cansados.

Anunciei a meus amigos a intenção de pór fim à minha carreira de aeronauta, — tive a approvação de todos.

Tenho acompanhado, com o mais vivo interesse e admiração, o progresso phantastico da Aeronautica. Bleriot atravessa a Mancha e obtem um successo digno de sua audacia. Os circuitos europeus se multiplicam; primeiro, de cidade a cidade; depois, percursos que abrangem varias provincias; depois, o "raid" de França á Inglaterra; depois, o "tour" da Europa.

Devo citar tambem o primeiro "meeting" de Reims que marcou, póde-se dizer, a entrada do aeroplano no dominio commercial.

Entramos na época da vulgarisação da aviação e, nessa empresa, brilha sobre todos, o nome de Garros. Esse rapaz personificou a Audacia; até então, só se voava em dias calmos, sem vento. Garros foi o primeiro a vóar em plena tempestade. Logo depois, atravessou o Mediterraneo.

O estado atual da aeronautica todos nós o conhecemos, basta abrir os olhos e lêr o que ella faz na Europa; e é com enternecido contentamento que eu acompanho o dominio dos ares pelo homem:

E' meu sonho que se realisa.


 

ESTE MONUMENTO MANDADO ERIGIR, EM S.T CLOUD. PELO AERO-CLUB DE FRANÇA, ME É DUAS VEZES GRATO: É A CONSAGRAÇÃO DE MEUS ESFORÇOS E, HOMENAGEM QUE SE PRESTOU A UM BRASILEIRO, REFLETE-SE SOBRE A PATRIA TODA.

 

1914

  1. No fim do livro, acha-se a foto, em tamanho natural.
  2. Foi por não terem tomado estas precauções que os que antes de mim quizeram empregar o motor a explosão, pagaram com suas vidas