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baralhos e dados. Parece incrível que um realejo, moendo os sinos, dê dinheiro para tantos vícios. Pois José tem ainda dinheiro para ir à Itália ver Nápoles e depois voltar. Já lá foi mais de vinte vezes.

Está claro que a música, tendo por fim adoçar os costumes, não arrasta todos os seus cultores aos desvarios do monte e da roleta. Há realejos que sustentam numerosas famílias, como o do Vicente, italiano falsamente cego, que desconfia dos filhos, joga a bisca a milho nos botequins das Ruas Formosa e do Areal e já adquiriu alguns prédios; há realejos escravizadores, como o do Antônio Capenga, da estação do Mangue, que espanca os dois pequenos cobradores se por acaso deixam passar um bonde sem lhes dar nada, embora o bonde vá vazio – porque Antônio tem amantes e, à custa de sons que na sua algibeira retinem em moedas, resolveu a vida epicuristamente nos três princípios fundamentais: mulheres, jogo e vinho; há realejos solteiros malandros, realejos virgens prontos para a fuga.

A música chega mesmo em certos casos a harmonizar dissabores num acorde feliz. É o caso do Amaral carpinteiro. Este Amaral cortou certa vez a mão com uma enxó. Meteu a dita mão em ataduras e resolveu nunca mais trabalhar. Ao contrário do pastor Jacó, sete anos levantou de papo para o ar compondo versinhos; dedicou-se em seguida a vender modinhas – era o Araruama. E nesse serviço descobriu-se vocações musicais.

Hoje é sumidade, é o Caruso das Ruas de S.