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A cidade e as serras

a entranha. Quatorze vezes subi derreadamente, atraz de um creado, a escadaria desconhecida d’um Hotel; e espalhei o olhar incerto por um quarto desconhecido; e estranhei uma cama desconhecida, d’onde me erguia, estremunhado, para pedir em linguas desconhecidas um café com leite que me sabia a fava, um banho de tina que me cheirava a lôdo. Oito vezes travei bulhas abominaveis na rua com cocheiros que me espoliavam. Perdi uma chapelleira, quinze lenços, tres ceroulas, e duas botas, uma branca, outra envernizada, ambas do pé direito. Em mais de trinta mezas-redondas esperei tristonhamente que me chegasse o boeuf-a-la-mode, já frio, com môlho coalhado — e que o copeiro me trouxesse a garrafa de Bordeus que eu provava e repellia com desditosa carantonha. Percorri, na fresca penumbra dos granitos e dos marmores, com pé respeitoso e abafado, vinte e nove Cathedraes. Trilhei mollemente, com uma dôr surda na nuca, em quatorze muzeus, cento e quarenta salas revestidas até aos tectos de Christos, heroes, santos, nymphas, princezas, batalhas, architecturas, verduras, nudezes, sombrias manchas de betume, tristezas das formas immoveis!... E o dia mais dôce foi quando em Veneza, onde chovia desabaladamente, encontrei um velho