Página:40 anos no interior do Brasil.pdf/54

Wikisource, a biblioteca livre
54 | 40 anos no interior do Brasil: aventuras de um engenheiro ferroviário

balançando a cabeça. Mesmo assim ficou refletindo sobre o problema do “sono rápido”, mas não conseguiu encontrar uma solução. Jornada de trabalho de 20 horas parecia bastante ruim, mas na construção, enquanto cada trem era carregado ou descarregado com terra ou pedras, o condutor tirava uma soneca. Seja como for, a exploração extra não era habitual; no funcionamento da ferrovia as coisas eram mais tranquilas.

Fui chefe de seção em 1894, quando ainda não se podia falar de “funcionamento” no trajeto recém-construído.[1] Um trem de passageiros e dois a no máximo três trens de carga, ou às vezes nenhum, constituem o serviço do dia. Após minha nomeação, quando eu saltei pela primeira vez do meu ramal na estação inicial para a locomotiva do trem de carga, pisei em algo macio e quase cai; ao mesmo tempo uma alma atormentada de cachorro soltou um grito alto. Eu havia pisado no rabo de um belo perdigueiro que estava deitado aos pés do maquinista.

“O que é isso, Gabriel?”, perguntei ao maquinista.

“Esta é minha Kora!” Respondeu bem sossegado.

“Então ela vai junto?”.

“Ela sempre vai junto, e o senhor deveria ver como é um animal inteligente!”, e com severidade disse para Kora: “saia e pergunte pela autorização de partida!” O cachorro saiu, e desapareceu no prédio da estação. Então o maquinista puxou uma única vez, rapidamente, o apito da locomotiva e num instante o cão voltou, pulou na máquina e escondeu-se sob os pés do seu dono. Eu não queria parecer tão severo e por isso não disse nada aos outros. O trem partiu e atravessou as muitas curvas no campo acidentado da linha. Estes Campos Gerais[2] têm uma magia própria; aparentemente monótonos, mas revelam em cada curva da linha outras formações em uma tonalidade que parte do cinza-claro e marrom como

 

  1. É muito provável que o autor se refira aqui à Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande (EFSPRG), cuja construção então avançava em sua linha Norte (entre Itararé e Ponta Grossa). (NdH)
  2. Campos Gerais do Paraná é uma expressão que denomina uma ampla região geográfica associada a “ [...] campos limpos e matas galerias ou capões isolados de floresta ombrófila mista, onde aparece o pinheiro araucária”. In.: DICIONÁRIO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DOS CAMPOS GERAIS. Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa, s. p. Disponível em https://www2.uepg.br/dicion/os-campos-gerais-do-parana/#os-campos-gerais Acessado em 13/11/2020. (NdH)