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Assim, as críticas ao progresso que se encontram em A Chave do Tamanho, dialogam com diferentes posturas que, ante o tema, Monteiro Lobato expressou ao longo de sua obra. Como ele, o Dr. Barnes vê a guerra de 1939 como conseqüência da já longínqua conquista do fogo.

Como justificar a mudança de posição de Monteiro Lobato? Talvez pelo contexto de produção da obra: A Chave do Tamanho (1942) foi escrita em meio à Segunda Guerra, e em uma época triste para Lobato, que conheceu derrotas pessoais no campo do petróleo, e problemas graves na vida particular. Ficou alguns meses na prisão em 1941 e, nessa época, seu filho Edgard lutava contra a tuberculose, da qual veio a falecer a 13 de fevereiro de 1943.

Mas essa perspectiva negativa ante o “progresso” das sociedades industriais coexiste, na história, com uma nova utopia: Emília, talvez porta-voz de Lobato, entusiasma-se com a “nova” civilização que está sendo construída em terras americanas, a já mencionada Pail City:

– Estou gostando de sua “atividade adaptativa”, doutor. Fazer tanta coisa em tão pouco
tempo até me parece milagre. Acha que o homem pode subsistir, assim reduzido de
tamanho?

– Perfeitamente. Não só subsistir como até criar uma nova civilização muito mais agra-
dável que a velha – sem os horrores da desigualdade social da fome, das bliztkriegs e
das inúmeras complicações criadas pelos inventos mecânicos (p. 74).

Embora o apequenamento tenha destruído a “civilização do progresso”, da qual, segundo o próprio Lobato, os Estados unidos seriam o grande emblema, a construção da nova sociedade dá-se em terras americanas, que aparece assim como berço do “novo mundo”. Na representação de outros países, como a Alemanha, o Japão e a Rússia – também eles presença importantíssima da guerra em curso –, a necessária reformatação social não se concretiza. O tom satírico com que Emília trata os dirigentes da Alemanha e do Japão intensifica a diferença que o livro postula entre os Estados Unidos e esses países, com o que, talvez, o leitor se incline para os aliados. No caso da Alemanha, acentuando o tom cômico do texto, Emília rebaixa a figura de Hitler:

[...] o ditador que levou o mundo inteiro à maior das guerras, e destruía cidades e mais
cidades com seus aviões e afundava navios com seus submarinos, e matava milhões e
milhões de homens com seus canhões e as suas metralhadoras – o homem mais pode-
roso que jamais existiu. Tudo isso por quê? Porque tinha oito palmos e meio de altura.
Assim que foi reduzido a quatro centímetros, todo seu poder evaporou-se. Ele, se é que
não foi para o papo de algum pinto sura, permanece o mesmo, com a mesma energia

Proj. História, São Paulo, (32), p. 371-383, jun. 2006
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