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a campanha de canudos


Envergando uma tunica de pauno commura e cor azul, com a barba e os cabellos intonsos, arrimado a um nodoso bastão, mostrando nas faces a pallidez dos ascetas, e nos pés trazendo as sandalias de peregrino, o fanatico de Canudos vivia rodeado de centenas de admiradores e proselytos.

Assim das cercanias desse logar, como de pontos mais afastados, até onde chegava a fama do sancto, vinham troços de homens e mulheres, velhos e creanças, doentes e sãos, com o fim de ouvir e consultar ao Bom-Jesus, nome por que era tratado o Conselheiro, o qual não passava de um louco, de um sonhador das cousas do céu. Quasi todos, carregados de imagens, acurvados debaixo dos andores, cantando — pelas estradas — la­dainhas e psalmos; cada um querendo haurir no verbo de tão singular personagem a esperança e o consolo, como beber-lhe nos exemplos a lição da prece e da tenacidade.

« Alguma cousa, mais do que a simples loucura de um homem, era necessaria para este resultado, e essa alguma cousa é a psychologia da época e do meio, em que a loucura de Antonio Conselheiro achou combustivel para atear o incêndio de uma ver­ dadeira epidemia vesanica.[1] »

Ao nascente arraial, por tanto, vinham ter quasi todos os dias grandes caravanas, compostas do pessoas crédulas e simples, procedentes de Mundo-novo, Entre-Rios, Inhambupe, Tucano, Cumbe e outros pontos, as quaes se constituíam logo após discípulos e defensores da nova seita.

Muitas — dentre ellas — tinham deixado, sem o minimo pezar, o sitio em que habitavam desde a infancia; abandonado, sem saudades, o lar e a familia ; e todas aspiravam a felicidade de pertencer ás phalanges do fanatico, por elle educadas a principio na escola do mysticismo e da reza, convertidas depois em centro de reacção e aventuras.

Realisava-se, destarte, uma das leis que regem a psycho­logia das multidões; fazia-se sentir, assim, a influencia indiscutivel da imitação.

  1. Dr. Nina Rodrigues — Revista Brasileira, 3° anno, tomo XI.