Página:A cidade e as serras (1901).pdf/118

Wikisource, a biblioteca livre
104
A cidade e as serras

mais clara que todas as claridades, entre fundas estantes d’ouro abarrotadas de codices, sentado em vetustissimos folios, com os flocos das infinitas barbas espalhados por sobre resmas de folhetos, brochuras, gazetas e catalogos — o Altissimo lia. A fronte super-divina que concebera o Mundo pousava sobre a mão super-forte que o Mundo creára — e o Creador lia e sorria. Ousei, arrepiado de sagrado horror, espreitar por cima do seu hombro coruscante. O livro era brochado, de tres francos... O Eterno lia Voltaire, n’uma edição barata, e sorria.

Uma porta faiscou e rangeu, como se alguem penetrasse no Paraiso. Pensei que um Santo novo chegára da Terra. Era Jacintho, com o charuto em braza, um molho de cravos na lapella, sobraçando tres livros amarellos que a Princeza de Carman lhe emprestára para lêr!


N’uma d’essas activas semanas, porém, a minha attenção subitamente se despegou d’este interessante Jacintho. Hospede do 202, conservava no 202 a minha mala e a minha roupa: e, acostado á bandeira do meu Principe, ainda occasionalmente comia do seu caldeirão sumptuoso. Mas a minha alma, a minha embrutecida