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mental, com a mesma disposição destruidora e a mesma vontade de aço – mas não pode mais nada. (p. 67)

O procedimento de desqualificação é igualmente aplicado à descrição do Imperador do Japão: “O Visconde espantou o Gato Imperial e tomando a tampa de caneta virou-a de boca para baixo, sacudindo-a. Caiu de dentro uma tripinha cor de cuia. Era o Imperador do Japão, o Filho do Sol...” (p. 69). Quando se refere à Rússia, Emília aponta apenas para as conseqüências trágicas da perda do tamanho, negando-se, no entanto, a assumir a responsabilidade pela tragédia que havia causado com o “apequenamento”. Sensível à baixa temperatura, porém insensível ao drama coletivo, decide ir para a Califórnia:

[...] O frio era horrível, muitos graus abaixo de zero, e aqueles milhões de homens que os Ditadores tinham remetido para os gelos estavam todos mortos.

(...) Nem procuraram sair de dentro das roupas desabadas, porque então morreriam ainda mais depressa no entanguimento do frio exterior.

(...) Em minutos, porém, os exércitos alemães e soviéticos viraram picolés. (p. 69) (...) E como começasse a ficar entanguida, deu ordem ao Visconde de ir para um bom clima, dos quentinhos.

– África? – perguntou o milho.

– Não. Califórnia – respondeu Emília com pensamento em Holywood. (p. 70)

Ao informar seus leitores que a boneca estava “com o pensamento em Holywood”, o narrador onisciente reforça a valorização dos EUA, retomando-se, assim, o ponto de vista que Monteiro Lobato assumira em cartas e artigos escritos anteriormente, sobretudo no período em que viveu em Nova York.

A Chave do Tamanho registra que o horror da guerra ecoava por todo o mundo, chegando ao Sítio do Picapau Amarelo. Como é provável que ocorresse na casa de vários leitores de Lobato, as notícias que chegavam sobre os conflitos entristeciam D. Benta, e assim, faziam “anoitecer o Sítio do Picapau Amarelo” (p. 9). Narizinho, argumentando que aquilo ocorria muito longe dali, tentava consolar a avó, que redargüia com uma ima-gem biológica da humanidade:

– Não há tal, minha filha. A humanidade forma um corpo só. Cada país é um membro desse corpo, como cada unha, cada mão, cada braço ou perna faz parte do nosso corpo. Uma bomba que cai numa casa de Londres e mata uma vovó de lá, como eu, e fere uma netinha como você ou deixa aleijado um Pedrinho de lá, me dói tanto como se caísse aqui. (p. 9)

Se pudermos considerar D. Benta nessa passagem um alter ego de Lobato, vislum-

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Proj. História, São Paulo, (32), p. 371-383, jun. 2006