Página:A alma encantadora das ruas (1910).pdf/117

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uma vasta sala estreita e comprida, inteiramente em treva. A atmosfera pesada, oleosa, quase sufoca. Dois renques de mesas, com as cabeceiras coladas às paredes, estendem-se até o fundo cobertas de esteirinhas. Em cada uma dessas mesas, do lado esquerdo, tremeluz a chama de uma candeia de azeite ou de álcool.

A custo, os nossos olhos acostumam-se à escuridão, acompanham a candelária de luzes até ao fim, até uma alta parede encardida, e descobrem em cada mesa um cachimbo grande e um corpo amarelo, nu da cintura para cima, corpo que se levanta assustado, contorcionando os braços moles. Há chins magros, chins gordos, de cabelo branco, de caras despeladas, chins trigueiros, com a pele cor de manga, chins cor de oca, chins com a amarelidão da cera nos círios.

As lâmpadas tremem, esticam-se na ânsia de queimar o narcótico mortal. Ao fundo um velho idiota, com as pernas cruzadas em torno de um balde, atira com dois pauzinhos arroz à boca. O ambiente tem um cheiro inenarrável, os corpos movem-se como larvas de um pesadelo e essas quinze caras estúpidas, arrancadas ao bálsamo que lhes cicatriza a alma, olham-nos com o susto covarde de coolies espancados. E todos murmuram medrosamente, com os pés nus, as mãos sujas:

– Não tem dinheiro... não tem dinheiro... faz mal!

Há um mistério de explorações e de horrores nesse pavor dos pobres celestes. O meu amigo