Página:A alma encantadora das ruas (1910).pdf/151

Wikisource, a biblioteca livre

– Guardo religiosamente esta profunda resposta.

Os do reisado cantam agora uma certa marcha que faz cócegas. Os versinhos são errados, mas íntimos e, sibilizados por aquela gente ingenuamente feroz, dão impressões de carícias:

Sussu sossega
Vai dromi teu sono
Está com medo diga,
Quer dinheiro, tome!

Que tem Sussu com a Epifania? Nada. Essas canções, porém, são toda a psicologia de um povo, e cada uma delas bastaria para lhe contar o servilismo, a carícia temerosa, o instinto da fatalidade que o amolece, e a ironia, a despreocupada ironia do malandro nacional.

– Mas por que, continuo eu curioso, põem vocês junto do rei Baltasar aquele boneco de cacete?

– Aquele é o rei da capoeiragem. Está perto do Rei Baltasar porque deve estar. Rei preto também viu a estrela. Deus não esqueceu a gente. Ora não sei se V. Sa conhece que Baltasar é pai da raça preta. Os negros da Angola quando vieram para a Bahia trouxeram uma dança chamada cungu, em que se ensinava a brigar. Cungu com o tempo virou mandinga e S. Bento.

– Mas que tem tudo isso?...

– Isso, gente, são nomes antigos da capoeiragem. Jogar capoeira é o mesmo que jogar mandinga.