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74 | 40 anos no interior do Brasil: aventuras de um engenheiro ferroviário

máquina parou depois de pouco tempo. Calados, observávamos o mar de fogo, do qual nos parecia impossível nos aproximarmos e cujo ardor parecia querer nos repelir dali. Um instante depois, o brasileiro disse, com a voz marcada pelo nervosismo:

“Nós vamos mesmo entrar neste inferno?”

“Claro que vou entrar!”, gritou o estadunidense exaltado, o qual era o gerente da serraria. “Eu tenho que ver o que ainda pode ser salvo!”

“A morte está lá à nossa espera!”, exclamou o brasileiro.

“Que Calmon está queimando, isso nós podemos ver”, disse o polonês.

“Mas o que pretendemos nós cinco, estando mal armados, contra os Fanáticos, os quais, em todo caso, já estão à espreita do trem de passageiros a fim de atacá-lo? E o que nós vamos fazer para combater o fogo?”

Para dar um fim à conversa-mole, propus que fizéssemos uma votação, o que acabou sendo consenso. O estadunidense foi o único que era a favor de seguir em frente; todos os outros foram contra.

“Portanto, voltemos!”, ordenei, e vagarosamente nos voltávamos de novo em direção à escuridão da floresta.

A coragem é uma coisa estranha. Refletindo racionalmente, seria considerado de fato loucura ir até Calmon, onde com toda certeza éramos esperados pelos incendiários assassinos. Mas nós não teríamos chegado a essa reflexão não fosse a parada automática do maquinista e não fosse a pergunta do brasileiro sobre o que deveríamos fazer. Teríamos ido em direção à morte certa, como pudemos ficar sabendo mais tarde.

Sem contratempo algum, atingimos a última Casa de Turma, acoplamos a locomotiva diante dos vagões e fizemos o trajeto de volta, silenciosamente. Em todos ainda estava viva a agitação da importante decisão, e nós estávamos todos alegres de ter escapado a esse perigo sem que por isso tivéssemos de censurar de alguma maneira nossa coragem viril. Trouxemos todas as mulheres e crianças das Casas de Turmas a bordo. As pessoas, agitadas, faziam uma algazarra que se supunha ser a de um navio de emigrantes. Nisso já eram quatro horas da manhã. Em São João, onde