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VIAGENS MARAVILHOSAS

ameaçara de o mandar embora, se o tornasse a achar em culpa ! Matakit promettia não tornar a cair em outra, chorava, pedia perdão, e no dia seguinte, se se offerecia occasião para isso, tornava a começar.

Os furtos não eram de ordinario muito importantes. O que particularmente excitava a sua cobiça não eram cousas de grande valor ; eram uma faca, uma gravata, um porta-lapis, alguma bagatella d'este genero. Mas ainda assim custava muito a Cypriano ver similhante defeito em uma natureza tão sympathica.

«Esperemos!... esperemos! dizia elle com os seus botões. Talvez eu ainda consiga fazer-lhe perceber o mal que ha em furtar assim !»

E Cypriano, ao mesmo tempo que o via dormir, ia pensando n'aquelles contrastes extraordinarios que só podiam ser explicados pelo tempo que Matakit passára entre os selvagens da sua casta!

Ao cair da noite o joven cafre acordou tão fresco, tão bem disposto, como se não tivesse soffrido duas ou tres horas de suspensão quasi completa das funcções respiratorias. Agora já podia contar o que tinha acontecido.

O balde, que accidentalmente se lhe encaixára no rosto, e uma comprida escada, que formára como que um botaréu por cima d'elle, tinham-n'o primeiro protegido contra os effeitos mecanicos do desabamento, e depois, serviram para o livrar por bastante tempo da completa asphyxia, por isso que lhe tinham deixado no fundo d'aquella prisão subterranea uma pequena provisão de ar. Elle percebeu muito bem tão feliz circumstancia e fez toda a diligencia para a aproveitar, respirando apenas com demorados intervallos. Mas o ar tinha-se viciado pouco a pouco. Matakit ia sentindo obscurecer as suas faculdades. Finalmente tinha caído como que n'um somno pesado e angustioso, do qual de vez em quando despertava ape-