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A cidade e as serras

do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim... Do astro ao homem, do homem á flôr do trevo, da flôr do trevo ao mar sonoro — tudo é o mesmo Corpo, onde circula, como um sangue, o mesmo Deus. E nenhum fremito de vida, por menor, passa n’uma fibra d’esse sublime Corpo, que se não repercuta em todas, até ás mais humildes, até ás que parecem inertes e invitaes. Quando um Sol que não avisto, nunca avistarei, morre de inanição nas profundidades, esse esguio galho de limoeiro, em baixo na horta, sente um secreto arrepio de morte: — e, quando eu bato uma patada no soalho de Tormes, além o monstruoso Saturno estremece, e esse estremecimento percorre o inteiro Universo! Jacintho abateu rijamente a mão no rebordo da janella. Eu gritei:

— Acredita!... O sol tremeu.

E depois (como eu notei) deviamos considerar que, sobre cada um d’esses grãos de pó luminoso, existia uma creação, que incessantemente nasce, perece, renasce. N’este instante, outros Jacinthos, outros Zés Fernandes, sentados ás janellas d’outras Tormes, contemplam o céo nocturno, e n’elle um pequenininho ponto de luz, que é a nossa possante Terra por nós tanto sublimada. Não terão todos esta nossa fórma, bem fragil, bem