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A cidade e as serras

o ouro universal; e de Fabricas fumegando com ancia, inventando com ancia; e de Bibliothecas abarrotadas, a estalar, com a papelada dos seculos; e de fundas milhas de ruas, cortadas, por baixo e por cima, de fios de telegraphos, de fios de telephones, de canos de gazes, de canos de fezes; e da fila atroante dos omnibus, tramways, carroças, velocipedes, calhambeques, parelhas de luxo; e de dois milhões d’uma vaga humanidade, fervilhando, a offegar, atravez da Policia, na busca dura do pão ou sob a illusão do gozo — o homem do seculo XIX podesse saborear, plenamente, a delicia de viver!

Quando Jacintho, no seu quarto do 202, com as varandas abertas sobre os lilazes, me desenrolava estas imagens, todo elle crescia, illuminado. Que creação augusta, a da Cidade! Só por ella, Zé-Fernandes, só por ella, póde o homem soberbamente affirmar a sua alma!...

— Oh Jacintho, e a religião? Pois a religião não prova a alma?

Elle encolhia os hombros. A religião! A religião é o desenvolvimento sumptuoso de um instincto rudimentar, commum a todos os brutos, o terror. Um cão lambendo a mão do dono, de quem lhe vem o osso ou o chicote, já constitue toscamente um devoto, o consciente devoto, prostrado em rezas ante o Deus que