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O relógio do escritório marcava seis horas quando o dr. Teles e o padre Assunção entraram em casa de Argemiro. Teles resplandecia. Tinha falado nessa quarta-feira na Câmara. Via-se-lhe na cara, nua de pelos, a vaidade, e todo o corpo emproado num terno de sobrecasaca cor de avelã, parecia empertigar-se com mais satisfação. De vez em quando, ele olhava com um sorrisinho para as unhas reluzentes, como se relesse nelas o seu discurso famoso e sensacional...

Assunção vinha triste, com um ar fatigado, que mal dissimulava, dizendo-se amolecido por uma grande caminhada a pé. Enquanto os outros, com o cálice de vermute na mão, discutiam o último escândalo da Câmara, ele, recostado no divã, levantou o olhar para o retrato de Maria, suspenso na parede em frente, com o seu doce perfil de loura a esvair-se já no embranquecimento das tintas.

A beleza... a bondade... a juventude... tudo com o tempo se esvai, como o fumo delével. Na curta passagem da vida, confundem-se à distância todos os traços, os que marcam os caminhos da alegria, como os que vêm da tristeza... A saudade do passado é o nevoeiro que envolve tudo na mesma claridade enganadora e opaca...