Os Retirantes/III/III
A grosseria pela qual foi acompanhada Eulália na sua queda provocara a princípio ditos canalhas, mas não ecoou por muito tempo nos corações.
O corpo inerte, o olhar estatelado, as feições demudadas da moça, e principalmente a lividez mortuária que mascarou-lhe o semblante impuseram respeito.
— Parece que ela foi-se; para ser bebedeira é muito forte.
— Talvez seja algum mal de estupor ou ataque de cabeça.
— Se não a acudirem já, vai-se para ai à míngua como um cão.
A piedade substitui a indiferença e alguns dos circunstantes inclinaram-se sobre a mísera retirante.
— Não há dúvida; é mandar vir a rede e mandá-la para o cemitério; esta já não sofre mais.
A convicção geral foi de que Eulália havia morrido, e os mercadores ignóbeis da honra das famílias retirantes, impressionados e corridos pelo sucesso inesperado, começaram a retirar-se, fingindo uma impassibilidade que era desmentida pelo seu próprio semblante.
— Já está fria como gelo - disse um deles que pusera a mão sabre a testa de Eulália; - morta e bem morta.
A onda popular, como que afastada por mão invisível, recuou a pouco e pouco de junto de Eulália e voltou-lhe as costas para não vê-la mais. O aspecto da morte desanimava-a, porque era uma antevisão da sorte que a esperava dentro em alguns dias.
Toda a atenção voltou-se exclusivamente para a distribuição dos socorros; todo o esforço tendeu a ganhar distância a fim de se aproximarem dos empregados da comissão. De repente uma grita atordoante ergueu-se na rua transversal a pequena distância do lugar onde Eulália havia caído.
— Nós temos fome; morremos à fome; salve-nos.
As vozes que assim clamavam eram pela mor parte de mulheres, e estas imprudentemente cercavam um homem de estatura média, magro, grisalho, vestido de sobrecasaca preta, e que fazia gestos acariciadores para todos os lados. Dois soldados, que o acompanhavam, resmungavam entre dentes:
— É preciso ter muita paciência para aturar esta ralé; fedem como animal podre.
— Bem, meus amigos, tenham paciência, isto vai melhorar muito; não hão de ter mais razões para queixas, eu lhes prometo.
— Mas veja vosmecê esta criança, meu senhor; está quase morta! Ah! Sr. presidente, vosmecê não sabe o que é a fome...
O homem, a quem todos se dirigiam e que era de feito o presidente da província, respondia com bonomia prometendo remediar tudo.
— Olhe, Vossa Mercê, veja: nós não estamos mentindo, Aqui mesmo caiu, não há nem uma hora, uma rapariga.
Pelo grito, parece que o que ela tem é fome. Está ali, veja. O presidente caminhou apressadamente até junto da infeliz e, com um arrebatamento filho da comiseração, tomou um dos pulsos.
— É exato; está quase a morrer, tem o pulso fraquíssimo.
— Como esta - ponderava o povo -, têm morrido dúzias e dúzias de pessoas.
— Eu mesma que estou aqui - acrescentava uma mulher - não tardo muito, se Vossa Mercê não vem em socorro da gente.
— Esta moça estava aqui sozinha?
— Parece...
— Não tem nenhum parente aqui, nem marido, nem qualquer pessoa que se interesse por si?
Ninguém respondeu ao apelo feito pela autoridade suprema da província.
— Chame aí dois homens - disse ele dirigindo-se a um dos soldados - e conduzam esta moça para a Santa Casa da Misericórdia; digam que vão da minha parte.
A especulação inspirada pela desgraça começou logo a fazer concorrência à desacordada Eulália. Várias mulheres, simulando desfalecimentos, caíram redondamente por terra, para ver se lhes era dado o mesmo destino.
O presidente, sorrindo com a sua triste experiência de iguais cenas, esperou até que Eulália fosse colocada nos braços de dois retirantes.
O honrado velho e a mísera moça seguiram direções opostas e, ao passo que o primeiro, subindo a rua, era importunado pela multidão, Eulália dentro em alguns minutos era entregue às Irmãs de Caridade no edifício da Misericórdia.
Uma febre violenta, que dava à pele uma secura de areal e ao mesmo tempo uma temperatura incomodativa, sucedera ao espasmo que a havia gelado.
— É uma retirante que o sr. presidente encontrou caída na rua; pede toda a atenção para ela.
A recomendação do camarada era inútil. As poucas irmãs, que faziam o serviço do hospital, eram verdadeiras sacerdotisas da caridade. Acostumadas à triste existência do recolhimento, como que os enfermos eram as suas únicas afeições. Tinham por eles cuidados maternais, e pensavam-nos com uma paciência evangélica.
Também como que a natureza se esforçava em compensar-lhes a dedicação e a humanidade: a mortalidade ficava numa desproporção extraordinária com o número dos enfermos.
Transportada para a enfermaria, Eulália conservou-se durante longas horas desacordada, e o médico, examinando-a, deu-a como um caso perdido.
A febre, ressequindo-lhe os lábios e escancarando-lhe de vez em quando os olhos, punha-lhe no corpo um tremor convulsivo, ao mesmo tempo que a fazia de espaço a espaço pronunciar frases soltas e algumas vezes de um sentido ininteligível para a irmã que velava à sua cabeceira:
— Adeus, adeus, não envergonharei os meus - dizia ela; - adeus.
E, contraindo os lábios, estalava beijos no ar, de certo beijando na imaginação conturbada a face de algum ente caro.
A estas palavras repassadas de dignidade e de mansidão, sucediam outras, enérgicas, ameaçadoras, que revelavam a meio a história íntima da retirante.
— É inútil, não quero, não matarei o meu filho; mate-me com ele se quiser, mas não lhe obedeço.
A irmã intervinha acalmando-a, assegurando-lhe que ninguém a queria violentar, mas essas palavras como que exacerbavam a febricitante e ela acrescentava:
— Faça-o, ameace-me quanto quiser; se matar o meu filho, eu denunciá-lo-ei e darei como testemunho a arma com que feriu Feitosa. Tem o seu nome.
Soluços abafados e gemidos de uma tristeza dolorosamente comunicativa seguiam a frase altiva e resoluta que se continuava por uma explosão sobranceira e ao mesmo tempo humilde.
— Treme agora; não tem coragem, queria ferir-me o coração. Ai meu desgraçado pai, como fostes feliz morrendo; se existísseis não resistiríeis à vergonha. O vigário, o vosso amigo...
A irmã inclinando-se sobre a doente para ouvir melhor as revelações do delírio, estremecia a cada palavra e, como que, ouvindo-a, abria simpaticamente o coração àquela desgraçada misteriosa que viera dar a costa no hospital.
Ainda em hora muito adiantada da noite a febre e o delírio continuavam com a mesma intensidade, e a irmã, firme no posto que lhe era indicado pela caridade, velava solicitamente pensando consigo:
— Esta moça foi vítima de uma grande infelicidade.
Pela madrugada a febre fez remissão quase completa, e a agitada sonolência foi substituída por algum repouso.
A irmã sentiu renascer a esperança de ver salva a recomendada do presidente, a quem estreitava-a não só a curiosidade, mas já poderosa simpatia. Naquele rosto sereno, onde a resignação e a cordialidade haviam conservado a frescura infantil, passava um reflexo de alegria íntima sobre a palidez da vigília.
De manhã, à hora da visita do médico, a irmã tinha um ar triunfante, e apressou-se em ir ao encontro do facultativo para dar-lhe a boa nova:
— A nossa doente de ontem à noite está quase sem febre.
— É um milagre, irmã; não esperava.
— Teve um mau delírio durante a noite, sofreu muito, mas está felizmente melhor.
As novas indicações do facultativo operaram sobre a doente um efeito eficaz, mas ainda assim a irmã não ficou de todo descansada. Eulália conservava-se inteiramente alheia ao que se passava em torno; nem por um gesto, nem por uma palavra deixava perceber a menor impressão.
— Está apatetada - dizia consigo a irmã; - quem sabe se não é uma idiota?
O olhar incerto, sonolento, os movimentos tardos e inconscientes, os gemidos meio abafados, tudo enfim fazia acentuar-se a suspeita da irmã, que felizmente convenceu-se do contrário, horas depois.
Eulália dormiu longamente; o anélito quente e fétido da febre foi substituído por uma respiração pausada, ampla, que denotava apenas um grande cansaço. Afinal o sono interrompeu-se de manso, e Eulália, abrindo e para logo esfregando os olhos, encarou para o que via diante de si. Como se esta só verificação não lhe bastasse, sentou-se de pronto no leito e alongou a vista por toda a enfermaria.
A irmã, ajoelhada a pequena distância do seu leito, orava em face de uma imagem da Senhora, que surgia de entre
festões de rosas brancas e rubras, entrelaçadas de modo a emoldurá-la. Reinava inteiro silêncio na enfermaria. As filas de leitos, estendidos ao longo do enorme salão, cobertos com lençóis de algodão, davam ao lugar o cunho adorável da ordem. Dentre o leve alaranjado dos lençóis surgiam as cabeças das enfermas magras e tristes, que olhavam quietas.
Seria meio-dia. O sol, quebrando os raios no calçamento e no areal das ruas, fazia com que se visse a evaporação do solo subir com uma vibração vítrea. O Passeio Público, em frente, farfalhava à viração da baía as poucas folhas que restavam ao seu arborizamento.
A canícula filtrava nos corpos uma quebreira invencível. Não se podia estar bem senão encurvado em uma rede violentamente agitada.
Eulália, sentada no leito, viu a imobilidade geral e, como não tivesse logo divisado a irmã, resolveu-se de novo a deitar-se.
A irmã, vendo o seu movimento, veio postar-se junto da sua cabeceira, e com uma voz de uma entoação maternal:
— Como está? Vai melhorzinha ?
— Muito melhor - respondeu voltando-se e, encarando com a irmã, acrescentou: - dei-lhe muito trabalho, minha senhora, não é verdade?
— Nenhum, minha filha, cumpri com o meu dever.
Houve uma pausa, durante a qual Eulália de quando em quando levantava os olhos para fitar a irmã, e esta, fingindo não perceber a curiosidade da moça, deixava observar-se e por sua vez observava. Via-se claramente que Eulália coligia recordações para saber qual era a posição social da mulher, tão esquisitamente vestida, que se conservava ao seu lado.
— Quem foi que me trouxe para aqui, pode dizer-me?
— Veio carregada por dois homens, por ordem do presidente.
— Mas eu não conheço o presidente.
— Não é preciso para que ele faça o bem. É um bom homem.
O silêncio interpôs-se de novo às duas vozes e só se rompeu de chofre com uma pergunta de Eulália.
— Mas diga-me onde estou, de quem é esta casa.
— É de todos os pobres: a Santa Casa da Misericórdia.
— Ah! - exclamou Eulália e, caiando-se, tentou esconder o rosto sob os lençóis.
— Sente-se mal, minha filha? - perguntou a irmã ocultando saber a causa do movimento de Eulália.
— Não é coisa séria, minha senhora; não se incomode. A irmã tinha-se colocado em frente de Eulália e, assentando-se no leito, segurou-lhe em uma das mãos. Depois, inclinando-se muito sobre ela, murmurou:
— Vexou-se de achar-se aqui, não é verdade? A todos acontece assim, mas não têm razão. Esta casa é de infelizes, mas não rebaixa.
— Oh! minha senhora, eu nem podia querer melhor; se soubesse quanto eu tenho sofrido!...
— Imagino, minha filha; ouvi ontem quando delirava.
— Sim, eu delirava ontem? Nem vi quando me trouxeram para aqui.
— É filha da cidade ou do sertão?
— Do sertão.
— E a sua família sabe que veio para o hospital? — Não - exclamou Eulália sentando-se; - não sabe, e a esta hora deve sofrer muito...
— Onde mora ela? Mandarei avisá-la.
— Não sei; ninguém pode dizer ao certo. Eu devia encontrar-me com ela hoje...
— Saiu então sem falar-lhe?
— Sim, eu sou muito desgraçada, minha senhora, muito desgraçada.
Em vão a irmã quis acalmar a sobreexcitação da doente; as lágrimas debulharam-se-lhe perenes e pôs-se a soluçar dolorosamente.
— Não se mortifique assim - observou a irmã. - Olhe; eu já sou sua amiga e não sairá daqui sem que esteja perfeitamente curada, e sairá somente para ver os seus parentes, porque eu lhe arranjarei um emprego aqui.
— Obrigada - murmurou Eulália -, mas não posso aceitar nada do que me oferece. Eu preciso sair hoje, já, agora mesmo.
— Não é possível, minha filha, só o médico lhe poderia fazer tal obséquio, e eu empenhar-me-ia com ele para que não o fizesse.
— Preciso - acrescentou Eulália; - quero salvar minhas irmãs.
— Não as salvará, porque irá recair e morrer.
— Ah! minha senhora - exclamou Eulália -, é porque não sabe quanto eu sou infeliz, não imagina que desgraça causa hoje a minha ausência; por isso opõe-se a deixar-me sair?
— Não está nas minhas mãos, filha; amanhã, só amanhã o médico lhe poderá dizer. A sua saída, porém, será a sua morte.
— Não posso, pois, sair?
— Não - respondeu a irmã ameigando a voz para tirar toda a aspereza da negativa. - Há de curar-se primeiro para então poder servir à sua família.
— Meu Deus, meu Deus, o que vão dizer elas de mim? Estou de uma vez para sempre condenada.
Eulália tinha razão quando assim pensava.
A tarde e a noite anteriores haviam gerado na imaginação de d. Ana as mais extravagantes idéias acerca do caráter da moça e do seu destino.
Um ponto estava de si para si definitivamente assentado: era que a sua sobrinha não passava de uma perdida. Tal era o motivo da repugnância que tinha do contato daquela, repugnância que não externava claramente para não ofender o pudor de Chiquinha.
Uma ponderação somente a fazia abrandar e dispor-se a ceder às solicitações da sobrinha, para que de novo se juntassem com Eulália. Não estaria esta arrependida do mau passo que dera? Ousaria ela querer enxovalhar a pobreza de suas irmãs? Não era possível que esta última hipótese fosse verdadeira; Eulália errou, mas não era uma perversa.
Entretanto, amanhecendo, d. Ana e suas sobrinhas foram colocar-se à porta da estação, junto ao bilheteiro, lugar em que não podiam deixar de ver todos os indivíduos que entravam para tomar o trem.
A caçula tinha fome, e tinha passado a noite a choramingar. O sono fê-la calar, mas, acordando, recomeçou as suas queixas e os seus pedidos.
— Não temos com que comprar comida; mas tua irmã, a tua mamãe, não tarda ai para dar-nos dinheiro - disse-lhe Chiquinha, afagando-a.
A criança consolou-se por algum tempo, mas não recomeçou o choro, desde que nos lábios da tia e das irmãs soaram palavras de esperança.
A locomotiva deu o primeiro, o segundo, o terceiro sinal; os circunstantes apertaram-se mais na plataforma; pessoas que vinham no largo puseram-se a correr.
As infelizes, com os olhos presos em quantas mulheres entravam, examinavam-nas de alto a baixo, como se temessem que a sobreexcitação em que estavam as fizesse não reconhecer logo Eulália.
O apito do condutor do trem anunciou a partida imediata, e a locomotiva, dando o primeiro arranco, fez soar o choque dos vagões uns contra os outros.
— Não veio - suspirou Chiquinha.
— Não veio - repetiu amargamente d. Ana, e acrescentou: - eu já esperava por isto.
— Foi por força de algum contratempo que sobreveio, titia; não pense mal de Eulália.
O choro da criança, ao ouvir o desengano cruel; a triste certeza de que a sua mamãe não viria, dobrando-se, fez com que o diálogo se interrompesse. A voz da coitadinha, chamando a família à realidade da sua posição, lembrou-a de que devia tratar de arranjar alguma coisa para comer.
Chiquinha, que tinha nos braços a caçula, foi postar-se em frente à família, e daí estendeu a mão aos transeuntes pedindo-lhes, em nome de Deus, uma esmola.
— Vá para a comissão - exclamavam uns. - Vá trabalhar. -exclamavam outros.
Mas no meio dessa indiferença marmórea pela desgraça alheia, algumas almas generosas depunham na mão da mocinha o óbolo, que ela abençoava fervorosamente.
Quando a multidão se dispersou, o bilheteiro, vendo a família e principalmente ouvindo algumas palavras dela, comiserou-se.
— Eu esperava por esta - dissera d. Ana; - e Eulália não se importa mais conosco.
— Pode ter-lhe acontecido algum desastre não é possível? - perguntou Chiquinha, amuada.
— É possível, mas era preciso muita infelicidade para nós.
— E duvida, minha tia? Alguém poderá acreditar no que nos tem acontecido?
D. Ana calara-se por algum tempo, mas afinal reatando a conversação exclamara:
— Seja como for, Chiquinha, eu não quero mais saber de Eulália. Perdeu-se, fique lá com o seu erro. Não quero comer à custa de um dinheiro que não chega honestamente às mãos dela. Quem lho dá? É um marido, é um irmão, é um parente? Não; quem lho dá é o causador da sua e da nossa desgraça. Eu não quero aproveitar-me de tal dinheiro.
Chiquinha pôs-se a soluçar e exclamou com a ingenuidade de seus 15 anos:
— Mas assim vamos morrer todas, porque no meio deste povaréu não há de haver meio de ganhar a vida.
— Melhor será morrer - ponderou severamente d. Ana; mas, notando na impressão que o seu tom causara à moça, ameigou a voz e acrescentou: - não morremos, não, minha filha; em toda parte há trabalho para os que se querem sujeitar. Demais, procuraremos o nosso velho amigo Rogério Monte, e quem sabe se não encontraremos por cá o sr. Augusto Feitosa? Tenhamos fé; antes sofrer honestamente do que receber socorros de mãos que não no-los devem dar.
Neste ponto da conversação, o bilheteiro veio parar em face de d. Ana, e, cumprimentando-a respeitosamente, fez-lhe algumas perguntas banais, com o intento de travar conversa.
— São de fora - disse ele por fim - e não conhecem aqui ninguém que lhes possa de pronto encaminhar, não é verdade?
D. Ana, a quem os oferecimentos espontâneos já eram suspeitos, olhou de soslaio para o interlocutor e entendeu que devia dissimular.
— É exato, mas nós como já estivemos aqui uma vez, conhecemos mais ou menos as ruas e podemos procurar alguns amigos que temos.
Chiquinha olhou para a velha tia e para o interlocutor de modo que este compreendeu que a honrada senhora buscava negar-se a segui-lo.
— Mas são parentes ou amigos que a senhora tem aqui? - perguntou o interlocutor. - Desculpe a minha importunação; sou daqui e sei que hoje é inútil procurar os amigos: não servem.
— Oh! os que eu vou procurar são sinceros.
— Não basta; é preciso que possam ser úteis agora.
— Trabalharemos.
— Mas em que hão de trabalhar?
— Serviços não faltam.
— Ouça, minha senhora; eu estava ali quando conversava e ouvi tudo. Sou pai de família, sei avaliar o quanto sofre, e que heroísmo é necessário para assim negar-se a ser protegida. Mas não deve desconfiar absolutamente de todos.
D. Ana abaixou a cabeça e Chiquinha, animada pelas palavras do desconhecido, perguntou-lhe:
— E o senhor pode dar-nos um lugar em que moremos?
— Posso recomendá-las num dos abarracamentos; serve?
— Muito - acudiu d. Ana; - já vejo que o senhor é um homem de bem.
— Deus há de agradecer-lhe o benefício - exclamou Chiquinha; - nós estávamos em termos de morrer.
Caminharam através do largo, diversas ruas e praças, até que o homem, parando em uma porta, deu à família um cartão em que escrevera algumas palavras.
— Esta é a casa do comissário; esperem por ele e filem-lhe; é o primeiro pedido que lhe faço e ele há de atender-me; se não o fizer, vão falar-me amanhã lá na estação.