Obras poeticas de Ignacio José de Alvarenga Peixoto (1865)/Advertencia sobre a presente edição/(Em sonhos vi um Indio magestoso)

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Em sonhos vi um Indio magestoso,
De presença gentil, altivo e forte:
Mostrava no semblante respeitoso
    Da alegria o transporte;
Barbaro o trajo, mas riqueza tanta
Dos miseros mortaes a vista encanta.

Zona de pelles de diversas côres,
Guarnecida de pedras preciosas,
Representa do sol os resplendores;
    Oh! que pennas mimosas!
Sobre o cocar, thesouro de riqueza,
É tudo quanto póde a natureza!

Cinto de curtas pennas recamadas
Tem em torno de si pennas compridas
De differentes côres matizadas;
    E as plumas fendidas
Formão ao todo um circulo composto
Lindo saiote da natura ao gosto.

Pendia ao tiracol de branco arminho,
Com rubins e saphyras, que encantava,
Concavo dente de animal marinho,
    Que lhe serve de aljava;
Porém as settas e o seu arco forte
Longe deixou, que já não teme a morte.

Rompe montões de apinhoada gente,
Procurando do paço a regia sala;
Eis que apparece o principe regente,
    E o Indio assim lhe falla,
Cheio de submissão e de respeito
Co’ as mãos cruzadas no constante peito:

« Venho a teus pés, ó principe sagrado,
Beijar a regia mão de agradecido
Por teres meus direitos sustentado
    Com valor desmedido,
Desmedido valor, prudencia e arte,
Dons conferidos só a Jove e Marte.

« Assim da Providencia a equidade,
Condoida de tanto soffrimento,
Em meus braços lançou a magestade,
    Quando a Europa em tormento
Vê os ultimos thronos abalados,
Monarchas presos, outros degradados.

« Fui então exaltado a reino unido
Pelo sexto João, piedoso e terno,
Mas tirou da ternura o seu partido
    A caterva do inferno,
Que reduzio do teu imperio nobre
O ouro e a prata a só papel e cobre.

« Gemia Portugal, tudo gemia,
Em desgraça fatal e sorte dura;
Apparece na Europa a luz do dia
    Para nós sombra escura;
Visto nossos irmãos d’esse hemispherio
Quererem captivar todo este imperio.

« Pedem o rei e a familia excelsa
A pretexto de amor e lealdade;
Vai o sexto João sem que conheça
    A encoberta maldade;
Elle emfim nos deixou, não de aggravado.
Visto deixar o seu penhor amado.

« Se a constituição era capaz
De nos abrir as portas da ventura,
Se desceu sobre nós anjo de paz,
    Novo sol de luz pura,
Como apparece negra a atmosphera
Vindo empestar a brasileira esphera?

« Embora que o congresso corrompido
Contra os meus interesses decretasse;
Os vis ferros já tinha sacudido,
    Tudo mudou de face;
Seguiremos a lei se a lei fôr justa,
Mas não tente campar á nossa custa.

« Proclamarem o bem a bem dos povos
Tanto da Europa como do Brasil,
E promulgarem dous decretos novos
    Com politica vil!...
Como já se acabou o despotismo,
Se apparece de novo um novo abysmo?

« Tres seculos vivi escravisado,
Arrastando grilhões de impiedade;
Acabou esse tempo desgraçado,
    Não soffro a iniquidade;
Tenho em ti defensor, tenho justiça,
Hei de calcar aos pés a vil cubiça.

« Protesto e juro ante o céo e a terra
De não temer combates sanguinosos
Té derrotar em defensiva guerra
    Monstros ambiciosos,
Que cegos da razão com sêde de ouro,
A’ brilhante nação causão desdouro.

« Não julgues, Portugal, em nós fraqueza,
Pelo estado do antigo soffrimento:
Este paiz, nascente, de riqueza
    E’ um novo portento:
O gigante Brasil inabalavel,
E’ pelo seu local inconquistavel.

« Nós temos conselheiros respeitosos,
Temos heróes de esphera sublimada,
Temos um príncipe, que nos faz ditosos;
    Vindo a paz desejada,
Que mais desejaráõ os filhos meus,
Seguindo as leis do verdadeiro Deos?»

Disse, e a beijar tornou a real mão
Do grande Pedro, defensor amado,
Que esteve attento ouvindo a narração
    Do Brasil exaltado.
Exaltado Brasil, agora é justo
Erguer-se a Pedro grande eterno busto.