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A REVISTA

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nharia em m'o dizer, mas por um seu amigo, o João, que fazia maus versos e só fallava nelles. João não era pouco intelligente pelo facto de fazer maus versos, o que é uma crise commum na sua idade, mas sim por sò fallar nelles, sendo mais do que indiscreção, pois João jà era maduro. Mas, reatando, Simão dizia que esta desconfiança vinha do meu genio um tanto alegre e ironico, ficando elle receioso de se expandir em minha presença. Havia muito, tendo notado o seu afastamento, que procurava captar, de novo, a sua amizade, porque Simão era um rapaz intelligente e de bons sentimentos, e tambem por serem amigas as nossas familias. Sendo elle bom e intelligente, não me foi difficil conseguir, pela segunda vez, a sua amizade. Mas o que nunca consegui foi saber porque o haviam appellidado «o mathematico». Simão não tinha grande queda para a sciencia dos numeros, mas isto não quer dizer que elle fosse incapaz de comprehender. Fosse por não estudar, ou por não se interessar em comprehendel-as, o certo é que Simão não sabia nada de mathematicas.

Ultimamente, havia mudado muito, De folgazão que era, passou a contemplativo e melancholico. Se mudar de genio equivale a mudar de habitos, Simão havia mudado inteiramente de habitos. De amante de festas passou a amante da natureza, que, segundo elle, «não deixa de ser uma eterna festa para os que a sabem comprehender e emprestar, a ella, um pouco de sua vida, o que equivale a um pouco de movimento.» Podemos dizer que Simão não se contentava com este pouco, emprestando á natureza toda sua vida, dahi o andar elle melancholico, e mesmo, se quizerem, com vontade de abandonar os homens. Não preciso dizer que Simão era desattento nas conversas, as poucas que consentia aos amigos, pois elle não se entregava mais a este prazer, que segundo dizia, «obriga o homem a sahir de si mesmo e viajar pelos outros, trazendo comsigo, quasi sempre, uma desillusão.

Para conciliar o seu amor da natureza com o seu desamor dos homens, pois elle vivia na cidade, Simão sahia todas as tardes e manhans, em demorados passeios pelos parques. Por fim elle não se contentava mais em sahir duas vezes ao dia, vivendo, mesmo, num delirio ambulatorio. Quando não o era pelos parques, era pela rua. Diziam uns que elle era um homem desilludido da vida, sendo ou não verdade, o que não resta duvida é que elle vivia em convivio com a natureza, mesmo dormindo. Pois, saibam os senhores, não aconteceu só uma vez, Simão fallar, altas horas e de olhos fechados, que estava em colloquio com os regatos e, muitas vezes mesmo, ouvindo fallar as seivas das arvores. Alguem achava que era amor, mas o que penso ser certo é que era loucura.