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VIAGENS MARAVILHOSAS

como em incoherente batalha. Áquellas creações de febre vinham por vezes acrescentar-se impressões externas. Foi sobretudo horrivel quando, no meio de uma tempestade de uivos de chacaes, de miadellas de gatos-tigres, de risadas de hyenas, o doente inconsciente continuava laboriosamente o romance do seu delirio e julgou ouvir um tiro de espingarda, que foi seguido por um grande silencio. Depois o infernal concerto continuou em crescendo, prolongando-se até ao dia.

Sem duvida Cypriano teria passado, durante aquella miragem e sem o sentir, da febre ao eterno repouso, se não viesse atravessar-se ao curso natural das cousas o maior acontecimento e na apparencia mais extravagante que se pode imaginar.

Chegára a manhã, já não chovia, e o sol já estava bastante alto. Cypriano acabava de abrir os olhos. Observava, mas sem curiosidade, um abestruz de grande estatura, que se approximava d'elle e que por fim parou a dois ou tres passos.

«Será o abestruz de Matakit?» perguntou elle a si mesmo, continuando com a sua idéa fixa.

Foi o proprio abestruz que se encarregou de lhe responder, — e o que mais é, de lhe responder em bom francez.

— Não me engano!... Cypriano Méré!... Meu pobre camarada, que diacho fazes tu aqui?

Um abestruz que fallava francez, um abestruz que sabia o nome d'elle, eram certamente cousas que causariam admiração a uma intelligencia ordinaria e qUe estivesse no estado normal. Pois bem! Cypriano nada se espantou d'aquelle phenomeno inverosimil e achou-o naturalissimo. Outros mais extraordinarios tinha elle visto em sonhos durante a noite precedente! Este pareceu-lhe simplesmente a consequencia do seu desconcerto mental.

— Olhe lá, senhor abestruz, vossê é mal creado! respondeu elle. Quem lhe deu o direito de me tratar por tu?