Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo (1862)/Fragmentos de cartas do autor/23 de agosto de 1848
Luiz.
Agosto 23, 1848.
Tenho aqui trez cartas tuas...
Fallas no meu Conde Lopo. E’ longo demais para poder mandar-te uma copia delle. Tenho já cerca de duzentas paginas, e ha um mez que nada tenho escripto ahi. Queres comtudo versos meus. Ahi vão uns d’um dos entreactos delle:
Deixai que o pranto esse pallor me queime,
Deixai que as fibras que estalárão dôres
Desse maldito coração me vibrem
A canção dos meus ultimos amores!
Da delirante embriaguez de bardo
Sonhos em que afoguei o ardor da vida,
Ardente orvalho de febris pranteios,
Que lucro á alma descrida?
Deixai quo chore pois. — Nem loucas venhão
Consolações a importunar-me as dòres;
Quero a sós murmural-a á noite escura
A canção dos meus ultimos amores!
Da ventania ás rabidas lufadas
A vida maldirei em meu tormento
— Que é falsa, como em prostitutos labios
Um osculo visguento.
Escarneo! para essas muitas virgens
Como flòres — românticas e bellas —
Mas que no seio o coração tem arido,
Insensivel e estupido como ellas!
Quero agreste vibrar ruja-me as cordas
Mais selvagens d’est’harpa — quero accentos
D’aspero som como o ranger dos mastros
Na orchestra dos ventos!
Corre feio o trovão nos céos bramindo;
Vão torvos do relampago os livores —
Quero ás rajadas do tufão gemèl-a
A canção dos meus ultimos amores!
Vem pois, meu fulvo cão! ergue-te asinba,
Meu derradeiro e solitario amigo!
— Quero me ir embrenhar pelos desvios
Da serra — ao desabrigo...
Adeus.
Teu amigo
Azevedo.