Página:A alma encantadora das ruas (1910).pdf/176

Wikisource, a biblioteca livre
Cordôes

povo que fala. Vê o que é para ele a maior parte dos acontecimentos.

– Quantos cordões haverá nesta rua?

– Sei lá – quarenta, oitenta, cem, dançando em frente à redação dos jornais. Mas, caramba! olha o brilho dos grupos, louva-lhes a prosperidade. O cordão da Senhora do Rosário passou ao cordão de Velhos. Depois dos Velhos os Cucumbis. Depois dos Cucumbis os Vassourinhas. Hoje são duzentos.

– É verdade, com a feição feroz da ironia que esfaqueia os deuses e os céus – fiz eu recordando a frase apologista.

– Sim, porque a origem dos cordões é o Afoxé africano, em que se debocha a religião.

– O Afoxé? insisti, pasmado.

– Sim, o Afoxé. É preciso ver nesses bandos mais do que uma correria alegre – a psicologia de um povo. O cordão tem antes de tudo o sentimento da hierarquia e da ordem.

– A ordem na desordem?

– É um lema nacional. Cada cordão tem uma diretoria. Para as danças há dois fiscais, dois mestres-sala, um mestre de canto, dois porta-machados, um achinagú ou homem da frente, vestido ricamente. Aos títulos dos cordões pode-se aplicar uma das leis de filosofia primeira e concluir daí todas as idéias dominantes na populaça. Há uma infinidade que são caprichosos e outros teimosos. Perfeitamente pessoal da lira: – Agora é capricho! Quando eu teimo, teimo mesmo!