Página:A alma encantadora das ruas (1910).pdf/170

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seguida gargolejava o grupo vestido de vermelho e amarelo com lantejoulas d’ouro a chispar no dorso das casacas e grandes cabeleiras de cachos, que se confundiam com a epiderme num empastamento nauseabundo. Ladeando o bolo, homens em tamancos ou de pés nus iam por ali, tropeçando, erguendo archotes, carregando serpentes vivas sem os dentes, lagartos enfeitados, jabutis aterradores com grandes gritos roufenhos.

Abriguei-me a uma porta. Sob a chuva de confetti, o meu companheiro esforçava-se por alcançar-me.

– Por que foges?

– Oh! estes cordões! Odeio o cordão.

– Não é possível.

– Sério!

Ele parou, sorriu:

– Mas que pensas tu? O cordão é o carnaval, o cordão é vida delirante, o cordão é o último elo das religiões pagãs. Cada um desses pretos ululantes tem por sob a belbutina e o reflexo discrômico das lantejoulas, tradições milenares; cada preta bêbada, desconjuntando nas tarlatanas amarfanhadas os quadris largos, recorda o delírio das procissões em Biblos pela época da primavera e a fúria rábida das bacantes. Eu tenho vontade, quando os vejo passar zabumbando, chocalhando, berrando, arrastando a apoteose incomensurável do rumor, de os respeitar, entoando em seu louvor a "prosódia" clássica com as frases de Píndaro – salve grupos floridos, ramos floridos da vida...