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bram-se aqui alguns traços do pensamento lobatiano sobre a guerra. Ao repudiar a violência da guerra, Lobato, pela voz de Dona Benta, estabelece uma comparação entre a sociedade e o corpo humano. Essa comparação aparece também em “O pai da Guerra” (A Onda Verde),[11] onde Lobato considera que cada parte do organismo possui uma função, assim como cada elemento na guerra. O Estado impõe a guerra e escraviza os vencidos, representando, assim, a força intelectual, o cérebro. O povo é o maior prejudicado, é quem perde e morre nos combates, é a força física, os pés e as mãos. O autor define a guerra como o “cancro” que massacra o homem, que destrói a civilização.

Emília, na obra de ficção, tentava conter esse “cancro” de que o autor se ocupara no ensaio anterior. Porém, o problema não foi inteiramente resolvido. Com o “apequenamento”, as guerras cessaram, mas as catástrofes não. Milhares de pessoas morreram asfixiadas no momento da perda do tamanho, outras milhares foram devoradas por animais domésticos, e muitas outras ainda morreram entaladas, surpreendidas em esconderijos ao voltar ao tamanho normal.

A impassibilidade de Emília, ante tais tragédias, parece encontrar eco em uma carta de Lobato a Artur Coelho de 1º de agosto de 1943 ou 1944 (não se sabe o ano exato), publicada em Cartas Escolhidas, na qual Lobato defende a idéia de que a guerra devia destruir as pessoas e não as construções, antecipando – não se sabe se com ironia – a idéia da bomba de nêutrons:

A desgraça da guerra atual é matar muito pouca gente e destruir muita “coisa feita”.
A coisa feita é que constitui a riqueza do mundo, como obra do aturado trabalho das
gerações. Destruir isso é o maior dos crimes imagináveis – ao passo que destruir gente
é apenas sangria aliviadora do grande mal que é o excesso de gente.[12]

Segundo o escritor, se a parte construída de Nova York fosse destruída, haveria um transtorno para os moradores que teriam de povoar outro lugar. No entanto, se só pessoas fossem destruídas, em pouco tempo, a cidade seria repovoada. Para Lobato, o desenvolvimento após a Primeira Guerra Mundial foi possível graças ao fato de a guerra ter atingido apenas as pessoas, e não as “coisas materiais”.

O desprezo pela raça humana também aparece em História do Mundo para as Crianças (1933). Embora anterior ao conflito, a obra foi acrescida, em edições posteriores, de episódios relativos à Segunda Guerra Mundial, e nela o autor, pela boca de D. Benta, comenta que a humanidade admira os Napoleões, Aníbais e Alexandres por terem realizado grandes proezas, grandes conquistas e matado milhões de pessoas.

Observa-se, portanto, que a questão bélica e todas as suas conseqüências são freqüentemente discutidas nas obras de Lobato. Ora de uma maneira fria e racional, como se observa na carta a Artur Coelho e em algumas falas de Emília; ora de maneira passional,

Proj. História, São Paulo, (32), p. 371-383, jun. 2006
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