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a substituir o campo de torneio medieval.

– É mais deslavado que as pedras da rua!

Frase em que se exprime uma sem-vergonhice inconcebível.

– É mais velho que uma rua!

Conceito talvez errado porque há ruas que morrem moças.

Às vezes até a rua é a arma que fere e serve de elogio conforme a opinião que dela se tem.

– Ah! minha amiga! Meu filho é muito comportado. Já vai à rua sozinho...

– Ah! meninas, o filho de d. Alice está perdido! Pois se até anda sozinho na rua!

E a rua, impassível, é o mistério, o escândalo, o terror...

Os políticos vivem no meio da rua aqui, na China, em Tombuctu, na França; os presidentes de república, os reis, os papas, no pavor de uma surpresa da rua – a bomba, a revolta; os chefes de polícia são os alucinados permanentes das ruas; todos quantos querem subir, galgar a inútil e movediça montanha da glória, anseiam pelo juízo da rua, pela aprovação da via pública, e há na patologia nervosa uma vasta parte em que se trata apenas das moléstias produzidas pela rua, desde a neurastenia até à loucura furiosa. E que a rua chega a ser a obsessão em que se condensam todas as nossas ambições. O homem, no desejo de ganhar a vida com mais abundância ou maior celebridade, precisava interessar à rua. Começou pois fazendo discursos em plena ágora, discursos que, desde os tempos mais remotos aos