Página:A Chave do Tamanho (Lajolo).pdf/12

Wikisource, a biblioteca livre

mensão da guerra, uma guerra mundial que, assim como a atitude de Emília, trouxe conseqüências para todos os seres humanos, independentemente de posições geográficas, ideológicas, sociais e políticas. Dessa forma, os acontecimentos mostrados ficcionalmente por Lobato adquirem um caráter universal e se subordinam às suas estratégias de trazer o tema da guerra mundial às crianças brasileiras, enfatizando que todos os países, todas as economias, todas as sociedades são atingidas por um confronto dessa proporção.

É possível reconhecer nos fatos reais (a guerra) e ficcionais (a perda do tamanho) conseqüências semelhantes como, por exemplo, o sofrimento e a destruição. Tanto a redução do tamanho quanto a guerra são ações cujos alvos são os próprios seres humanos e, mesmo que a primeira delas vise ao fim da segunda, ambas acabam tendo a mesma conseqüência: mortes em demasia – principalmente de pessoas que não estão envolvidas diretamente, nem são as causadoras da situação.

A pesquisadora Adriana Vieira,[16] em sua tese, entende a redução dos seres humanos – tema já tratado na literatura infantil, como em Alice no país das Maravilhas e Viagens de Gulliver – “como a criação de um novo ponto de vista para a reflexão sobre o mundo, a história e a humanidade” (p. 163). Esse “novo ponto de vista” é defendido pelas crianças do sítio que, no plebiscito proposto por Emília para deliberar sobre a permanência do apequenamento, votam a favor da manutenção da “nova ordem”. No entanto, venceu o voto conservador (dos adultos e do Visconde), que defendiam a volta do tamanho:

– E agora – continuou Emília – quem não quiser o tamanho, levante o pé!

A criançada inteira levantou o pé. Eram radicais. Não tinham idéias emperradas na ca-
beça. Gostavam de mudanças. Emília contou os votos. Narizinho, Pedrinho e Juquinha.
Três votos destamanhudos. (...)
– Quem quiser a volta do tamanho, levante a mão.

– Os adultos ali presentes levantaram a mão. Eram conservadores, com idéias emper-
radas na cabeça e preferiam que tudo voltasse a ser como antigamente. Emília contou os votos. Dona Benta, Tia Nastácia, o Coronel. Três votos tamanhudos.
(p. 84)

Assim, ao retratar a guerra, A chave do tamanho – um dos últimos livros escritos por Monteiro Lobato – extrapola a tentativa de meramente ficcionalizar o conflito. Ao retratar a diminuição dos humanos, que foram praticamente reduzidos ao tamanho de “insetos”, o que está em questão não é mais o poder que certos homens detinham, nem o capital, e sim a sobrevivência. Melhor dizendo, o que está em questão é o modern way of life e o sistema ao qual se subordina; o que está em questão nessa obra é a própria vida e a maneira pela qual a conduzimos, que mundo criamos e desejamos para nós mesmos.

O que não deixa de ser uma forma interessante de pensar a História e articulá-la com a Literatura.

382
Proj. História, São Paulo, (32), p. 371-383, jun. 2006