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110 | 40 anos no interior do Brasil: aventuras de um engenheiro ferroviário

Na manhã seguinte se voltou para lá e para cá com as negociações, pois o campamento do Dr. Salana ficava a menos de um quilômetro do outro lado do barranco, através do qual murmurava um riacho. Eu me aborreco e reclamei de não termos um mero jogo de xadrez e alguém com quem se pudesse jogar. “Eu jogo”, disse o secretário do Sr. Ryant. Tratava-se então de encontrar somente um jogo. Naturalmente que não havia nenhum lá. Mas é preciso saber se virar. Um tabuleiro foi improvisado sobre um papel de desenho; agora tratava-se de conseguir as peças. Eu sabia que no campamento de Salana havia uma farmácia, de onde eu queria arranjar frascos de cortiça de diferentes tamanhos que podiam servir como peças. Desci primeiro um barranco e depois subi um morro em direção ao campamento do Dr. Salana e procurava pelas cortiças na farmácia, quando ouvi gritos e discussão. É que nesse meio tempo uma tropa de trabalhadores havia chegado ao outro campamento, no qual nós havíamos passado a noite e nosso indiscreto tesoureiro os havia instigado e disse a eles que deviam somente receber um recibo do Dr. Salana, que pagaria imediatamente. Então eles desceram o morro de assalto e exigiram o recibo. O Dr. Salana sacou o seu revólver e perguntou a eles se queriam receber o recibo na cabeça ou na barriga; os empregados e encarregados de Salana precipitaram-se para fora da casa armados com espingardas Winchester; os dois americanos e o engenheiro do governo procuraram intervir; os trabalhadores puxaram suas facas, alguns revólveres, todos gritavam numa bagunça. O terceiro americano estava escorado na parede da casa, eu me juntei a ele. O engenheiro do governo gritou: “Eu sou a autoridade! Sem derramamento de sangue!” e tomou dos empregados algumas espingardas, mas estes saltavam para dentro da casa e imediatamente voltavam para fora armados com novas espingardas. Era um tumulto indescritível. Eu tinha o revólver pronto para disparar no bolso do casaco, caso alguém viesse muito perto da barriga. O americano, ao lado do qual eu estava, tinha os braços cruzados sobre o peito, de modo que seu revólver descansava fora da vista embaixo da axila, uma ótima pose, que em tais situações me chamava a atenção. Eu me senti como se estivesse no teatro ou na