Página:A alma encantadora das ruas (1910).pdf/91

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mais este volume de quebra sobre as feras que devoram o homem, as feras morais...

Os outros não pairam em regiões tão espirituais. Há os solenes – o velho Maia, que aprecia as encadernações vermelhas; foi guarda-livros e virou para a infelicidade quando, um dia, se lembrou de decorar todo o dicionário latino de Saraiva. Há os que têm apelido – Espelho de Psyché, pobre homem, negociante, que a má sorte faz andar agora de cesta ao braço, com uma fita verde no chapelinho. Há os escandalosos relapsos – o Conegundes, negralhão de cavanhaque, gritador. Há os que durante o trabalho percorrem as tabernas, e para impingir aos caixeiros um dos volumes ingerem em cada uma dois da branca – o Artur. Há os que têm admirações literárias – o Camões, zanaga, que vos recita o I Canto dos Lusíadas de cor. Há os alegres, um turbilhão deles, que apregoam dois dias na semana para descansar os outros cinco. Há os que têm a arte do pregão e, longe de ir com um embrulhinho perguntar à casa do comprador se quer ficar com a História de Carlos Magno, soltam a voz em gorjeios estentóricos, como o Noite Sonorosa:

Meu Deus, que noite sonorosa!
O céu está todo estrelado.
Eu com o cavaquinho na mão
E a morena ao lado.

Isto em pleno dia.

Cada sujeito desses pode passar a vida bem. As livrarias vendem baratíssimo os livrecos procurados.